NOTA 9,0 Com premissa simples e dois bons atores, longa revela os bastidores do falso jornalismo da TV |
Sônia Abrão, José Luis Datena, Marcelo Rezende e tantos
outros nomes da TV que dizem trabalhar seriamente com as notícias já viraram
sinônimo de piada. Todo mundo sabe que para eles a audiência vem em primeiro
lugar e para tanto eles usam e abusam do sensacionalismo para segurar o
espectador na frente da televisão, tanto que em 2012 surgiram boatos de que
leis seriam criadas para limitar o trabalho da imprensa, já que por várias
vezes tal interferência em casos policiais acabou por levar alguns episódios a
finais trágicos e a manipulação da opinião pública. Claro que o sensacionalismo
também está presente em outros meios de comunicação, mas ele se mostra muito
mais agressivo na TV. Apesar de hoje em dia esse tipo de jornalismo estar em
franca decadência, levando apresentadores a reclamarem ao vivo que não se
conformam que as pessoas preferem fugir da realidade a acompanhar seus
espalhafatosos relatos acerca da violência do cotidiano, esse modelo já teve
seu auge, mas muito tempo antes Hollywood já previa isso, como prova O
Quarto Poder. O longa dirigido pelo cultuado Costa-Gravas é uma crítica às
formas de se fazer jornalismo na década de 1990 e mesmo se passando tantos anos
desde seu lançamento o conteúdo continua extremamente atual e desperta a
discussão e a reflexão. Em busca do máximo de repercussão possível, os
noticiários selecionam entre os fatos mais importantes do dia aqueles que podem
ser explorados lados sentimentais e humanos, o que explica a mobilização que
sequestros e homicídios provocam. Discutir economia, avanços da ciência ou
matérias sobre comportamento não causam tanto impacto quanto mostrar os dramas
dos parentes de uma vítima de assassinato ou o sofrimento e a tensão de um
refém e seu sequestrador. É justamente neste último exemplo que é calcado o
roteiro de Tom Matthews e Eric Williams. Em Madeline, na Califórnia, o
decadente jornalista Max Brackett (Dustin Hoffman) tem que se contentar em
fazer matérias de pouca importância para ter seu salário todo mês, mas
provavelmente jamais esperaria que uma pauta sobre o museu de história natural
da cidade poderia ser sua chance de virar o jogo. Sam Baily (John Travolta) era
o segurança do local, mas foi demitido e não se conforma. Decidido a retomar
seu lugar, ela vai armado falar com a diretora da instituição e sem querer fere
um antigo colega de trabalho.
Brackett imediatamente entra em contato com uma estagiária
que o aguarda do lado de fora do museu para que comece uma cobertura ao vivo já
que Baily está mantendo um grupo de pessoas como refém, inclusive crianças que
visitavam a instituição. O assunto acaba ganhando proporções gigantescas e logo
todas as emissoras de TV passam a aglomerar câmeras e repórteres na frente do
museu em busca de qualquer novidade. Brackett percebe que o ex-segurança não
tinha intenções de fazer mal a ninguém e aproveita seu estado de transtorno
para manipular a situação a seu favor. Ele o convence a dar uma entrevista
exclusiva e faz de tudo para passar uma imagem positiva de Baily dramatizando
sua situação, assim colocando a opinião pública a seu favor e consequentemente
forçando as autoridades a mudarem suas decisões. O plano parecia perfeito, mas
as coisas saem do controle a partir do momento que cada pessoa conta sua versão
dos fatos de uma estória onde não há o bem e o mal ou mocinho e vilão. Como
todos os fatos têm ao menos dois lados, obviamente não faltam emissoras de TV invertendo
as coisas e denegrindo a imagem de Baily, porém, exagerando na dose. O povo se
divide e para a polícia as coisas também complicam, pois ela já não sabe mais
qual versão é verdadeira. A sorte dos envolvidos está lançada. Tal enredo é bem
próximo do que acompanhamos nos nossos programas ditos jornalísticos. O
profissional da imprensa coloca seus interesses à frente da notícia e a ética é
jogada no lixo. Às vezes, por quase duas horas, um crime pequeno como o furto
de uma mercadoria em alguma loja acaba se transformando em uma narrativa
policial digna de filmes toscos, basta achar ou inventar um gancho dramático.
Quando o problema envolve crianças e uma pessoa perturbada, o leque de opções é
ainda mais farto. para dar asas à imaginação.
Hoffman é tão bom ator que em nenhum momento conseguimos
enxergar seu lado de vilania e até nos comovemos quando ele passa a defender o
sequestrador, mas seu discurso persuasivo, se bem analisado, é uma atitude um
tanto covarde. Ele se aproveita da fragilidade do outro para ganhar vantagens
sem se dar conta de que passou a alterar os rumos da situação. É ele quem o
induz a manter pessoas em cárcere, não se entregar a policia e o que ele deve
dizer para a imprensa. Travolta também se sai muito bem se deixando manipular
sem perceber. Seu personagem está em um grau de desespero que não consegue
distinguir a veracidade dos fatos e embarca nas ideias do repórter. Relacionar
o conteúdo de O Quarto Poder com o jornalismo que impera na TV
atualmente rende certamente verdadeiros estudos dignos de graduações, mestrados
e doutorados. É um campo muito fértil e contraditório, ainda mais se levarmos
em conta casos recentes que envolveram os profissionais citados no início do
texto. No Brasil, ou talvez em quase todo o mundo, as coisas ainda são mais
vergonhosas já que um jornalista hoje em dia não precisa obrigatoriamente ter
um diploma da área de comunicação. Qualquer um fala o que quer e o compromisso
com a verdade e o respeito ao público não existem. É a representação do velho
ditado “quem conta um conto aumenta um ponto”. Logo ninguém mais sabe qual é a
real versão dos fatos, mas não faz mal, o que aconteceu hoje amanhã será
esquecido, pois não deve tardar para outro evento trágico surgir e ganhar os
holofotes. O final do longa de Costa-Gravas é ácido e extremamente realista e
ousado. Quem pretende seguir a carreira de jornalista, certamente terá que ver
esse filme durante a faculdade. Ah, quinze anos se passaram e por isso ele está
velho e não vale mais nada? Se você concorda com tal indagação, por favor, esqueça
o jornalismo e parta para outra.
Suspense - 114 min - 1997
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