quarta-feira, 24 de agosto de 2016

DEIXE-ME ENTRAR

NOTA 8,0

Refilmagem de inesperado
sucesso sueco literalmente
copia o original e traz uma
nova visão sobre os vampiros
O cinema produzido fora do circuito hollywoodiano cada vez mais vem ganhando projeção e admiração não só da crítica especializada, mas também do público. Porém, basta fazer sucesso que logo os produtores ianques se entusiasmam e correm atrás dos responsáveis para comprar os direitos de refilmagens. Isso acontece há anos, mas essa onda tem se intensificado devido a escassez de ideias que o cinema americano frequentemente enfrenta. Um dos trabalhos do tipo que gerou certo burburinho foi o suspense Deixe-me Entrar, produção que foi lançada com a propaganda extra de ser baseada no longa sueco Deixa Ela Entrar, um sucesso inesperado que foi exibido em diversos festivais de filmes de terror e independentes e chamou a atenção dos americanos. Produção de horror fazendo um paralelo com a chegada da adolescência, o longa de Tomas Alfredson reúne uma série de virtudes, ainda mais se considerando o gênero ao qual pertence. Roteiro inteligente, boas atuações, efeitos especiais usados com parcimônia e uma fotografia invejável são alguns dos elogios que cabem à fita. Como em Hollywood hoje em dia pouco se cria e muito se copia, não demorou muito e o texto já estava nas mãos do diretor Matt Reeves para ganhar uma refilmagem. Diretor do inesperado sucesso Cloverfield - Monstro, o cineasta foi escolhido justamente por saber como aguçar a curiosidade dos espectadores. Somado a isso o entusiasmo pela boa aceitação da obra original e a atração que vampiros sempre exerceram em um público cativo, o projeto já nascia com tudo para dar certo e até serviu para mostrar uma nova forma de enxergar tais criaturas, não tão sanguinolentas e perversas como nos filmes de terror e longe da aura romântica que ganharam em Crepúsculo. A trama gira em torno de Owen (Kodi Smit-McPhee), um garoto solitário que vive com a mãe após a separação dos pais. Frequentemente ele é provocado e humilhado pelos valentões da escola e nutre dentro de si um desejo de vingança que extravasa as escondidas e para si mesmo. Certa noite ele conhece sua vizinha Abby (Chloe Moretz), uma garota que aparenta ter a mesma idade que ele, vive nas sombras e é tão quieta e sozinha quanto Owen, o que gera uma identificação imediata entre eles. Logo os dois estão trocando confidências e debatendo sobre a solidão ou a sensação de se sentir diferente dos outros, porém, o garoto nem desconfia que a jovem guarda segredos muito peculiares: ela é muito mais velha que sua aparência indica e precisa se alimentar de sangue. Para consegui-lo, seu acompanhante (Richard Jenkins) realiza assassinatos na calada da noite com o intuito de retirar o sangue das vítimas e levá-lo para Abby que se esforça ao máximo para não deixar que seus instintos a dominem forçando-a a matar para sobreviver, mas certamente uma hora será impossível conter seu instinto de violência. Ambos tentando se esconder daqueles que podem lhes fazer algum mal, não é de se estranhar que a noite para eles é uma benção e o momento que se sentem mais a vontade.

