segunda-feira, 14 de setembro de 2015

SOB O EFEITO DA ÁGUA

NOTA 7,0

Longa explora as
dificuldades pelas quais uma
ex-viciada em drogas passa
para não ceder às tentações
Um simples mergulho no mar ou na piscina pode mudar completamente o astral de uma pessoa. Quando estamos dentro d’água relaxamos e esquecemos os problemas, mas quando voltamos à superfície não temos como fugir da realidade. É mais ou menos esta a sensação da protagonista de Sob o Efeito da Água, uma produção independente australiana que deixa de lado o nacionalismo e joga de escanteio a imagem do país bem desenvolvido para nos apresentar a imagem de uma terra corrompida pelo vício das drogas. A trama é desenvolvida no subúrbio de Sidney, em Cabramatta, região conhecida por ser a capital da heroína na Austrália. Isso explica o porquê de todos os personagens deste drama terem algum envolvimento com as drogas. Tracey (Cate Blanchet) é uma ex-usuária de heroína que dedicou os últimos quatro anos para colocar ordem na sua vida. Além de se livrar do vício, vive com a mãe, a super protetora Janelle (Noni Hazlehurst), conseguiu um trabalho digno e agora deseja montar uma lan-house em parceria com seu chefe, porém, seu passado acaba atrapalhando nas negociações para um empréstimo no banco. Seu melhor amigo Lionel (Hugo Weaving), um viciado que já namorou com sua mãe, esta que o culpa pelo vício da filha, não consegue se livrar das drogas pela decepção de não poder viver um relacionamento amoroso pleno com um chefão local do tráfico, Brad (Sam Neill), um bissexual que ganha a vida como traficante de entorpecentes e que acaba passando por um divórcio escandaloso após serem descobertos seus casos homossexuais com adolescentes. Lionel, um ex-astro dos esportes, acaba precisando vender as lembranças desta época boa para sustentar seu vício e sua relação com Tracey é conturbada, mas ainda assim verdadeira e carregada de sentimentos. Até o irmão da moça, Ray (Martin Henderson), faz parte deste mundo sujo traficando drogas. Como esquecer o vício em um ambiente desses?

O passado está sempre rondando Tracey, mas ele volta com força quando Johnny (Dustin Nguyen), o ex-namorado dela que fugiu da cidade também por causa do vício, retorna e volta a mexer com seu coração. Eles tentam restabelecer laços, mas ambos voltam a se envolver em negócios perigosos. Ninguém fica ileso ao entrar nesse mundo e fatalmente cairão também no vício, nos crimes e problemas com a polícia tornando-se um ciclo vicioso. No caso de Tracey, ela estava limpa das drogas, mas as más companhias lhe despertam da abstinência. Ela quer depositar toda a sua energia em um novo trabalho, mas sua ficha criminal a impede de conseguir o dinheiro desnecessário. Dentro de seu núcleo familiar as referências também não são as melhores. Assim vencer o vício uma vez foi apenas uma batalha. Uma nova guerra está para começar. A tentação dos momentos de loucura de outrora estão novamente próximos a essa mulher e cabe a ela decidir se quer voltar a navegar em águas turbulentas ou optar pela calmaria. Cate Blanchett está perfeita como a ex-drogada que tenta reestruturar sua vida, mas acaba esbarrando com os problemas das drogas a quase todo instante o que a faz estar constantemente no limite da tentação. Estreando como diretor de cinema, Rowan Woods revela este conturbado estado emocional através de luzes difusas, movimentos de câmera ligeiramente desfocados e trilha sonora melancólica, escolhas que acabam conferindo a obra um toque realista, quase documental. Ele não faz concessões e recheia seu trabalho com pinceladas de tudo o que envolve este submundo: suborno, roubo, traições, assassinatos, morte por overdose e até como as pessoas entram nessa onda. Sem esperanças de melhorarem de vida, muitos recorrem ao mundo do tráfico visando lucros rápidos e altos sem pensar nas consequências.

O roteiro de Jacqueline Perske investe na exploração deste rico painel de personagens e pouco a pouco vai os apresentando ao espectador desvendando seus mistérios. As ligações entre eles não são rotuladas e precisamos descobri-las prestando atenção nos diálogos, gestos, olhares e expressões e a cada nova descoberta nos surpreendemos e admiramos um roteiro bem amarrado. Até o batido recurso do flashback é dispensado para fazer quem assiste participar ativamente da narrativa que tem como atrativos a ausência de maniqueísmos e a originalidade em sua condução. Não podemos dizer claramente que existem vilões ou mocinhos nesta trama. Todos estão em busca da sobrevivência e provavelmente por causa deste objetivo é que seguiram o caminho das drogas. Alguns querem se livrar do vício, outros não, uns lucram com isso enquanto outros só perdem além do dinheiro também a dignidade. O roteiro carrega também o mérito de não transformar as substâncias ilícitas no foco da produção, mas sim como dar continuidade a vida após se envolver com elas. Como encarar as pessoas? Como conquistar um trabalho honesto com uma ficha suja? Como lidar com aqueles que ainda são vítimas do vício e que fazem parte do seu círculo social? Como tentar ajudar alguém a não viver o mesmo drama? Sob o Efeito da Água tem um final que deixa abertas possibilidades para o espectador refletir sobre os destinos dos personagens, ainda que fique no ar a intenção de que literalmente é a esperança a última que morre e que todos eles ainda podem sair deste inferno em que caíram. Não é um trabalho de fácil digestão, mas de certa forma é agradável de assistir. Praticamente um soco no estômago dado em pequenas doses com direito a um relaxante mergulho no final para apaziguar um pouco a dor.

Drama - 114 min - 2004 

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