NOTA 8,0 Polêmico cienasta acerta ao abordar a extinção da humanidade de forma intimista e sem firulas |
Pode ser intencional ou não, mas é um fato comprovado que o cineasta Lars Von Trier se beneficia da aura que sua filmografia carrega: reflexiva, polêmica e original. Ele tem seu público e consegue a cada novo lançamento se manter em evidência de alguma forma, sempre gerando certo burburinho que colabora para a campanha do filme. As vezes ele exagera com materiais excessivamente fortes e em outras derrapa com histórias que basicamente se apóiam em olhares e gestos que tomam o lugar dos diálogos. Seja como for, um projeto com a assinatura deste profissional, embora destinada a platéias seletas, certamente consegue com mais facilidade sair do papel e até chegar ao circuito de exibição simplesmente porque falam por si só. Não precisam de um título, elenco e tampouco sinopse definidos para que ganhem o aval de algum estúdio, basta o nome do cineasta atrelado. Ele é como um Midas do cinema alternativo. Tudo que toca vira ouro. Pode não reluzir seu brilho imediatamente, mas com o passar dos anos suas obras tornam-se cultuadas e chamam a atenção de cinéfilos, inclusive de jovens. Foi assim com Ondas do Destino, Dançando no Escuro e Dogville. O mesmo efeito deve se repetir com Melancolia, produção que chegou com muita expectativa aos cinemas graças ao marketing extra gerado pelas polêmicas que o diretor instaurou com algumas infelizes declarações sobre o nazismo que disparou durante o Festival de Cannes, evento que deu o prêmio de Melhor Atriz para Kirsten Dunst, atriz mais conhecida por papéis insossos em produções hollywoodianas ou, na melhor das hipóteses, lembrada como a namorada do Homem-Aranha. Ela é uma das protagonistas. A outra é Charlotte Gainsbourg, que já havia trabalhado com Trier no impactante Anticristo. Elas vivem irmãs, respectivamente Justine e Claire, e o filme se divide em dois atos, cada um enfocando uma delas e levando seus nomes. Apesar disso, a personagem de Kirsten tem uma participação ativa em ambas as sequências. Como de costume, o enredo é um tanto excêntrico e provocativo, porém, no conjunto a obra é irregular apesar de um fato ligar os dois episódios. Pode ser incômoda numa visão geral ou quando vista separadamente, mas a produção ao mesmo tempo possui elementos que seduzem os adeptos do cinema reflexivo, sendo possível até enxergar de forma linear tal narrativa. A interpretação do conteúdo de um filme, seja ele alternativo ou extremamente comercial, varia e dificilmente se chega a um parecer unânime, ainda mais quando se trata de um produto de um diretor que gosta de provocar e não mastigar as coisas.
Nesta produção existe um prólogo que mostra uma sequência belíssima de imagens como se fosse um sonho surreal e que prepara o espectador para a obra filosófica e reflexiva que irá acompanhar. Logo depois conhecemos o fato que alinhava os dois atos que vem a seguir. Um planeta chamado Melancolia está prestes a colidir com a Terra e promoveria a extinção da humanidade. A primeira parte do filme não desenvolve tal tema, mas concentra sua ação na festa de casamento de Justine com Michael (Alexander Skarsgard). Sua irmã e o cunhado John (Kiefer Sutherland) colaboram oferecendo uma bela comemoração em um suntuoso salão. O clima festivo, porém, é só de aparências e a noiva o tempo todo se mostra inquieta com a situação e parece querer se recolher ao máximo, evitar conversas e principalmente a companhia do marido. Fica evidente que ela está com depressão, mas os motivos para isso não são expostos claramente. Esse bloco, que dura cerca de uma hora, é focado nos gestos e expressões da personagem de Kirsten que consegue sem apelar para o dramalhão demonstrar toda sua tristeza. O tom seco e o passeio da câmera pelo salão caracterizam essa parte como forma de criar uma inquietação no espectador para saber o que está por vir, mas os mais afobadinhos podem perder a paciência com o tom arrastado e desistir ao término deste ato que se revela pouco interessante. Não faça isso, siga em frente. A segunda parte é bem mais envolvente. Justine vai morar com a irmã após ser diagnosticada com uma depressão profunda, porém, o clima da nova residência não contribui para a melhora de ninguém. Claire está apavorada com a notícia de que o Melancolia está cada vez mais próximo da Terra, embora seu marido John, um estudioso sobre os mistérios do universo, tente acalmá-la convicto de que nos últimos instantes o improvável aconteceria e todos se salvariam. Justine, por sua vez, não liga para os conceitos científicos ou apocalípticos. Para todos os efeitos, já não está mais viva. Está presente de corpo, mas mente e alma parecem anulados. No final a personagem resgata um pouco de si mesma, porém, pode ser tarde para querer recuperar algo ou ela ressurge apenas para trazer algumas palavras de conformismo para a irmã.
