sexta-feira, 13 de março de 2015

A ÓRFÃ

NOTA 8,5

Apesar das situações clichês,
longa é superior a média do
gênero e ousa apresentando
cenas fortes envolvendo menores
Preste atenção neste breve resumo: garota órfã é adotada por um casal e sua aparente doçura aos poucos cede espaço para o comportamento de uma assassina impiedosa e estrategista. Muita gente ao receber estas poucas informações sobre o longa de horror A Órfã deve torcer o nariz e o desprezar, seja por achar um enredo que beira o ridículo ou por ser contra a participação de crianças em produções que podem causar danos psicológicos a elas. Bem, realmente este segundo motivo é relevante e esvazia a primeira alternativa. O longa contém cenas fortes de violência, mutilação, incesto e tortura psicológica, algo que deve deixar de cabelos em pés quem defenda a moral, os bons costumes e a preservação da família. É difícil não imaginar como reagiu a mente dos atores mirins e quais os motivos que convenceram seus pais a permitirem suas participações em algo tão pesado. Não que essa fosse a primeira que a vez que menores de idade atuam em fitas de terror ou suspense, mas aqui eles não estão presentes simplesmente para gritarem ou fazerem caras de sustos de algo que supostamente estão vendo ou que foi filmada a parte sem a presença deles, pelo contrário, eles participam ativamente das sequências fortes e a tal garota má em certo momento até se insinua para o pai adotivo. Na época de seu lançamento nos EUA, a produção também provocou a ira de alguns orfanatos que não gostaram da maneira como tais instituições foram retratadas e temiam que o número de adoções caísse drasticamente. Juntas planejaram boicotes ao filme, mas a reação obtida foi contrária a esperada. O público acabou sendo atraído para os cinemas e a fama desta obra correu mundo afora. O diretor Jaume Collet-Serra é mais um que emigrou da Espanha para os EUA e após estrear com A Casa de Cera conseguiu manter o nível de tensão em alta em sua segunda empreitada em solo ianque. Ela já havia mostrado que é bom em criar atmosferas interessantes e arrepiantes, mas aqui ele recorre a clássica paisagem fria e triste do inverno rigoroso, com direito a muita neve. Se no quesito ambientação o cineasta oferece o básico, na condução da trama ele prende a atenção do espectador com situações bem amarradas, diálogos afiados e venenosos e com um ritmo que alterna muito bem sequências ágeis com outras mais lentas, assim dando tempo do espectador respirar entre uma e outra maldade da garota. Se em seu trabalho anterior ele focava a narrativa em cima de um grupo de jovens, aqui ele transfere as atenções para uma família que consegue cativar o espectador rapidamente.

A história gira em torno do casal Kate (Vera Farmiga) e John Coleman (Peter Sarsgaard) que está arrasado devido a um aborto. Apesar de já terem dois filhos, Daniel (Jimmy Bennett) e a surda e muda Maxime (Aryana Engineer), eles decidem adotar mais uma criança. Durante uma visita a um orfanato, os dois se encantam pela pequena Esther (Isabelle Fuhrman), de nove anos, e optam rapidamente por sua adoção. Ou será que a própria garota os tenha escolhido? Ela inicialmente parecia uma criança que qualquer pai gostaria de ter, muito obediente e educada. O que eles não sabiam é que estranhos acontecimentos fazem parte do histórico da menina, incluindo a misteriosa morte de sua família adotiva anterior em um incêndio. Dia após dia Esther vai mudando seu comportamento e coisas estranhas passam a acontecer com pessoas próximas aos seus novos parentes. Intrigada, Kate desconfia que Esther não é quem aparenta ser e o relacionamento entre as duas começa a estremecer. Ela fica mais atenta a cada passo da garota, mas devido ao seu passado com problemas de alcoolismo ela tem dificuldades de provar sua teoria de que a menina não é tão inocente quanto parece, o que gera vários conflitos em família, pois seu marido já criou vínculos com a nova filha. As coisas pioram quando a garotinha deixa claro que quer ver a mãe fora de seu caminho e passa a manipular a irmã mais nova e jogar os pais contra o irmão. Embora a cena inicial seja um tanto clichê mostrando Kate chegando as pressas no hospital para dar a luz sob intensa hemorragia e logo em seguida acordando deste pesadelo, Collet-Serra acerta em cheio ao deixar a obsessão por sangue de lado e optar pelo desenvolvimento das relações entre os membros da família Coleman antes de começar a trilhar os caminhos do suspense propriamente dito. A primeira meia hora é dedicada a explorar os conflitos existentes nesse núcleo e mesmo sem se aprofundar nos assuntos consegue fisgar a atenção do espectador que a partir de então irá sentir mais profundamente os efeitos que a mudança de comportamento radical de Esther irá provocar em seus novos parentes. Aliás, sua pequena intérprete é o grande destaque da produção. Muito versátil, ela convence fácil qualquer um quando está na fase boazinha da personagem e convence ainda mais mostrando seu lado perverso, chegando ao ápice quando estreita sua relação com o pai adotivo, momento em que surge a grande revelação da história que infelizmente culmina em um final que não faz jus as demais duas horas do filme, embora não seja tão frustrante.

Dizer que este trabalho é a mais nova obra-prima do suspense é um pouco demais, até porque a maioria dos sustos são previsíveis e há muitos clichês, mas é inegável que a produção se destaca em meio a tantas outras que são lançadas reciclando velhas fórmulas. O argumento é um tanto interessante e dificilmente o espectador vai querer desgrudar os olhos do filme. O roteiro de David Leslie Johnson não trabalha a favor da violência explícita, sendo que o foco é criar um clima de tensão constante com momentos estratégicos de relaxamento. A cada nova cena de impacto aumenta ainda mais a vontade de saber até onde vai aquela relação doentia da garota com a família. Como tudo na vida e no cinema, este trabalho não agrada a todo mundo. Como já dito, há quem o condene por expor menores de idade em situações impróprias e também existem aqueles mais exaltados que apontam a obra como uma propaganda contra a adoção. A intenção obviamente não era mesmo fazer uma campanha a favor, mas também passa longe de ser uma ofensa a iniciativa, remotamente podendo influenciar negativamente apenas mentes fracas e sugestionáveis. Polêmicas à parte, a palavra que melhor define este thriller psicológico é surpreendente. Sim, o que poderia ser um roteiro absurdo e beirando o trash foi tão bem desenvolvido que transformou esta obra de terror em uma das mais bem sucedidas do gênero em termos de repercussão popular dos últimos anos.  Já entre os críticos, um bom número deles afirma que o filme quase chegou lá em seus objetivos, mas não assumem que devem ter ficado com os olhos grudados acompanhando a macabra trama. Sabe como é, pode pegar mal. A Órfã, mesmo com suas limitações, é sim um dos melhores títulos de terror dos últimos tempos e disfarça seus tão comentados clichês muito bem com roteiro acima da média e uma atmosfera amedrontadora, além do fato de ser louvável que consiga prender a atenção mesmo com sua longa duração. Guardada as devidas proporções, nem parece que foi feito em Hollywood. Vale a pena uma conferida.

Terror - 123 min - 2009 

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3 comentários:

Matheus Paes disse...

Sinceramente é um dos melhores filmes do gênero dessa década que acabou de acabar...
Belas atuações, principalmete de Vera Farmiga e Isabelle Fuhrman, ótimo roteiro, mesmo que - como você mesmo disse - à primeira vista não tão interessante, mas muito bem desenvolvido...
Sem contar o grande finale, muito surpreendente e totalmente diferente do que qualquer pessoa poderia imaginar...
É um ótimo filme!!!

Rafael W. disse...

Tem um dos grandes finais dos últimos 10 anos. Isabelle Fuhrman é uma revelação.

http://cinelupinha.blogspot.com/

Marcos Rosa disse...

Este é um ótimo filme, não pensei que iria gostar tanto do filme quando comecei a assisti mas logo mudei de opinião.

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http://algunsfilmes.blogspot.com/