quinta-feira, 21 de julho de 2016

LEÕES E CORDEIROS

NOTA 7,5

Longa atípico promove a reflexão
através de três tramas paralelas a
respeito da guerra ao terror, mas
excesso de diálogos incomoda
Redford. Streep. Cruise. Usando os sobrenomes de seus principais nomes do elenco para a publicidade, Leões e Cordeiros prometia ser um daqueles filmes que marcam época e conquistam todos os prêmios, contudo, revelou-se uma grande frustração para o público que, desculpe o trocadilho, sentiu-se comprando gato por lebre. É compreensível seu fracasso de repercussão entre os populares, assim como também é justificável a considerável quantidade de elogios que a obra colheu da crítica especializada. A primeira coisa que é preciso saber é que este é um filme diferente, um estilo narrativo e uma proposta incomuns no cinema americano. Será mesmo? Há muitas pequenas produções ianques que não tem medo de mexer em feridas, mas ainda é preciso que nomes fortes ou o apoio da mídia ajudem tais mensagens a chegarem ao grande público. Robert Redford, um dos responsáveis por atrair os holofotes para o cinema independente, quis neste caso chamar a atenção das pessoas para o rumo que os EUA estava tomando. O ator parecia estar disposto a causar barulho e espantar os fantasmas da fria recepção que teve seu último trabalho como diretor, Lendas da Vida, filmado sete anos antes, e adotou como temática a discussão política sobre a participação de seu país na guerra contra o terror priorizando a reflexão. Todavia, justiça seja feita, o pontapé inicial do projeto foi dado pelo roteirista Matthew Michael Carnahan, de O Reino, que teve inspiração para escrever quando certo dia assistindo aos noticiários da TV se indagou de que forma as pessoas estavam percebendo os acontecimentos da guerra no Iraque sendo que as notícias volta e meia estavam sento entrecortadas por fatos esportivos entre outros. Provavelmente apenas um pequeno número de telespectadores conseguiria refletir com precisão sobre o assunto e era muito importante que tal temática se popularizasse. Inicialmente pensado como um roteiro para o teatro, o que justifica o excesso de diálogos e pouquíssimas mudanças de cenários, o texto chegou às mãos de Tom Cruise, então iniciando sua carreira como manda-chuva em uma produtora de cinema. Bem relacionado, conseguiu facilmente que Redford se interessasse em dirigir e atuar e este agregou Meryl Streep ao projeto, sua amiga de longa data. Longe de ser um entretenimento qualquer, esta é uma obra verborrágica e que exige atenção redobrada do espectador, inclusive mais de uma sessão para aqueles que tiverem a inteligência de perceberem que a falta de ação é substituída pela abundância de conteúdo e interpretações fortes e marcantes. Foi uma tentativa arriscada de Cruise que assumiu um estúdio de cinema estreando com um projeto claramente de baixo potencial para bilheterias, embora seu título possa indicar algo interessante. Força versus submissão? Na realidade a junção dessas palavras é uma alusão a impressão que alemães tinham de suas posições em relação aos soldados britânicos na Primeira Guerra Mundial, o que já indica que essa obra faz mais jus a atenção de aficionados por História que certamente sabem identificar as raízes dos problemas contemporâneos no passado.

