NOTA 8,5 Drama de época narra um curto período na vida de distintas senhoras, mas um tempo de grandes transformações |
Todos os anos é a mesma coisa. Quando começa a temporada de
premiações todas as atenções são voltadas aos filmes que estão marcando
presença nos principais festivais e festas, levando natural vantagem em termos
de publicidade os títulos que mais recebem indicações para conquistar troféus.
Curiosamente, não são raras as vezes que os títulos que concorrem a menos
categorias ou até mesmo secundárias são bem mais interessantes e se tornam até
mais marcantes que as produções mais bombadas da época. Esse é o caso de Um
Sonho de Primavera, um belo filme de época que conquistou dois Globos de Ouro e
foi indicado a três Oscars em 1993 (foi lançado cerca de um ano depois de
concluídas as filmagens). Misturando drama e humor leve em meio a belíssimas
paisagens e cenários, o longa também conta com um impecável elenco feminino,
destacando-se Miranda Richardson, uma das atrizes mais requisitadas daquele
período e dona de uma beleza exótica e traços fortes. A trama se passa na Inglaterra em meados da década de 1920 e narra as emoções
vivenciadas por Lottie (Josie Lawrence), uma inquieta mulher que vive em
Londres e se sente frustrada devido ao materialismo de seu marido, o advogado
Mellersh Wilkins (Alfred Molina), que pouco dá atenção à esposa. Já Rose
(Miranda Richardson) é a esposa do escritor de contos eróticos Frederick
Arbuthnot (Jim Broadbent), mas também está insatisfeita com seu casamento. Vivendo
situações semelhantes, as duas se conhecem em um clube frequentado apenas por
mulheres e juntas decidem alugar um castelo de estilo medieval em uma remota
ilha italiana para passarem alguns dias em um local que é um verdadeiro
paraíso. As novas amigas também colocam um anúncio no jornal sobre a ideia e
mais duas damas, a viúva Fisher (Joan Plowright) e a jovem Caroline (Polly
Walker), resolvem fazer a viagem e ajudar na divisão das despesas.
Duas mulheres em busca de um refresco para a clausura que
viviam em seus casamentos, uma viúva solitária e adepta da leitura e uma bela
jovem que até então nunca havia vivido um grande amor. Estas quatro mulheres de
personalidades e costumes diferenciados irão passar por experiências que as
farão reavaliar suas vidas e a traçar novas metas para o futuro, mas a
principal lição que terão com estas férias inusitadas será a de encontrar a
felicidade nas pequenas coisas e momentos do dia-a-dia. Todo esse processo
ocorre em um mês de abril típico da primavera europeia, assim a fotografia do
longa impressiona os espectadores com imagens belíssimas e idílicas de
paisagens ornamentadas por uma vegetação abundante e colorida, além da luz
solar constante que as inspira a buscar a realização de seus desejos. Tal
ambientação contrasta com a cena londrina que introduz a história quando
predominam as cores mais tristes que acompanham com perfeição o clima chuvoso e
frio tão comum para os ingleses. O cuidado com a iluminação, cenários e
adereços ajuda a narrativa a partir do momento que deixam explícitas na palheta
de cores utilizadas a diferença entre o antes e o tempo presente do passeio. A
tristeza dá lugar a alegria. Ao longo do filme vamos percebendo de forma sutil
as características bem distintas de cada uma das protagonistas e como elas
lidam para aceitar as diferenças. Uma é sofisticada, outra é autoritária, temos
a religiosa e também uma garota carente. Nem mesmo quando dois homens chegam ao
local o equilíbrio se quebra, pois as mulheres aprendem que ser egoísta ou
medrosa não vale a pena. A troca de experiências transforma a vida destas senhoras e a mensagem edificante do longa é atemporal, assim sendo válida até os dias de hoje e correspondendo aos desejos, contradições e dúvidas da mulher moderna que ainda luta por reconhecimentos e busca do equilíbrio, ainda que muita coisa tenha mudado para elas durante o século 20.
Tanta sensibilidade para captar a alma e desejos das
mulheres tem uma explicação: por trás das câmeras está um expert quando o
assunto é o mundo delas. O diretor Mike Newell, diretor do divertido Quatro
Casamentos e Um Funeral e do tocante O Sorriso de Monalisa, mostra
muita sensibilidade ao conduzir uma trama construída meticulosamente para
agradar as plateias femininas de idades variadas, mas que acaba envolvendo o
público masculino também, isso desde que sejam barbados apreciadores de um bom
cinema. Por retratar um período pós-guerra, o cineasta toca levemente na
questão de como a sociedade machista e preconceituosa da época controlava as
mulheres, mas nunca deixando tal tema dominar sua produção. Baseado no romance
homônimo escrito por Elizabeth von Arnim, este Um Sonho de Primavera na
realidade é um remake. A primeira versão cinematográfica do livro foi produzida
em 1935, mas a visão de Newell para a obra é bem mais ampla, assim como o
requinte da produção que ganhou ainda mais com o tratamento do texto e diálogos
dispensado pelo roteirista Peter Barnes, não por acaso indicado ao Oscar de
Melhor Roteiro Adaptado. Este é mais um exemplar de uma vertente do cinema em
evidência no final dos anos 80 e começo dos 90 tendo como grandes
representantes, por exemplo, os sentimentalistas Flores de Aço e Tomates
Verdes Fritos, ambos também liderados por um elenco feminino talentoso. Já que
as mulheres é que arrastam maridos e namorados para o cinema, nada melhor que
filmes pensados sob medida para agradá-las. A diferença é que ao
contrário dessas últimas obras citadas, este belíssimo trabalho solar e
positivista de Newell inexplicavelmente nunca foi lançado em DVD no Brasil,
amargando assim um inverno sem fim no limbo cinematográfico. Quando será que
uma bondosa distribuidora vai resgatar este título e fazê-lo florescer
novamente? Quantas primaveras precisaremos esperar?
Drama - 93 min - 1992
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