NOTA 7,0 Michelle Williams praticamente carrega nas costas drama cuja premissa soa estranha, mas que de fato incendeia nossos pensamentos |
Existem filmes que se iniciam de forma desinteressante e pouco cativante. Muitos espectadores têm o hábito de assistir alguns poucos minutos de uma produção e se não gostam da introdução não seguem adiante. O estilo de filmagem, o roteiro, o visual, as interpretações e a temática são alguns dos entraves que podem surgir na comunicação entre o filme e o público, mas algumas obras, ou talvez a maioria, que começam mal podem surpreender com o desenvolvimento da narrativa. Esse é o caso de Incendiário, um produto cujo título e premissa não soam como muito interessantes. Uma jovem mãe (Michelle Williams), cujo nome não é revelado, aparentemente vive feliz ao lado do marido, o policial Lenny (Nicholas Gleaves), e do filho (Sidney Johnston), também sem nome mencionado, porém, ela sente falta de amor no relacionamento com seu parceiro. Praticamente vivendo como amigos, o que indica que talvez a união entre eles foi forçada devido a uma gravidez inesperada, a mulher se sente instigada a conhecer um homem que avista pela janela entrando no prédio a frente do seu acompanhado de uma garota. Ele é Jasper Black (Ewan McGregor), um jornalista que gosta da fama de conquistador que tem. Propositalmente, certa noite a jovem vai até um bar em que o rapaz está e ele, obviamente, vê a chance de mais um nome figurar em sua lista de amores rápidos. Eles começam a ter encontros cada vez mais tórridos até que um dia são surpreendidos ao verem na TV ao vivo a explosão de um estádio esportivo enquanto mantinham relações. Era um ataque terrorista que vitimou o marido e o filho da adúltera que tinham ido assistir a um jogo de futebol por insistência dela. A partir de então ela está fadada a carregar, além da dor, a culpa de perder sua família por causa de uma atitude extremamente questionável sua.
Até o ponto da história em que a mãe ganha contornos de vilã por ser a errada na situação, o que ocorre antes de meia hora de filme, é difícil acreditar que tal narrativa vá longe a ponto de surpreender. Como sofrer junto com uma personagem que de santinha não tem nada? Será que ela realmente está sofrendo com o corrido? O que é incômodo nesta situação é que a morte de pai e filho é presenciada pela protagonista enquanto ela estava mantendo relações sexuais com o amante. É esquisita a sensação que o contraste entre o prazer e o sofrimento da jovem proporciona ao espectador, mas não desista e siga em frente, pois é a partir daí que o enredo mostra a que veio e capta as atenções. Remoendo sua tristeza e remorso, a moça passa a receber atenção especial do amante e também do companheiro de trabalho do falecido, Terrence Butcher (Matthew Macfayden), o policial encarregado pela investigação do caso e que também demonstra interesse amoroso por ela. Assim começa o triângulo amoroso incendiário que o título faz alusão. De certa forma, os dois homens estão ligados ao fatídico episódio que acabou com uma família e ambos desejam estreitar os laços afetivos com a jovem viúva, o que poderia não ser bem visto pela sociedade revelando um lado promíscuo dela que teria como agravante o fato de viver na periferia, o que já implica em um preconceito implícito. Comportamento reprovável, procurando um relacionamento rapidamente após a perda do marido, levando uma vida simplória em um condomínio decadente, enfim tudo colabora para a imagem da mulher de classe baixa que vê na promiscuidade a válvula de escape para sua desagradável realidade. Essa visão é muito comum no Brasil, mas não é muito diferente do que ocorre em outros países, mas o enredo não se presta a esmiuçar o sofrimento da protagonista por conta do que os outros podem achar dela. O foco principal é a tentativa de reestruturar uma vida forçosamente despedaçada a partir das investigações que ela própria conduz em busca de respostas para o que aconteceu. Seria mesmo apenas uma obra do acaso o tal acidente? Quem o provocou? Por que o repentino interesse por ela do colega de trabalho de seu marido? Estaria a própria polícia envolvida e querendo colocar panos quentes? A diretora Sharon Maguire, que ganhou fama com O Diário de Bridget Jones, foi muito habilidosa ao conduzir uma narrativa predominantemente dramática, mas contando com toques de suspense e uma aura de produção alternativa evidenciada pela importância dada a takes sem diálogos ou que contemplem os olhares e gestos dos personagens.
Michelle, figura praticamente onipresente no cinema alternativo nos últimos anos, faz aqui o papel de uma anti-heroína. Ela seria a mocinha da trama, mas sua própria personagem faz questão de relembrar a todo instante que está longe de ser um bom exemplo, alguém para se sentir pena. Ela tem consciência de suas atitudes erradas, de sua traição, mas procura a redenção na busca de evidências que constatem que havia um por que mais forte para a presença do marido naquele estádio justamente na hora da explosão do que o seu simples pedido para passar algum tempo livre sozinha. Ela consegue se aproximar da família do terrorista e se vê em mais uma complicada situação. O filho do chamado homem-bomba (Usman Khakhar) nem desconfia das atividades do seu pai e ainda sonha com a promessa de regresso que ele fez na última vez que se viram. Seria certo ela se vingar destruindo os sonhos de uma criança que nada tem a ver com os acontecimentos que a atingiram? Por fim, a protagonista acaba virando o jogo a seu favor e emociona o público com suas narrações em off das cartas que escreve como desabafo destinadas a Osama Bin Laden (na época vivo e refugiado) e também seu olhar triste quando avista no céu os balões em homenagem as vítimas do acidente. O filme é todo de Michelle. McGregor e Macfayden estão ali como coadjuvantes de luxo, apenas realizam seus trabalhos de forma competente, mas nada excepcionais. Baseado no livro homônimo de Chris Cleave, Incendiário possui uma dramaticidade peculiar e que nos ensina a ver o outro lado das coisas. O terrorista que aceitou a morte em nome dos conceitos e tradições da ideologia que seguia talvez não tenha pensado em sua esposa e filho, ambos que teriam que aguentar os eminentes apedrejamentos como se todos os árabes fossem “farinha do mesmo saco”. A moça de comportamento irregular aprendeu com seus erros e merecia uma segunda chance, mas a sociedade também precisa ajudar a abrir essa brecha, não é apenas uma tarefa dela. Enfim, esta é uma produção cuja dimensão e profundidade só teremos idéia bem depois do término quando pararmos para refletir. Vale a pena conferir.
Drama - 100 min - 2008
Um comentário:
Lembro que fiquei curioso ao ver novamente Michelle Williams trabalhando com Ewan McGregor, já haviam, afinal, trabalhado juntos em Deception, filme que é bastante ruim. Ainda não assisti a esse título que você resenhou, mas confesso que há algo nele que me atrai e em breve eu pretendo conferi-lo, já que nutro simpatia pelos dois atores protagonistas.
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