NOTA 2,5 Baseado em série de animação de pouca projeção, longa sobre futuro realmente está há anos-luz de empolgar o espectador |
O gênero de
ficção científica já gozou de muito prestígio décadas atrás quando as produções
não só procuravam impactar o público com efeitos especiais gerados com o que
havia de mais moderno em termos de tecnologia, mas também com enredos que serviam
como alegoria ou faziam alusões ou críticas a temas contemporâneos à época. O
tempo passou e a overdose de produções que vislumbravam como seria o futuro da
humanidade acabou chegando a um nível de saturação muito grande, até porque se
tornaram muito mais reféns dos efeitos visuais, e o gênero acabou se resumindo
a algumas poucas produções capengas lançadas diretamente para abastecer
locadoras, raramente sendo exibidas nos cinemas. Com a popularização dos jogos
de vídeos games e dos seriados que se tornaram populares ao exibir visões
apocalípticas do mundo futurista, a ficção científica renovou seu fôlego
timidamente, o que não significa necessariamente algo bom. Se por um lado
realimentou a esperança de um gênero fadado a extinção, as produções do tipo
lançadas nos primeiros anos do século 21 são totalmente desnecessárias, salvo
raras exceções. Um bom exemplo de tempo e dinheiro desperdiçado é Aeon
Flux. Quem? Se você se fez essa indagação este é mais um motivo para
afirmar que a diretora Karyn Kusama se dedicou a um trabalho insípido. O título
desta aventura futurista é o mesmo nome de sua protagonista, uma heroína de
pouca projeção de um modo geral, mas que de certa forma marcou a adolescência
ou sua fase inicial de muito marmanjo. Exibida em meados dos anos 90 pela MTV (inclusive
no Brasil), emissora que então começava a viver o ápice de sua popularidade, a série
de animação feita para adultos criada por Peter Chung mostrava como estaria o
Planeta Terra daqui a quatro séculos. A trama roteirizada por Phil Hay e Matt
Manfredi para o filme segue a mesma premissa, porém, sua história é tão frágil
e desinteressante que acaba perdendo espaço inquestionavelmente ao visual do
longa, isso porque em termos técnicos a cineasta, em sua segunda experiência
atrás das câmeras, só oferece o básico que se espera de uma produção de tal
porte. Com tal comparação você já tem uma ideia do que te espera. Por ter
dirigido um obscuro filme chamado Boa de
Briga é que Karyn deve ter conseguido o passe livre para assumir a direção
desta aventura que passou por inúmeros percalços em sua pré-produção. Se forem
pancadarias milimetricamente coreografadas que a geração MTV quer é o que ela
teria, pensaram certamente os produtores do canal que abraçaram o projeto em
seu núcleo cinematográfico. O difícil é entender como Charlize Theron embarcou
nessa, ainda mais sendo este o seu primeiro longa lançado após o Oscar por Monster – Desejo Assassino.
Logo nos
primeiros minutos temos aquele manjado truque de encurtar a trama e cortar
gastos resumindo ao máximo o contexto em algumas ligeiras frases, um modo de
situar os espectadores viajantes, neste caso algo essencial visto o ostracismo
em que vive a heroína. Descobrimos assim que no ano de 2011 um vírus mortal
exterminou 99% dos seres humanos. Os poucos sobreviventes se instalaram na
cidade de Bregna e procuraram ao longo dos 400 anos seguintes alternativas para
reconstruir a civilização. Tais pessoas são coagidas por um forte governo
ditador, cientistas que não pensam duas vezes antes de limar aqueles que julgam
inconvenientes aos seus propósitos. Para combatê-los existe um grupo de
resistência denominado Monican do qual Aeon Flux (Chralize) é a sua melhor
agente e, portanto, a escolhida para cumprir uma importante missão: assassinar
Trevor Goodchild (Martin Cssokas), o líder do governo e o provável responsável
pela morte da irmã da jovem. Porém, quando tem a chance de se livrar de seu
inimigo, segredos vem a tona sobre a verdadeira realidade do planeta e fazem
com que a justiceira reveja seus conceitos quanto as práticas deste homem. Pior
ainda, ela sente que tem alguma ligação diferenciada com Trevor. Tentando
defendê-lo, Aeon acaba contrariando as ordens de Handler (Frances McDormand), uma
espécie de mentora dos monicans cujo contato só é possível através de uma
realidade paralela. Assim, ela acaba virando alvo da fúria do próprio grupo a
que pertence, aliás, uma das poucas cenas bacanas do filme é justamente quando
ocorre o ápice do conflito entre Aeon e sua amiga Sithandra (Sophie Okonedo),
sequências bem editadas e coreografadas. Charlize chegou a treinar com equipes
do famoso Cirque Du Soleil para dar mais veracidade às cenas de ação,
dispensando uma dublê mesmo após ter se acidentado durante as filmagens, o que
acarretou mais um mês de atraso à produção. Pobre moça. Não adiantou todos os
seus esforços, já que a cineasta optou na mesa de edição priorizar a agilidade
e focar em planos mais lentos apenas as poses que revelassem melhor as curvas
do corpo escultural da super loira que ficou morena para o papel. É certo que
Karyn jogou todas as responsabilidades de obter algum reconhecimento de certa
forma em cima da atriz sul-africana, apostando que sua beleza e sua publicidade
com o recente Oscar ganho já seriam suficientes para atrair público. Além da
heroína não cativar o espectador, todos os outros personagens também parecem
desprovidos de qualquer tipo de emoção. No conjunto parece que estamos
acompanhando um filme baseado em algum jogo de vídeo game, sensação ainda mais
evidente quando chegamos aos minutos finais e o mata-mata corre solto. Se a
história fosse aquele arroz com feijão do conflito entre opressores e rebeldes
com direito ao clichê de um representante de cada lado virando a casaca e
unindo forças para alcançar a paz, até que esta aventurazinha seria tolerável,
mas as pretensões são demais. Além de imaginar um futuro claustrofóbico, afinal
fora o controle político a população de Bregna ainda precisa viver em meio a
construções de concretos espremidas em meio a uma selva colossal, o roteiro
ainda pretende trazer a tona questões sobre clonagem e vida eterna, discussões
bizarras diante dos subsídios que Hay e Manfredi nos oferecem.
