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NOTA 7,0
Tim Burton praticamente reinventa conto clássico, mas deixa que os apelos visuais da produção sobressaiam ao enredo |
Cineastas que evitam atirar para todos os lados
experimentando vários gêneros conseguem criar uma marca própria e fidelizar seu
público, sendo o maior exemplo disso Woody Allen com suas histórias que mesclam
drama e humor e sempre contam com um elenco numeroso e estrelar. Porém, outros
conseguem transitar por diversos campos e ainda assim deixar sua assinatura na
obra, como é o caso de Tim Burton, um habilidoso mestre na arte de criar
imagens criativas graças ao apuro técnico que emprega em seus trabalhos, mas jamais
se esquecendo de construir personagens e histórias memoráveis. Com plateias
cativas, cada novo lançamento seu é um verdadeiro evento que marca época e
depois ultrapassa gerações.
Alice no País das Maravilhas tem potencial para
tanto, embora o impacto esperado no lançamento não tenha ocorrido. Para muitos,
desta vez o diretor não equilibrou bem a qualidade visual com a do enredo. A
tão aguardada união do clássico surreal infantil com o estilo excêntrico do
diretor prometia bem mais e ainda divide opiniões. Para quem espera uma
transposição literal do famoso desenho animado da década de 1950 para uma
versão com atores de verdade, até porque a produção do longa é da própria
Disney, pode se decepcionar ou talvez se entusiasmar com as novidades. Todas as
histórias clássicas que já ganharam suas versões em animação criam a ilusão de
que são as transposições fiéis dos contos, mas aqui o tal país maravilhoso é
bem diferente e mais próximo do livro original segundo relatos. Burton inseriu
e modificou situações e personagens, cercou-se de bons atores e amigos, caprichou
no visual e em efeitos para atender a demanda desenfreada do 3D, porém, esqueceu
de envolver o público em sua visão do conto de Lewis Carroll publicado originalmente
em 1865. A história começa apresentando a jovem Alice (Mia Wasikowska) em meio
a sua festa de noivado onde se depara com um coelho branco. O detalhe é que ele
usa roupas, está apressado e sempre olhando no relógio. Ela o segue e entra em
um buraco que a leva ao País das Maravilhas, um local onde esteve há alguns
anos apesar de nada se lembrar. Lá ela é recepcionada por estranhas criaturas
como uma lagarta e um gato falante e pelo Chapeleiro Louco (Johnny Depp), além
de conhecer em suas andanças outros seres fantásticos e mágicos. Mas nem tudo
são flores nesse local. Ela descobre que não está lá por acaso e irá enfrentar
a ira da cruel Rainha Vermelha (Helena Bonham Carter) para ajudar a Rainha
Branca (Anne Hathaway) que foi traída pela própria irmã que almejava o poder
absoluto do local.

Burton gosta de criar suas próprias bizarrices, mas não
dispensa as chances de poder dar seu toque pessoal a obras famosas do cinema.
Ele reinventou, por exemplo,
Planeta dos Macacos e
A Fantástica Fábrica de Chocolate
e obviamente não escapou de críticas negativas em nenhuma dessas ocasiões e
tampouco quando se aventurou a recontar a história de Alice e seu mundo de
fantasia. Era de se esperar. O público se acostuma com a versão clássica e
rejeita qualquer inovação. Os burburinhos só não foram maiores porque o diretor
tem seus seguidores fiéis que aprovam tudo que ele faz. Somam-se a eles a
legião gigantesca de fãs de Depp, afinal querendo ou não ele é um tremendo
chamariz e seu personagem foi praticamente elevado a categoria de protagonista.
Ele deu certo ar melancólico à sua criação que nos faz esquecer o personagem
homônimo e irritante do desenho Disney, todavia, esse efeito talvez não tenha
sido proposital, mas sim uma imposição para aplicações de efeitos especiais.
