segunda-feira, 11 de julho de 2016

OS AMORES DE PICASSO

NOTA 7,5

Com apuro técnico digno de
clássicos,  cinebiografia de um dos
maiores gênios das artes perde pontos
com o maniqueísmo dos personagens
As histórias sobre artistas das mais diversas áreas sempre foram uma excelente fonte de inspiração para o cinema. A trajetória ou determinado período da vida de vários atores, diretores, músicos e cantores já ganharam suas versões cinematográficas, mas quando o destaque vai para artistas plásticos tais produções ganham um charme a mais devido ao colorido das telas desses gênios da pintura. Assim, a vida artística e profissional de Frida Kahlo, Jackson Pollock, Michelangelo “Caravaggio”, Francisco Goya entre tantos outros ganharam suas versões em película carregando em seus títulos nomes de pesos que já se encarregariam de atrair público, porém, muitas dessas obras não fizeram o sucesso esperado, nem de crítica tampouco comercial. Este é o caso de Os Amores de Picasso, obra que acompanha dez anos conturbados da vida de um dos maiores representantes da arte cubista. A narrativa concentra-se entre os anos de 1943 e 1953, período em que Pablo Picasso (Anthony Hopkins) se envolveu com a aristocrata francesa Françoise Gilot (Natascha McElhone). Toda essa história é contada pelo ponto de vista desta mulher cerca de quarenta anos mais jovem que o seu mestre que tanto idolatrava, diga-se de passagem, então já um sexagenário. Contentando-se em se tornar pupila do pintor e ficar mais próxima do mundo das artes, a garota aceita as traições do companheiro, afinal ela própria ocupava um dos papéis de amante, assim concomitantemente Picasso manteve relacionamentos com outras damas como Dora Marr (Julianne Moore), Marie-Therese Walter (Susannah Harker) e Olga Khokhlova (Jane Lapotaire), então sua legítima esposa. Coincidência ou não, nenhuma delas teve uma vida feliz e certamente isso tem a ver com seus relacionamentos com o espanhol este que, por sua vez, abandonou todas elas sem cerimônias. Apenas Françoise teve coragem de dispensá-lo, sendo que imediatamente ao fim deste romance ele se juntou à Jacqueline Roque (Diane Venora), que mesmo sendo tratada como uma serviçal permaneceu com o artista até ele vir a falecer em 1973.

Ao mesmo tempo carismático e com poder de atração excepcional, o gênio cubista também é apresentado como um homem dominador, egocêntrico e até mesmo cruel, tanto com as mulheres quanto com subalternos, o que é evidenciado nos flashbacks que mostram seus relacionamentos com cinco de suas setes companheiras (relacionamentos de conhecimento público, fora os casos mais rápidos e na surdina). Chega a ser difícil imaginar como uma pessoa tão avessa as relações afetivas poderia ter tanta sensibilidade para deixar mensagens subliminares em suas obras que para alguns leigos não passam de um monte de rabiscos. Na época retratada, Picasso estava investindo também em outros tipos de artes, como a escultura em cerâmica, atividade pouco conhecida sua, mas que o longa não aprofunda. Entretanto, a opção de enfocar Picasso em uma fase madura e já tendo seu trabalho reconhecido foge do lugar comum das cinebiografias que tendem a fazer um dramalhão da história de algum famoso contando desde sua infância até seu falecimento que, na maioria dos casos, sempre ocorrem acerca de circunstâncias melancólicas ou trágicas. Todavia, a quem acuse a obra de reduzir o gênio das artes a um garanhão sem escrúpulos e de descartar o fato de que no mesmo período retratado ele era perseguido por nazistas. Foi quando políticos e pessoas influentes tentaram enquadrar seu estilo de arte a uma estética mais realista. Por conta disso, Picasso não escondia seu descontentamento e declarava que passou uma temporada no inferno, mas no pós-guerra seu talento fora reconhecido como até então jamais outro artista havia sido idolatrado, muito por conta da ascensão de jornais e revistas. Graças a esses registros visuais, segundo relatos, pôde-se perceber que Hopkins tem uma semelhança impressionante com o pintor, mas claro que a natureza só deu uma mãozinha, não fez milagres. O ator usou lentes de contato, dentadura, maquiagem e emagreceu cerca de quinze quilos para compor o personagem, porém, está longe de ser uma de suas interpretações mais inspiradas. O problema é que não ficam visíveis as qualidades de Picasso capazes de fazerem tantas mulheres se sentirem atraídas e até mesmo se anularem por seu amor. A única que consegue manter certa distância deste poder de sedução é Françoise, ainda que tenha convivido por uma década com seu ídolo e tenha lhe dado dois filhos. Ela viveu uma relação marcada por angústias e dominação, embora seu perfil aristocrático a impedisse de ser totalmente submissa. Baseado em dois livros, "Minha Vida com Picasso", de autoria da própria Françoise, e uma detalhada biografia assinada por Arianna Stassinopoulos Huffington, o roteiro de Ruth Prawer Jhabvala poderia ser bem mais interessante explorando os atritos e rompantes de paixão entre o pintor e a francesa, mas ao abordar a relação do artista com outras mulheres acaba retratando-o de forma estereotipada e reduzindo as damas a pobre coitadas, o que deixa o enredo maniqueísta.

Esta é mais uma produção que leva a assinatura de James Ivory e de Ismail Merchant, respectivamente diretor e produtor. Para quem nunca ouviu falar nestes nomes, eles foram os responsáveis por diversos filmes que transitaram nas mais diversas premiações entre as décadas de 1980 e 1990, produções que traziam como características em comum o fato de serem épicas, com cenários e figurinos requintados, tramas refinadas e elenco talentoso e renomado, ou seja, produções com estirpe para figurar nas listas dos melhores de seus respectivos anos de lançamento. Contudo, após o elogiado Vestígios do Dia, seus trabalhos já não rendiam repercussões e bilheterias como o esperado e passavam longe das indicações a prêmios. Os Amores de Picasso pertence a fase de declínio da parceria, porém, julgar seu valor por causa de prêmios não faz jus a este trabalho que ainda hoje é muito procurado por estudantes e amantes das artes e cultura.  Com um visual belíssimo e muito sofisticado, o filme tem uma reconstituição de época minuciosa desde a escolha de um pequeno objeto até a iluminação. Tais cuidados com os detalhes são típicos dos trabalhos da dupla Ivory-Merchant, mas aqui o apuro técnico é maior justamente por falar de alguém envolvido com as artes, inclusive há uma cena que mostra o artista em meio a criação de uma de suas obras mais famosas, a tela “Guernica” que retrata os horrores da Segunda Guerra. Ironicamente, ao mesmo tempo Marie e Dora travam uma briga por causa do artista que demonstra total apatia. Muitos críticos acusam o filme de ser um tanto pretensioso e não apresentar um enredo substancioso. Esperava-se muito desta obra, já que o artista espanhol teve uma vida pessoal e profissional muito rica e contraditória, mas esta homenagem em película fica em cima do muro, não explorando com perfeição nenhum dos dois lados. Irregular, certamente a propaganda boca-a-boca atrapalhou o desempenho da fita que arrecadou uma ninharia perto de seus custos. Ainda assim, é um registro importante para o mundo das artes e também para a História do cinema, marcando o declínio do modelo de cinema sofisticado proposto por seus realizadores. Bons tempos, bons filmes...

Drama - 125 min - 1996

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