Se o filme já
estava duro de aguentar em seus dois primeiros atos as coisas pioram quando
Aeon descobre o que foi feito de sua finada irmã e consequentemente as razões
que a levaram a não conseguir matar Trevor quando tinha chance e o porquê de no
início do filme a personagem receber outro nome, mas não espere explicações
científicas, espíritas ou de qualquer outra natureza. É justamente por não
conter elementos realísticos ou no mínimo compreensíveis no que deveria ser o
ápice do longa que o espectador se desanima e perde a vontade de chegar aos créditos
finais, isso se alguém conseguir assistir cinco ou dez minutos sem deixar que
seus preconceitos interfiram afinal, como já dito, são tantas as baboseiras que
o cinema já apresentou sobre o futuro que fica difícil botar fé em produtos do
tipo, ainda mais quando o tema está ligado a um personagem que não foi criado
exclusivamente para o filme. É como se o universo apresentado em produções
desse estilo fosse acessível a um pequeno nicho de espectadores, no caso, os
poucos admiradores da série de animação. Tanto para realizar tal obra quanto
para apreciá-la teoricamente é preciso ser íntimo desse mundo particular, mas
parece que Karyn caiu de pára-quedas no projeto, ainda que ela tenha tido o bom
senso de explicar de forma razoavelmente detalhada em que contexto a heroína está
inserida, mas é difícil compilar em menos de duas horas tudo o que foi
construído ao longo de uma série e ainda deixar o material inteligível a um
número bem maior de pessoas, entre leigos e entendidos do assunto. O resultado
ficou muito aquém das expectativas, não agradando nem os fãs da animação
tampouco um público novo que poderia ser conquistado e garantir assim uma
sobrevida à heroína nos cinemas. A decepção por parte dos executivos que deram
sinal verde para o projeto foi tanta que nem mesmo arriscaram a tradicional
premiére à imprensa para evitar críticas negativas, mas a tática não adiantou.
Fracasso instantâneo nos EUA, a aventura já chegou a outros países com má
fama e a arrecadação não cobriu seus gastos de produção, o que também
inviabilizou qualquer continuação mesmo que para lançamento direto em DVD,
caminho comum a projetos com potencial (bem, nem sempre), mas com público
escasso. Misturando elementos oriundos do universo de Matrix (que teria sido inspirado na criação de Peter Chung) e de Lara Croft – Tom Raider, só para citar
os exemplos mais óbvios de referências, esta é uma aventura que não empolga nem
mesmo em termos conceituais, sendo que a Bregna idealizada não causa impacto
emocional algum, principalmente porque o excesso de chroma key (imagens falsas
inseridas em imagens pré-gravadas com fundo verde ou azul) tiram qualquer
possibilidade do espectador achar crível tal mundo futurista, ainda mais com
seres tão desinteressantes a habitando. Melhor seria a extinção da humanidade.
Deixando a desejar em todos os aspectos, inclusive nas cenas de ação que perdem
força por serem desprovidas de diálogos resumindo-se a uma sequências de socos,
chutes e pulos, podemos dizer, guardada as devidas produções, que Aeon
Flux hoje tem o mesmo valor que um filme do He-Man ou das Tartarugas
Ninjas: apenas um título de curiosidade, um suvenir característico de um
período, mas com a diferença de que foi lançado tardiamente, longe do
burburinho que a animação original poderia ter causado, assim já nasceu com um
pezinho na sepultura.
Aventura - 92 min - 2005
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