NOTA 8,0 Longa mostra o quão assustadora era a perseguição a judeus na década de 1940 e um simples detalhe visual poderia condenar alguém à morte |
Mais adiante tal episódio será de
grande relevância, mas é provável que juntando algumas peças muitos descubram
de antemão a ligação deste fato com outras pequenas citações aparentemente sem
importância, mas que culminarão em um verdadeiro pesadelo para o protagonista.
Fred comenta que Finkelstein (David Paymer), um judeu que tem um pequeno
comércio no bairro, está prestes a trazer parentes para morar na casa ao lado
da sua loja e preconceituosamente sentencia que logo os negros também invadirão
a área. Os vizinhos estão se articulando para encontrarem uma forma de expulsar
os hereges, mas o próprio Newman vai ficar na mira desse complô simplesmente
por causa de um par de óculos. Parece ridículo, mas é isso mesmo. Há vinte anos
atuando no departamento pessoal de uma grande empresa, é por conta de uma
distração que o fez recrutar uma judia que ele decide ir cuidar da visão para
não perder o emprego. Dias depois mais uma candidata de mesma origem vai tentar
a vaga de datilógrafa. Apesar do extravagante modo de se vestir e agir,
Gertrude Hart (Laura Dern) parecia perfeita para a função, mas o medo que seu
sobrenome ocultasse a origem judia faz com que Newman a dispense. Furiosa, ela
ralha na hora e é a primeira a confundir este homem com um judeu apenas por
causa dos óculos com lentes garrafais. Horas depois, ele fica sabendo que terá
que trocar de sala e de função com um funcionário com apenas cinco anos de casa
e a alegação é que o veterano não causa boa impressão a quem visita o
escritório. Até a mãe dele afirma que com os óculos ele parece um judeu e isso
se torna um empecilho para encontrar um novo emprego cujas vagas são oferecidas
tendo como principal recomendação o candidato ser cristão. Depois de semanas,
ele encontra trabalho em uma empresa cujo dono é judeu e abre suas portas para
os “diferentes”, coincidentemente reencontrando Gertrude com quem acaba se
relacionando e finalmente decidindo se casar. Diante do antissemitismo que
assola a sociedade americana, Newman não se une aos grupos de conspiração, mas
também não defende as vítimas. Contudo, a falta de participação ativa nos
esforços para afastar Finkelstein da vizinhança acaba levantando suspeitas. Se
antes os vizinhos o rotularem como judeu apenas por conta dos óculos soava como
uma piada sem graça, chega um ponto que a situação se agrava e sua relativa
benevolência com o comerciante é o bastante para gerar atritos, principalmente
depois do casamento já que existem suspeitas de que Gertrudes também é uma
herege.
Cumprimentos mais secos, olhares
desconfiados e a lata de lixo constantemente derrubada no quintal são apenas
algumas das provações as quais Newman e a esposa vão passar, mas não tarda para
que atitudes violentas comecem a amedrontá-los. O longa mostra uma realidade
apavorante e apesar de ser classificado como um drama a narrativa segue em um
clima de tensão crescente e apavorante. Miller escreveu o romance em pleno
calor das emoções, em meados de 1944, cerca de um ano antes do fim da guerra, talvez
por isso a narrativa seja tão instigante e crível e o diretor Neal Slavin quis
transmitir as mesmas sensações na adaptação cinematográfica, um projeto que ele
deseja concretizar desde os tempos em que cursava o colegial e teve contato com
a obra. Além da impecável reconstituição de época, tanto visual quanto no
contexto, Focus tem o mérito de abordar uma temática difícil com
maturidade e relativa sofisticação. Poucas vezes uma pressão psicológica foi
tão perturbadora, talvez uma experiência tão impactante quanto ver uma cena de
violência explícita. Aliás, em uma das sequências mais fortes, Finkelstein é
cercado e atacado por antissemitas e tenta desesperadamente convencê-los de que
os bárbaros no conflito eram eles mesmos que compravam uma guerra sem saber
direito o porquê. Na verdade são artimanhas políticas que induzem populares a
se rebelarem contra minorias, requentando preconceitos seculares, uma forma de
enaltecer a esfera do poder angariando novos aliados que prezam a “pureza” da
sociedade ou simplesmente desculpas para desviar a atenção das pessoas e assim
não percebem as sujeiras políticas. Quem teria cabeça para pensar nos milhares
de mortos e feridos em campos de batalha quando se tem uma guerra a ser vencida
em seu próprio bairro? Newman não compra tal briga. Só defende uma posição mais
concreta quando se torna alvo e também por conta de um segredo da esposa que
fica sabendo tardiamente. Macy e Dern, geralmente condicionados a personagens
secundários, sem dúvidas têm aqui suas melhores atuações e se saem muito melhor
que alguns protagonistas tarimbados. Coincidentemente, ambos têm reconhecimento
do grande público por atuações nos filmes da série Jurassic Park, mas nada que se compare ao trabalho que apresentam
nesta obra dotada de um clima irresistivelmente nostálgico. Parece realmente um
daqueles filmes noir dos anos 40, mas na verdade é uma pequena joia do cinema
do século 21. Era de se esperar que fosse um sucesso de crítica, mas a recepção
morna dos especialistas privou o título de divulgações nas principais
premiações e a obra foi condenada ao ostracismo de imediato. Aproveitando o
ensejo, algo tão injusto quanto a perseguição aos judeus.
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