quarta-feira, 16 de março de 2016

MEIA-NOITE EM PARIS

NOTA 9,0

Woody Allen faz uma bela
homenagem a cultura e a Paris
celebrando o passado, mas sem
menosprezar o presente
O cultuado ator, roteirista e cineasta Woody Allen parece uma máquina de fazer filmes e praticamente lança um por ano, embora a maioria de seus títulos acabe chamando a atenção apenas de seus fiéis fãs. Todavia, com uma extensa filmografia, é curioso, mas parece que conforme suas produções envelhecem suas visibilidades tendem a aumentar, um efeito contrário as regras do próprio mercado cinematográfico que cada vez mais procura enterrar o mais rápido possível os filmes “velhinhos”, mesmo os pertencentes a um passado recente. Aliás, a exaltação da nostalgia quanto ao cenário cultural e seus bens e representantes é o que serve de alicerce para um marco na carreira do diretor. Meia-Noite em Paris surpreendeu com a polpuda massa de espectadores que conseguiu arrebatar e ainda atinge. O projeto já vinha sendo comentado meses antes de seu lançamento, o que é comum acontecer em torno de novos trabalhos de Allen que tem como uma de suas marcas registradas reunir sempre um excelente elenco para interpretar as histórias que o próprio escreve e que geralmente circundam assuntos semelhantes, como no caso em que uma crise existencial e o medo do fracasso rondam a vida protagonista. O enredo nos apresenta a Gil Pender, interpretado por um surpreendente Owen Wilson fazendo às vezes de alterego do cineasta. O rapaz admira os grandes escritores e sempre sonhou em ser reconhecido de forma semelhante, mas mesmo trabalhando como roteirista de cinema em Hollywood e sendo bem remunerado ele ainda se sente frustrado e longe de seus reais objetivos visto que é muito crítico com seus próprios escritos. Prestes a viajar para Paris com sua noiva, Inez (Rachel McAdams), e seus futuros sogros, John (Kurt Fuller) e Helen (Mimi Kennedy), ele nem imagina que o passeio será renovador. O pai da garota irá à famosa Cidade Luz para fechar um grande negócio, mas durante toda a viagem não se preocupa nem um pouco em esconder que não gosta do genro, contudo, problemas familiares à parte, estar desfrutando de uns dias em uma cidade também conhecida como um berço cultural e fonte de inspiração para muitos artistas acaba fazendo com que Gil volte a se questionar sobre os rumos que deu a sua vida, voltando a sonhar em um dia se tornar um escritor renomado. Visto por essa breve sinopse, o longa pode parecer um tanto simplório e com uma dramaticidade de baixo impacto, mas o segredo desta produção está justamente no desenvolvimento do argumento que guarda algumas interessantes surpresas, alguns toques especiais que certamente são mais facilmente identificáveis para os espectadores apreciadores da arte e cultura em suas diversas manifestações, porém, tudo apresentado de forma com que o público leigo também possa desfrutar da experiência.

Após deixar um pouco de lado os cenários nova-iorquinos e apostar nas passagens européias, fase iniciada com o bem sucedido Match Point – Ponto Final, Allen conquistou uma nova leva de fãs, reforçou os laços com os antigos e até mesmo fez as pazes com os que se decepcionaram com os seus trabalhos datados de uma fase em que sua filmografia se resumia muito mais em quantidade do que qualidade. Contudo, fora a repercussão positiva de Vicky Cristina Barcelona, o cineasta ainda devia novos produtos que garantissem a manutenção de seu público e para tanto foi neste caso se inspirar em fontes corriqueiras do cinema: a constante insatisfação do ser humano e sua natural vontade de voltar ao passado seja para viver experiências inéditas, traçar uma nova trajetória para sua vida ou mesmo para fugir de uma realidade que não lhe agrada. Tais temas estão sempre povoando as mentes das pessoas e Allen tira proveito disso usando um viés original, interessante e no qual é possível sentir suas reais emoções graças ao tom de homenagem com o qual ele aborda a poesia, a música, a literatura, as artes plásticas e o próprio cinema. Ao soar das dozes badaladas do relógio a noite, Gil, certa vez caminhando pelas ruas parisienses após beber algumas doses de vinho, não encontra o caminho de volta para o hotel, mas é encontrado por um carro de estilo antigo cujos passageiros o convidam para um instigante passeio. Aceitando a proposta, o rapaz acaba viajando no tempo e aterrissando na romântica, cultural e virtuosa década de 1920 e encontrando nomes famosos do cenário artísticos e intelectual da época. De repente ele se vê na companhia do músico Cole Porter (Yves Heck), do pintor Pablo Picasso (Marcial Di Fonzo Bo), do cineasta Luis Buñuel (Adrien de Van) e do escritor Ernest Hemingway (Corey Stoll), só para citar alguns dos exemplos. Provando que Gil nasceu próximo do final do século 20 por um desvio do destino, ele não estranha os encontros com tais personalidades e a recíproca é a mesma. Os diálogos surgem naturalmente e sem aquelas forçadas e previsíveis tiradas para causar humor contrastando o passado e o presente e a cada nova badalada da meia-noite que para muitos anuncia o limite para ficar acordado, para Gil significa o início de uma produtiva noite regada a conversas que mexem com seu emocional e sua razão. Para os espectadores, cada novo passeio do carro antigo cria uma deliciosa expectativa para descobrirmos qual será o novo intelectual ou artista que entrará em cena. As diferentes nacionalidades de tais personalidades têm justificativa. Para quem não sabe Paris, além de prestigiar os seus trabalhadores do campo cultural, há muitos anos recebe de braços abertos artistas que não tiveram oportunidades em seus países, inclusive muitos americanos fizeram suas carreiras em solo parisiense. Curiosamente o próprio Allen que exaltou Nova York e suas adjacências em dezenas de filmes chegou a um ponto em que seus projetos já não recebiam incentivos financeiros dos ianques o que o obrigou a virar a lente da sua câmera para paisagens européias. Há males que vem para o bem. Podemos dizer que o diretor aderiu ao realismo fantástico e escolheu uma cidade-símbolo como palco para este trabalho como uma forma poética de agradecer a tudo que a Europa lhe ofereceu, afinal de contas, como já dito, essa sua fase profissional o trouxe de volta a mídia tornando-se um nome tão importante quanto o de Pedro Almodóvar ou Tim Burton para o cinema contemporâneo (só para ficar em alguns exemplos de cineastas que tem um estilo bem definido e os fãs já sabem o que esperar de suas obras).

