sexta-feira, 8 de julho de 2016

VÍRUS (2009)

NOTA 7,0

Apostando em temática
apocalíptica, longa surpreende
por dispensar sustos fáceis e
apostar em situações reflexivas
Ameaças a saúde humana que podem provocar o extermínio da população, seja em um pequeno vilarejo ou um problema de grandes proporções que pode acometer várias partes do mundo, sempre foi um terreno fértil para o cinema explorar, algumas produções inclusive extrapolando os limites do bom senso e abusando da escatologia transformando seres humanos em verdadeiros monstros. O resultado é que esse subgênero que serviria bem a dramas, suspenses e longas de terror acabou rotulado como produções trashs e afastando o público automaticamente. Todavia, vez ou outra surge uma boa obra do tipo que por trás do verniz superficial esconde uma boa proposta: colocar em discussão como a raça humana, ou melhor, como os poucos sobreviventes de um surto de doença misteriosa faria para sobreviver em um ambiente devastado e onde ninguém estaria totalmente a salvo de ser a próxima vítima fatal. Para ficar nos exemplos mais recentes, entre Ensaio Sobre a Cegueira e Contágio, dois títulos que abordaram de forma eficiente a degradação do ser humano diante da tragédia (entenda-se a deterioração no caso como egoísmo e a loucura), foi lançado de forma muito discreta Vírus, um interessante trabalho escrito e dirigido pelos irmãos espanhóis Alex e David Pastor que chegou aos cinemas bem na época em que o mundo estava vivendo o pânico do H1N1, a super gripe que assolou o mundo entre 2009 e 2010 (se bem que a sigla ainda causa tensão até hoje). A trama fala sobre um vírus mortal que se espalhou por todo o planeta fazendo com que ninguém mais seja confiável. Qualquer um poderia estar contaminado e passar adiante a doença sem necessariamente apresentar algum tipo de sintoma nas primeiras horas. Bobby (Piper Perabo) e Kate (Emily VanCamp) são algumas das sobreviventes que percorrem as estradas rumo a uma praia isolada, um dos poucos lugares ainda a salvo da epidemia e que remete a infância dos irmãos Danny (Lou Taylor Pucci) e Brian (Chris Pine) que também as acompanham na viagem. Eles acreditam que lá estarão seguros, mesmo que por tempo indeterminado, só que no meio do caminho o carro quebra, o que faz com que fiquem à beira de uma estrada abandonada. Logo eles encontram um carro estacionado e conhecem Frank (Christopher Meloni), um homem que precisa de ajuda para conseguir o remédio contra o vírus para sua filha, a pequena Jodie (Kiernan Shipka). É o início de uma jornada onde os jovens precisarão enfrentar não apenas o vírus mortal, mas também a desconfiança existente entre eles em uma luta desesperada para sobreviver.

A trama é ambientada em um mundo apocalíptico tomado por uma doença que pegou a todos de surpresa, nem mesmo os cientistas sabem explicá-la. Uma das poucas coisas que se sabe é que o contágio pode ser efetuado em um simples toque na pele de um doente, o que obriga os condenados a morte a ficarem isolados, sendo remotas as chances de alguém lhes ceder ajuda pelo medo de também serem contaminados. Infelizmente acabamos enraizando em nossas mentes que filmes sobre epidemias é como aqueles sobre seriais killers, o lance é tentar descobrir quem sairá vivo da história, mas é preciso rever nossos conceitos. Produções mais recentes que colocam os personagens em apuros inesperados procuram não ser apenas um passatempo rápido, mas sim colocar em discussão importantes conceitos, sem necessariamente ter de responder ou explicar as indagações que propõe, deixando para o expectador tirar suas próprias conclusões baseado no que absorveu do filme somado aos seus ideais. O que fazer quando a população está lançada a própria sorte sem o apoio de autoridades? Sem punição por atos desvirtuados, é correto deixar o instinto de sobrevivência falar mais alto? E a ética social, o respeito pelo próximo onde ficam inclusive a consideração aos laços familiares e afetivos? O que esperar do futuro quando cada minuto de vida está em jogo? São questões muito pertinentes que os irmãos Pastor lançam para o espectador refletir. A única certeza que dão, como em outras obras do tipo, é que mais amedrontador que qualquer ameaça invisível é o fato que o próprio ser humano se transforma naturalmente em um inimigo muito mais forte. Justamente por adotar essa linha mais dramática é que esse trabalho acabou passando em brancas nuvens. A temática é muito ligada também a filmes sobre zumbis, o que explica a decepção de muitos. Há quem compare a premissa com a comédia de humor negro Zumbilândia, mas é completamente errado fazer tal associação, a não ser exaltando as qualidades de ambas as produções, obviamente guardada as devidas proporções. Dispensando cenas de mutilação e escatológicas ao extremo, e os momentos de ironia sequer dão as caras rapidamente, o longa aposta em um ritmo mais lento para retratar os desafios psicológicos e emocionais que os quatro protagonistas enfrentam. Contudo, os personagens Brian e Bobby são os mais interessantes da turma, não por acaso interpretados pelos nomes mais famosos do elenco. Ele tem um comportamento mais explosivo o que não o ajuda a lidar bem com situações limites enquanto a jovem cresce na trama com a relação de carinho que desenvolve com Jodie, algo que trará consequências drásticas para o destino de todos. A introdução já deixa claras as intenções diferenciadas da produção. Imagens caseiras, antigas e em ritmo lento mostram dois garotos se divertindo na praia, um começo atípico para quem esperava ver corpos ensanguentados e feridos aos montes. Logo ficamos sabendo quem eles são e a importância do tal cenário paradisíaco.