Mas o que chama a atenção mesmo são as duas nobres do conto. A Rainha de Copas,
ou melhor, a Rainha Vermelha como é chamada, é muito curiosa. Com o auxílio da
computação, Helena, a esposa do cineasta, aparece como uma criação virtual,
assim como outros personagens como a Lebre Maluca. Já a Rainha Branca é uma
personagem tão apagadinha quanto seu nome e colabora para tanto o fato de ela
não fazer parte da maioria das versões do conto, sejam elas de cinema, livros,
teatrais ou de TV. Ainda que conte com um leque repleto de personagens de
bizarros a serem explorados, Burton praticamente limou a pegada surreal do
texto original, assim não espere viradas inesperadas ou malucas de tempos em
tempos e sim um enredo que parece a todo custo tentar dar alguma lógica a
trajetória de Alice por um mundo paralelo encontrado no subterrâneo. Mas nem
tudo é ruim nesta história. Não deixa de ser curiosa a introdução e a
conclusão, as mudanças comportamentais de certos personagens e até as
explicações para o porquê de cada um deles ser de um jeito ou de outro, como a
vilã que é solitária e sofre com sua condição física diferenciada, frustrações
que ela descarrega em seus planos malévolos.
Como já era esperado o visual é o melhor deste trabalho, utilizando
em boa parte das cenas a tecnologia que captura a imagem dos atores e depois as
mesmas são reconstituídas na pós-produção com recursos de animação, a mesma
técnica de
A Lenda de Beowulf. Vale elogios, mas também ressalvas. Fica claro
que todos os elementos de cena e dos aspectos físicos dos personagens foram
minuciosamente pensados e acabam transformando a imagem que qualquer um tinha
do conto da Alice. O empenho resultou no Oscar de direção de arte e também de
figurinos, embora ambos os departamentos tenham recebido uma mãozinha da
tecnologia, desde uma simples árvore até a já citada Rainha Vermelha que possui
uma cabeça desproporcional ao seu corpo achatado. O ápice do uso de
computadores para fazer as animações é nos momentos finais quando há uma
batalha épica que destoa um pouco no conjunto. Porém, o que pode ser o
grande destaque desta produção também pode ser o que a atrapalhe. A preocupação
com efeitos especiais, cores e afins parece não ter se repetido na concepção da
história. Infelizmente, a adaptação feita por Linda Woolverton do clássico
conto não empolga, foge da premissa e em meio a tantos elementos para deleite
dos olhos o espectador passa quase que exclusivamente a acompanhar a trama visualmente
e pouco pela audição. A história conhecida e previsível acaba encontrando
elementos para fisgar a atenção do público quadro a quadro, o que mostra que a
obra tem seu valor, mas isso não é o suficiente para ser considerada um marco
da história do cinema.
Alice no País das Maravilhas continua com sua aura
onírica e capaz de fazer o público sonhar com um mundo fantástico onde tudo é
possível, mas a versão de Burton perde pontos ao conquistar uma imagem de
entretenimento feito exclusivamente para obter lucros. Visando as platéias que
se encantaram pelo 3D, Burton tentou corresponder as exigências do mercado
cinematográfico atual preservando ainda as características que marcaram sua
filmografia, mas conseguiu um resultado que pode ser classificado apenas como
um pouco acima do patamar regular. Simplesmente é mais uma prova de que
tecnologia não é tudo. O cinema para sobreviver precisa de boas histórias. Uma
pena que quem dita as regras no mundo do cinema (estúdios, produtoras,
investidores, exibidores e afins) estão cegos por causa de um ou outro
resultado financeiro obtido através do marketing da tridimensionalidade, porém,
a realidade é bem diferente.
Vencedor do Oscar de direção de arte e figurino
Aventura - 109 min - 2010
Um comentário:
Não é um dos melhores do Burton, mas diverte, além do visual espetacular. Helena Bonham Carter rouba a cena.
http://cinelupinha.blogspot.com/
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