Embora exalte nomes importantes do campo cultural e a dúvida do protagonista seja teoricamente aceitar ou abdicar do sucesso em troca de ao menos uma obra memorável que coloque seu nome na História, o longa não faz questão de enaltecer o intelectualismo, tanto que Gil provoca um possível rival no amor, Paul (Michael Sheen) quando este se gaba de conhecer a obra do escultor Rodin ou os detalhes do histórico dos famosos jardins de Versalhes, por exemplo. Não adianta nada ostentar os conhecimentos de arte se não há experimentação da mesma. Engana-se quem ainda resiste a assistir a este filme com medo de longos discursos rebuscados sobre obras literárias ou movimentos artísticos. As conversas do protagonista com seus ídolos causam humor justamente por nos surpreender com o teor descontraído que carregam deixando até mesmo escapar alguns segredinhos, como conturbadas relações amorosas, ou por colocarem em pauta temas que hoje em dia são relevantes. Ao mesmo tempo todos os mestres plantam na cabeça de Gil alguma reflexão para que ele possa tirar algum proveito em seu presente, inclusive rever seus sentimentos em relação a noiva e suas expectativas para o futuro. Allen também não quer dizer que os tempos atuais são pavorosos e que no passado é que se encontram os bons momentos da humanidade. É feita uma reflexão sobre a atualidade e das razões que nos fazem desqualificá-la constantemente. No fundo, as situações que vivemos hoje tem certa ligação com os acontecimentos de ontem e é preciso saber absorver as coisas boas para fazermos o tempo atual e o que está por vir melhor. Como a insatisfação é natural do ser humano, a tendência é sempre exaltarmos o passado, mas é preciso ter em mente que quem viveu décadas atrás também não era plenamente feliz. O próprio trabalho dos homenageados no filme certamente eram formas de se expressar e manifestar anseios e insatisfações seja através de letras de música, livros ou mesmo um quadro. Existe um vasto histórico de bens culturais no mundo todo que abalaram estruturas sociais e até mesmo políticas, como no caso da Ditadura Militar no Brasil que chegou a exilar ou matar artistas e pensadores. Mas Allen não quis trair seu estilo e não levou a discussão para esse caminho tão duro preferindo manter sua obra com aura leve e onírica. Drama ou comédia? É difícil classificar, mas genericamente o filme é vendido como uma produção de humor, porém, de qualidade técnica e narrativa infinitamente superior a tantos outros títulos da categoria. Meia-Noite em Paris deve fazer muita gente se lembrar de outro trabalho importante do diretor, A Rosa Púrpura do Cairo, por causa do uso do recurso da metalinguagem e da arte como instrumento de escapismo a realidade que nem sempre é tão bela. Acostumado a abusar de referências artísticas em suas produções e algumas vezes citar Paris com carinho, talvez nunca Allen tenha investido tanto na estratégia e a Cidade Luz, embora apareça em cena com todos os seus costumeiros pontos turísticos, surge de forma diferenciada, iluminada, belissimamente fotografada. Em suma, tal filme só poderia mesmo ser fruto da visão de um apaixonado pelo local. De um amante das artes. De alguém interessado nas emoções humanas. De um homem que respeita a alcunha do cinema como sétima arte. Um legítimo exemplar da grife Woody Allen.

Vencedor do Oscar de roteiro original

Comédia - 100 min - 2011 

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9 – 10 Excelente, praticamente perfeito do início ao fim
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Um comentário:

renatocinema disse...

Não sou grande fã do diretor. Porém, como você mesmo cita esse é um trabalho que realmente surpreende.

abs