O fracasso na época do lançamento tem várias explicações. Embora aproveitando o interesse midiático em torno do H1N1, o longa não foi realizado as pressas para aproveitar o momento tal qual Epidemia que foi feito a toque de caixa em medos dos anos 90 na época da descoberta do vírus Ebola (diga-se de passagem, um produto que foi um tremendo fracasso e hoje totalmente no limbo).  O projeto dos irmãos Pastor já estava em andamento, mas ganhou uma tremenda injeção de ânimo com a coincidência que a realidade proporcionou, assim os produtores se apressaram para fazer as peças publicitárias e trailers, todavia se equivocaram ao apresentar um conceito errado sobre a obra. A indústria cinematográfica de Hollywood é especialista em vender gato por lebre, ou seja, prefere enganar o público em busca de alguns trocados. Em tempos de incertezas quanto a doença da vida real, preferiram omitir a veia dramática original e vender a ideia que o longa seria mais um daqueles conhecidos filmes de suspense ou horror no qual o espectador não percebe que a ameaça é invisível, mas contenta-se a acreditar que os zumbis é que são os vilões quando na verdade eles são vítimas irracionais da situação. Quem buscava sustos previsíveis se decepcionou e tratou de fazer o boca-a-boca negativo, além do fato de que na época as pessoas realmente deixaram de frequentar locais públicos com medo da contaminação, mas o peso de filme B de qualquer forma já trataria de minar as chances de Vírus ter ao menos uma repercussão razoável. Mesmo depois com o lançamento do DVD ou exibições na TV o longa infelizmente não causou barulho. Uma pena. É interessante observar como a dupla de cineastas emergentes conseguiu dar uma nova roupagem a um tema clichê e um tanto achincalhado. Apesar de apelar para algumas características de longas de horror (casas abandonadas, estradas desertas, doentes com aspectos de mortos-vivos), o fato é que o filme evita os sustos gratuitos, dispensando até mesmo provocá-los através de ruídos estranhos ou filmagens tremidas. Não seria errado dizer que este é um dos melhores títulos a respeito de epidemias, ainda mais se levarmos em consideração sua aparente falta de recursos financeiros, mas o visual sem firulas também pode ser interpretado como opção estética dos diretores. Todavia, não se pode negar que o nível de dramaticidade da trama está no limite de aceitabilidade dos adolescentes, provável público-alvo, assim algumas boas sequências acabam não gerando tanta comoção quanto deveriam como quando um médico serve um líquido com substâncias letais para crianças contaminadas tentando atenuar o sofrimento delas ou ainda ao ver um chinês sendo morto por rebeldes inconsequentes que acusam que a epidemia chegou aos EUA graças aos chineses. De qualquer forma um trabalho eficiente, enxuto e na medida certa para entreter e agregar algum tipo de conteúdo.

Suspense - 84 min - 2009

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