O filme é dividido em três tramas que são desenvolvidas paralelamente e com alguns pontos em comum. Os trechos de cada uma, basicamente grandes diálogos entre dois personagens com visões opostas sobre os problemas da guerra ao terror, são apresentados de forma alternada num minucioso trabalho de edição, afinal de contas é a mínima mudança de cenários que instiga a curiosidade do espectador a querer acompanhar a obra até o final, mas não espere uma conclusão arrebatadora e sim um final reflexivo. A grande sacada é mostrar pontos de vista diferenciados sobre a guerra, englobando o olhar da juventude, o acadêmico, o da mídia, o político e o dos soldados que vivem na pele os horrores do conflito. A primeira história apresentada acontece em Washington no gabinete do senador republicano Jasper Irving (Cruise) que pretende lançar uma nova estratégia para a guerra dos EUA contra o Afeganistão e para tanto precisa do apoio da mídia para divulgá-la. Em tom de bate-papo informal ele tenta convencer a conceituada jornalista Janine Roth (Streep), contrária a guerrilhas bélicas, a redigir uma matéria favorável ao plano. Muito ambicioso, caso a estratégia de guerra desse certo, este seria um grande passo para Irving se candidatar à presidência. A tática idealizada pelo senador seria o emprego de pequenos grupos de combates em pontos estratégicos do território afegão. Em um outro gabinete, só que de uma instituição de ensino na Califórnia, acompanhamos Stephen Malley (Redford), um professor idealista, tentando dar novo rumo à vida de Todd (Andrew Garfield), um de seus alunos mais brilhantes, mas que nos últimos tempos parece desinteressado nos estudos. Usando exemplificações envolvendo o conflito armado contra o terrorismo, o experiente educador quer provar a seu aluno que não é somente manejando uma arma que se faz um futuro melhor, pelo contrário. Muitos jovens largaram os estudos para se alistarem no exército, o que desmotivou Todd a acreditar no poder da educação. Por fim, fazendo a ponte entre as duas tramas, conhecemos Ernest (Michael Peña) e Arian (Derek Luke), soldados que estão lutando nas montanhas geladas do Afeganistão e buscam agora entender o porquê de terem escolhido a carreira militar mesmo com todos os pontos negativos que ela implica. Ex-alunos de Malley, este que tentou desencorajá-los de irem para a guerra, a dupla já faz parte da tática de guerrilha pensada por Irving, mas se encontra em perigo quando é cercada pela milícia Talebã. Redford, com um currículo com diversas obras que discutem política e poder da mídia, inclui então mais um projeto do tipo à lista. A obra mostra como o jornalismo pode influenciar e ser influenciado, a importância da persuasão para um político que vende com convicção a vitória norte-americana como forma de reafirmar a soberania de sua nação e o egoísmo e a ignorância da juventude que prefere cruzar os braços e ver o mundo ruir esquivando-se da responsabilidade de fazer algo para impedir tal catástrofe. Embora enraizado em questões a respeito dos EUA, é fato que o conteúdo quando bem assimilado é de caráter universal. No Brasil também somos influenciados pela mídia, políticos tentam vender a imagem de um país vencedor mesmo quando passamos por crise e nossa juventude está mais preocupada com baladas e consumismo (ok, muitos foram as ruas fazer manifestações, mas certamente boa parte por causa da euforia do “oba-oba”).

O roteiro propõe uma reflexão sobre o papel e a responsabilidade do governo, da mídia e até dos próprios populares nos rumos que a guerra contra o terrorismo tomaria, consequentemente fatos que também influenciariam o futuro dos norte-americanos. Em tempos em que o enredo de um filme é talvez um dos últimos quesitos a serem levados em conta até mesmo pelas produtoras que visam lucro rápido e abundante, reflexos negativos da sedução do culto exagerado à imagem, é louvável a coragem de lançarem uma produção que dê atenção aos diálogos. Só por esse motivo já valeria uma conferida por curiosidade. É de conhecimento público que muitas pessoas que trabalham em Hollywood são contrárias à política praticada nos EUA e até rejeitam a fama de manda-chuva mundial do país. Após um breve recesso quando todos estavam comovidos com os atentados de 11 de setembro de 2001, a partir das invasões feitas a países árabes a vontade de expor os reais pensamentos voltou a pulsar entre atores e diretores e assim começou uma onda de produções independentes que refletem a indignação da classe artística, mas infelizmente a maioria acabou restrita a um pequeno público ou teve seu poder de fogo diminuído pela crítica ser suplantada pela parte dramática das histórias. Leões e Cordeiros surgiu com proposta diferente. Não apresenta soluções, não têm vilões e mocinhos e o pouco que sabemos dos personagens é o que vemos em cena a partir de suas falas e posturas. O grande objetivo é colocar a mente do espectador para funcionar, algo raro no cinema norte-americano atual que mesmo quando tenta trazer uma dose extra de intelectualidade às produções acaba deixando com que o glamour se sobressaia. Redford adotou uma estética praticamente sem firulas. Usando basicamente sua câmera no esquema plano e contra-plano (foco em um personagem alternado com a imagem do outro), os únicos momentos em que o longa ganha certo movimento são nas sequências dos soldados em ação no Afeganistão, portanto, não é de se estranhar a repulsa do grande público. Exaustivo visualmente, a aversão certamente ainda é maior para aqueles que, não sendo preconceituoso, são intelectualmente menos privilegiados. Desconhecer o contexto político dos EUA compromete bastante a compreensão do enredo parecendo que o longa só existe para as platéias norte-americanas, mas é sempre bom lembrar que como grande potência qualquer acontecimento na terra dos ianques pode impactar outros países.  Para ter tal conhecimento, pelo menos um mínimo, basta acompanhar os noticiários, mas não se sinta desprestigiado caso não consiga. Tenha certeza que milhões de estudantes também estão alheios ao conflito da guerra entre os EUA e o Afeganistão, resumindo o problema a uma desculpa para serem produzidos filmes que certamente eles só acompanharão forçados a realizar algum trabalho escolar, salvo nos casos em que possam ser superproduções protagonizadas por Will Smith, Jamie Foxx, Colin Farrell... A trama pouco importa. O que vale é “o cara” que encabeça os créditos. Cruise, Streep e Redford infelizmente podem soar como peças de museu para novas gerações.

Drama - 91 min - 2007

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9 – 10 Excelente, praticamente perfeito do início ao fim
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