O início já apresenta cenas que deixam o espectador intrigado, mas o roteiro volta no tempo para explicar como as coisas chegaram até esse ponto. Essa história macabra e ao mesmo tempo dramática e com toques de atualidade (o tema bullying) é baseada na obra do romancista John Ajvide Lindqvist que desmistifica, como já dito, a imagem do vampiro que o cinema ajudou a construir. O sadismo, glamour e sensualidade são deixados de lado para apresentar os aspectos negativos das vidas de tais criaturas. Vivem muitos anos, precisam matar para sobreviver e não conseguem controlar seus instintos, tudo para afastá-los de qualquer possibilidade de viver uma vida comum. São seres deslocados que ou se adaptam a sua triste ou feliz realidade, dependendo do ponto de vista, ou se escondem do mundo, vivem nas sombras para não serem notados, como faz a protagonista que sofre por aparentar ser uma criança comum, mas que carrega o peso da idade em sua consciência e não pode ter relacionamentos estreitos com humanos, pois qualquer um pode ser a sua próxima vítima. Apesar de a trama ter um viés inovador, não é difícil imaginar no que vai dar a amizade entre duas pessoas que passam por conflitos semelhantes e que aqueles que durante todo o longa humilharam Owen no final irão pagar pelo que fizeram, aliás, em uma cena que pode decepcionar aqueles afoitos por sangue, mas que deixa a câmera e a sonorização (ou a falta dela) fazerem o trabalho de amedrontar o espectador. A versão original ganhou destaque na internet e em jornais e revistas brasileiros assim instigando a curiosidade do público, mas o remake é mais fácil de encontrar, embora optando por esta versão muita gente tenha levado para casa gato por lebre. Ou quase isso. Os nomes muito parecidos das duas produções podem confundir aqueles que querem optar por uma versão apenas, mas tanto uma quanto a outra são praticamente idênticas. Reeves levou a sério o ditado "em time que está ganhando não se mexe" e não adaptou a produção sueca, preferindo refilmá-la literalmente. Tal medida tem um por que bem patriota do cineasta ou por parte do estúdio: agradar o público americano que em geral odeia legendas e quase sempre ignora filmes estrangeiros.

Passado na década de 1980, o filme conta com muitas referências a época, como o popular jogo Cubo Mágico e o costume de frequentar pequenos comércios em busca de doces (raridade hoje em dia), além de uma trilha sonora também datada, tudo para ajudar a manter o clima sombrio e de suspense das produções do período, porém, evitando os efeitos especiais, imagens bizarras e sangue jorrando por todos os lados que eram uma coqueluche do cinema de terror antigamente. Pensando bem, atualmente esses elementos também estão em alta e talvez por isso mesmo Deixe-me Entrar se destaque. Explorando a ideia de que um vampiro só pode entrar em uma casa quando é convidado, a trama é bem intrigante e deve deixar muita gente roendo as unhas sem recorrer a sustos fáceis, o que certamente decepciona aqueles que procuram um ataque sanguinolento a cada cinco minutos. Bem avaliado pela crítica, todavia, a obra perde alguns pontos por ter sido lançada com pouco tempo de distância da versão original e sem acrescentar nada. Querendo aproveitar a evidência do original sueco na mídia, Hollywood correu para providenciar sua versão crente no sucesso e acabou se decepcionando com a bilheteria. Já diz o velho ditado: quem tem pressa come cru. Todavia, é preciso elogiar o bom senso de Reeves, também autor do roteiro, que não quis dar seu tom autoral a obra e respeitou o texto original, fazendo apenas algumas pequenas modificações, porém, a maior parte com sutileza. Suas únicas intervenções mais chamativas é o fato de retirar da narrativa alguns fragmentos de cunho sexual, provavelmente já pensando na classificação etária do longa, e de embaralhar a cronologia das cenas. Dessa forma, o diretor claramente não quis correr o risco de arruinar a imagem de uma obra positiva em todos os aspectos, preferindo preservar ao máximo a essência original. Isso não deve ser visto como preguiça, mas sim como inteligência de um profissional competente e que sabe colocar limites a si mesmo, coisa que muito cineasta precisaria aprender. O produto final não é excelente, mas vale uma conferida, principalmente pelo foco diferenciado da história que, no fundo, coloca em pauta a situação dos excluídos da sociedade, ainda que em uma versão alegórica. Em resumo, digamos que este é um suspense com uma pegada intelectual.

Suspense - 115 min - 2010

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4 comentários:

renatocinema disse...

Não acho a versão americana "vergonhosa", porém, prefiro muito a obra original.

Rafael W. disse...

Eu ainda não assisti este, mas o original é um filme brilhante. Espero que este mantenha um pouco da mesma essência (não confio em refilmagens).

http://cinelupinha.blogspot.com/

Guilherme Z. disse...

Não vi o original, mas achei bem interessante a versão americana. O problema é que sempre a segunda versão acaba ganhando mais evidência, independente de ser boa ou não, e a obra em que foi baseada acaba virndo artigo de luxo, raridade.

Maxx disse...

Tanto o sueco quanto o americano são muito bons. Ótimo post. Abç e bons filmes.