Nesta produção existe um prólogo que mostra uma sequência belíssima de imagens como se fosse um sonho surreal e que prepara o espectador para a obra filosófica e reflexiva que irá acompanhar. Logo depois conhecemos o fato que alinhava os dois atos que vem a seguir. Um planeta chamado Melancolia está prestes a colidir com a Terra e promoveria a extinção da humanidade. A primeira parte do filme não desenvolve tal tema, mas concentra sua ação na festa de casamento de Justine com Michael (Alexander Skarsgard). Sua irmã e o cunhado John (Kiefer Sutherland) colaboram oferecendo uma bela comemoração em um suntuoso salão. O clima festivo, porém, é só de aparências e a noiva o tempo todo se mostra inquieta com a situação e parece querer se recolher ao máximo, evitar conversas e principalmente a companhia do marido. Fica evidente que ela está com depressão, mas os motivos para isso não são expostos claramente. Esse bloco, que dura cerca de uma hora, é focado nos gestos e expressões da personagem de Kirsten que consegue sem apelar para o dramalhão demonstrar toda sua tristeza. O tom seco e o passeio da câmera pelo salão caracterizam essa parte como forma de criar uma inquietação no espectador para saber o que está por vir, mas os mais afobadinhos podem perder a paciência com o tom arrastado e desistir ao término deste ato que se revela pouco interessante. Não faça isso, siga em frente. A segunda parte é bem mais envolvente. Justine vai morar com a irmã após ser diagnosticada com uma depressão profunda, porém, o clima da nova residência não contribui para a melhora de ninguém. Claire está apavorada com a notícia de que o Melancolia está cada vez mais próximo da Terra, embora seu marido John, um estudioso sobre os mistérios do universo, tente acalmá-la convicto de que nos últimos instantes o improvável aconteceria e todos se salvariam. Justine, por sua vez, não liga para os conceitos científicos ou apocalípticos. Para todos os efeitos, já não está mais viva. Está presente de corpo, mas mente e alma parecem anulados. No final a personagem resgata um pouco de si mesma, porém, pode ser tarde para querer recuperar algo ou ela ressurge apenas para trazer algumas palavras de conformismo para a irmã.
Se o ato “Justine” não é muito atraente, obviamente o fato que mais caracteriza esta obra é a escolha do tema do fim do mundo que dá a tônica da parte “Claire”. É curioso que tal viés tenha sido escolhido por um diretor completamente arredio ao cinemão hollywoodiano, afinal de contas o extermínio da humanidade é um assunto frequentemente utilizado, porém, pouco se reflete sobre isso e o espetáculo é o que chama a atenção. Ondas gigantes, tempestades de neves, invasões alienígenas e até vulcões em erupção já foram as armas para destruir a Terra nos cinemas, sejam em projetos milionários ou em produções paupérrimas e toscas. Felizmente, vez ou outra algum cineasta surge com a idéia de olhar tal tema com mais seriedade e se preocupando com as manifestações humanas diante do desconhecido. Ensaio Sobre a Cegueira, A Estrada e O Nevoeiro são algumas obras que revelam que pior que ter a vida ceifada rapidamente por algo inevitável vindo da natureza ou do espaço é sobreviver a tragédia e precisar vencer a cada minuto a violência instintiva dos outros sobreviventes. Bem, mas em Melancolia não temos também esse espetáculo bizarro pós-catástrofe. O enfoque de Trier é captar o comportamento das pessoas chegada a hora do apocalipse. O espectador mais atento certamente perceberá a grande mensagem implícita do longa. Independente do choque dos planetas, a sociedade em si já está à beira de um colapso e a família destacada aqui serve como uma amostra representativa de tantas outras que estão espalhadas pelo mundo e vivendo um caos emocional. E assim o cineasta novamente consegue entregar um trabalho que dificilmente deixa algum espectador indiferente à obra. Mesmo quem não tenha gostado certamente vez ou outra resgatará as imagens do filme em sua mente e tentará compreender o sentido de um filme dividido em duas partes aparentemente desconexas, mas ao mesmo tempo intimamente ligadas. Homem e natureza, morte e vida, apego e desapego, crença na ciência e medo do desconhecido. São tantos os pontos a serem refletidos que para quem gosta de cinema de qualidade talvez melancolia seja a última coisa que irá sentir após a última e impactante cena.
Drama - 136 min - 2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário