sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

O CASTELO ANIMADO

NOTA 10,0

Após alcançar fama fora do
Japão, Hayao Miyazaki faz
animação com tema universal,
mas mantendo-se fiel ao seu estilo
Você já não aguenta mais a metralhadora de piadas e referências e os personagens hiperativos que compõem a maioria das animações atuais? O traço perfeitinho e as cores fortes também não te impressionam mais? Se você se encaixa nesse perfil, infelizmente a temporada de desenhos quase idênticos nos cinemas já não se restringe mais aos períodos de férias. Todos os meses praticamente há um lançamento com pinta de moderninho, mas que não deixa de trazer uma sensação precoce de déja vu. Ainda bem que as produções mais convencionais, que hoje podem ser vistas como novidades em meio a enxurrada de produtos semelhantes, conseguem achar seu público em DVD. Da mesma forma que Woody Allen tem seus fãs cativos que esperam com ansiedade cada novo trabalho do cineasta, podemos dizer que Hayao Miyazaki ocupa uma posição similar, porém, uma referência exclusiva do campo das animações. Utilizando o mínimo possível de recursos tecnológicos e apostando muito mais na beleza dos traços feitos a mão, o animador há décadas vem construindo uma carreira sólida, mas seu nome só veio a ser conhecido mundialmente e além do circuito alternativo quando ganhou o Oscar de Melhor Filme de Animação por A Viagem de Chihiro. Felizmente o sucesso foi tão grande, tanto entre platéias intelectuais quanto populares, que o mundo todo teve o prazer de assistir seu projeto seguinte, O Castelo Animado, mais um trabalho sofisticado, inteligente e ao mesmo tempo de uma simplicidade ímpar. Aliás, ambos os desenhos, assim como toda a filmografia de Miyazaki, guardam semelhanças visuais inegáveis, mas isso não é um problema. É sempre um prazer acompanhar uma bela narrativa contada através de imagens de encher os olhos e personagens fantásticos que diferem totalmente do maçante estilo de animação que impera atualmente. Não que tais produtos sejam ruins, pelo contrário, existem vários primorosos, mais já chegamos a um ponto que até os temas se repetem ou alguém já se esqueceu da coqueluche que foram os desenhos cuja ambientação era o fundo do mar há alguns anos? Para não puxar a sardinha totalmente para o lado oriental do assunto, é preciso destacar que este filme tem certas semelhanças com o enredo de A Bela e a Fera que apesar de ser um clássico literário teve sua fama imortalizada pela Disney. Contudo, aqui temos uma reunião harmoniosa da maioria dos elementos que compõem um belo conto de fadas. Temos um príncipe, feiticeiras, um castelo, os seres inanimados que falam e uma donzela aparentemente frágil, mas cheia de coragem e determinação. Para quem conhece o estilo do diretor, obviamente já sabe que tais clichês das histórias clássicas são apresentados de maneira muito original, porém, preservando suas essências.

Deixando de lado a mitologia japonesa que regeu seu trabalho anterior, Miyazaki escreveu esta história baseando-se no romance de fantasia da escritora britânica Diana Wynne Jones. O enredo gira em torno de Sophie, uma jovem reclusa que trabalha na chapelaria da família e que um dia é amaldiçoada por uma cliente sendo transformada em uma senhora idosa. Na realidade, Arechi é uma bruxa ciumenta que um dia viu a moça na companhia do feiticeiro Howl (também chamado como Hauru em algumas passagens) e ficou com raiva, mas o encontro entre eles foi apenas acidental. Sophie nunca foi vaidosa, mas se envergonha de sua nova aparência e decide ir embora da cidade em busca do mágico, o único que poderia livrá-la da maldição. Após uma longa caminhada ela chega a uma região campestre e encontra algo inusitado: um estranho castelo que caminha livremente. Aceita no local repleto de engenhocas e bugigangas pela bondade do garoto Marko e um pouco a contragosto pelo demônio do fogo Calcifer, ela fica sabendo que é lá mesmo que o feiticeiro vive, mas pouco tempo passa por lá. Não demora muito e ela percebe que todos que cercam Howl estão sob o efeito de um tipo de maldição parecida com a sua, inclusive o próprio feiticeiro, e assim ela decide ajudar não só a si mesma, mas a todos os seus novos amigos, incluindo o Cabeça de Nabo, um espantalho mudo que a seguia desde a saída da cidade. Por fim, Sophie pela primeira vez se sente útil e amada de verdade e sua presença torna-se essencial para manter o castelo em andamento e seus habitantes vivos. Aproveitando-se da ambientação de uma cidade fictícia na qual cidadãos comuns convivem com feiticeiros, Miyazaki então dá asas à imaginação e cria imagens belíssimas e diálogos tocantes entre personagens fantásticos, sendo que a protagonista e o homem por quem ela se apaixona vivem uma situação, como já dito, bem ao estilo do romance entre Bela e a temida Fera. No caso, ambos buscam refúgio no castelo para esconderem suas aparências, mas Howl enxerga na velhota a beleza de sua juventude roubada. Como pano de fundo deste romance dramático, temos uma crítica às guerras, um ponto que é relevante, mas que não se torna compreensível a todos. Muitos podem não entender o porquê de haver um conflito entre feiticeiros e espécies de máquinas destruidoras, com direito a uma cena marcante devido as cores escuras que destoam do aspecto aquarelado e alegre do restante da produção. Howl se esconde no castelo justamente para fugir da obrigação de lutar em algo que no fundo não leva a nada, apenas a mais violência. Apesar de a narrativa ter contornos de melodrama, praticamente do início ao fim é possível manter um sorriso nos lábios. Pode não ser uma expressão ocasionada por piadas, mas com certeza pela satisfação de acompanhar algo tão lúdico e envolvente ao mesmo tempo em que toca em alguns assuntos bem interessantes e atuais, além da guerra é claro. A preocupação com a própria imagem e aprender a lidar com as dificuldades são alguns deles. E tais temas são desenvolvidos através de personagens riquíssimos que não são perfeitos ou reféns de um arquétipo específico. A obra de Myiazaki não tem mocinhos ou vilões claramente definidos. Todos têm suas qualidades e defeitos, seu lado bom e também o questionável, mais um ponto que caracteriza este trabalho como uma animação para adultos disfarçada com elementos suficientes para entreter as crianças, mas que infelizmente podem perder o interesse a certa altura devido as duas horas de duração, mas vale a pena insistir.

Voltando a falar da ausência de maniqueísmo dos personagens, o diretor procura apresentá-los, até os mais fantasiosos, de maneira a mostrar a dualidade deles. Sophie aparentemente é uma moça indefesa e tímida, mas quando é amaldiçoada demonstra determinação, raiva, inveja, mas ao mesmo tempo ainda mantém sua doçura e compreensão, assim como qualquer ser humano que tem seus bons e maus momentos. Howl não é o par romântico estilo príncipe encantado. Ele se transforma em uma valente ave na hora dos combates e no restante do tempo é um ser que assume seu narcisismo exacerbado e afirma ser incapaz de amar. O ditado dos opostos se atraem cai como uma luva. A vaidade do homem contrastando com a auto-estima adquirida por Sophie diante de um amadurecimento forçado sem contar com os anos de experiência que deveria acumular antes de envelhecer. São tipos criados a dedo para Myiazaki explorar os limites das personalidades em busca do mínimo de sentimento amoroso que qualquer ser humano tenha. Até mesmo a feiticeira mostra seu lado mais fraco em determinado momento, assim como Calcifer que se alterna entre a sisudez e a compaixão mesmo não estando sob sua forma humana. Além do texto primoroso e dos personagens bens construídos, embora nem todos cativantes como é o caso de Howl, esta obra serve para mostrar que a animação tradicional ainda pode e deve permanecer viva. Claro que existem cenas em que o uso do computador foi necessário, mas quase toda a produção foi desenhada e colorida quadro a quadro através do talento manual de animadores.  O visual do castelo construído a partir de pedaços de latas, pedras e tantas outras bugigangas é suntuoso, embora um tanto rústico. Outra ideia genial é a do disco giratório na porta da construção animada que abre caminho para os personagens transitarem por diferentes reinos, sendo que em cada um o mágico recebe um nome diferente. Entre essas e outras criações, cada sequência de O Castelo Animado parece um belo quadro e para quem pensa que os personagens são desenhados no estilo de animes convencionais está enganado, com exceção dos olhos grandes e que parecem lacrimejar a todo instante. Cada gesto, expressão e até mesmo os objetos cênicos e as paisagens foram estrategicamente pensados com algum significado emocional, crítico ou de personalidade. Para quem nunca teve contato com o estilo de animação de Miyazaki ou se assustou com o visual e situações bizarras de A Viagem de Chihiro, esta é uma excelente oportunidade para ser introduzido no universo mágico do cineasta afinal esta é uma obra que no fundo carrega um toque de globalização. Não importa o país ou a cultura, sua mensagem pode ser captada e apreciada por todos os tipos de público. É óbvio que não é em uma única conferida que podemos apreciar as “entrelinhas” desta obra-prima, já que certamente qualquer um se sentiria anestesiado com tanta fantasia e beleza a primeira vista, mas o fato de querer viver ao menos uma única vez esta experiência única já é um grande passo, porém, é difícil resistir a mais uma ou muitas outras reprises deste programão para toda a família.

Animação - 120 min - 2004
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Um comentário:

Ramon Pinillos Prates disse...

esse filme é fantástico, mas prefiro chihiro