quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

O ELO PERDIDO (2005)

NOTA 6,0

Drama procura desmistificar
a imagem dos pigmeus como
selvagens, mas acaba reforçando
ideias preconceituosas e arcaicas
O Elo Perdido. Esse já foi o título de um seriado de sucesso exibido e repetido a exaustão entre as décadas de 70 e 80 em emissoras de todo mundo e em 2009 Will Ferrell estrelou um longa-metragem baseado na mesma atração, contando inclusive com os efeitos especiais precários que se tornaram marca registrada das aventuras de uma família que acabou voltando no tempo e parando na pré-história. Porém, a expressão deste título também é popularmente usada em meio acadêmico e científico para se referir a ponte evolucionária entre os primatas e os seres humanos. É este caminho que o cineasta Régis Wargnier, do premiado Indochina, resolveu desbravar neste drama que divide muito as opiniões. Embora seja uma produção visualmente impecável, em seu conteúdo muitas falhas são apontadas. É certo que não é uma obra excepcional, perdendo o ritmo por várias vezes, mas também não merece as duras críticas que recebeu na época de seu lançamento e que provavelmente ainda recebe, merecendo a lembrança de que entre os desafetos devem existir muitos que se desapontaram deixando-se levar apenas pelo título, em memória a citada série de TV, assim comprando gato por lebre. Também esta é uma obra cujo protagonista acaba não sendo o herói prometido, revelando-se um covarde, porém, uma conduta que condiz com a moral e os costumes da época, ainda que isso possa frustrar o espectador. Com roteiro do próprio diretor em parceria com William Boyd, Michel Fessler e Frederic Fougea, a trama se passa em 1879, quando o jovem médico escocês Jamie Dodd (Joseph Fiennes) aventura-se com um grupo de expedição, incluindo a aventureira Elena Van Den End (Kristin Scott Thomas), pelas inexploradas florestas equatoriais africanas em busca de novas espécies, mais especificamente a procura de pigmeus, habitantes naturais da região. A intenção é capturar alguns deles para de forma discutível serem realizados alguns estudos sobre a evolução das espécies. Dodd consegue capturar dois pigmeus, um homem e uma mulher, Toko (Lomama Boseki) e Likola (Cécile Bayiha), para apresentá-los à Academia de Ciência de Edimburgo que pretende provar que eles pertencem a uma categoria abaixo dos humanos. O médico, por outro lado, defende que o casal demonstra inteligência e sentimentos iguais a qualquer ser humano e assim ele entra em conflito com seus colegas de pesquisa colocando em risco sua própria carreira.

Conforme sua amizade com os pigmeus se solidifica, Dodd, talvez o único a enxergá-los como seres humanos, então se vê como alvo de deboche da comunidade científica e da população em geral, sendo submetido a consecutivas humilhações assim como suas cobaias, ou melhor, agora seus protegidos. Toko e Likola chegam a ser expostos como animais exóticos em um zoológico, o que revolta o jovem médico que decide fazer tudo o que for possível para provar que os pigmeus podem viver em sociedade. Em uma sequência emblemática do longa Dodd arma um encontro com nobres e membros da comunidade científica para apresentar seus objetos de estudos como pessoas de verdade. Vestidos com trajes de gala, os pigmeus são vistos pelos burgueses com cortesia, mas fica latente que estes negros de estatura baixa são observados na realidade de forma preconceituosa ou com espanto. O clima tenso estoura mais a frente. Na reta final é praticamente a sociedade contra o médico e seus dois protegidos, um duelo um tanto desonesto. Bem, a premissa é interessante, o problema é a forma como a trama é conduzida. Ainda que alguns mal humorados de plantão achincalhem o longa do início ao fim, é preciso dizer que até pouco mais da metade Wargnier realiza um trabalho digno, mas se atrapalha na conclusão ao apostar em um retrocesso da bandeira que levantava até então. A intenção da obra era mostrar o processo de desmistificação da imagem dos pigmeus como animais e a aceitação dos mesmos como humanos, porém, a mensagem que prevalece é que o preconceito venceu e todos os esforços do protagonista foram em vão. Para reforçar tal visão, chega-se ao ponto de Toko mostrar seu instinto de fúria atacando um humano como se fosse uma fera tentando se defender ou aos seus semelhantes, assim imediatamente descendo do posto de excentricidade para ameaça diante dos olhos da “civilização de bem” (entenda-se os britânicos). Pesa ainda mais contra este trabalho o fato do cineasta ter em seu currículo outras obras cujos personagens fictícios vivenciam situações em meio a fatos históricos com maior ousadia, como o já citado Indochina e o pouco conhecido Leste-Oeste – O Amor no Exílio. Assim sua visão sobre os estudos sobre a evolução das espécies tende a parecer didática demais. Exibido na abertura do Festival de Berlim de 2005, o longa não causou o impacto esperado, pelo contrário, as reações negativas dominaram a platéia e acabaram contagiando todo o mercado cinematográfico e a mídia que receberam a obra de forma fria, destacando apenas o fato de que as cenas que se passam na floresta foram feitas em áreas ainda preservadas na África do Sul o que explica a exuberância e o frescor visual de tais sequências contrapondo-se a claustrofobia do ambiente urbano criado em estúdio.

Ainda que Wargnier construa uma obra de ritmo irregular, é inegável que ele procurou ser fiel a realidade e nas reconstituições. Exibir os pigmeus como animais em zoológico pode parecer proposital para atingir o emocional do espectador, mas tal humilhação é baseada em relatos reais, algo muito comum na Europa do século 19. Na época também se acreditava que o berço da humanidade encontrava-se em território africano e havia a crença de que lá estaria escondida uma espécie que preencheria a lacuna entre a transformação dos símios em homo sapiens, ou seja, um intermediário que poderia muito bem fisicamente ter características humanas, mas inteligência e instinto semelhante a de animais, até porque os africanos naturalmente eram vistos como seres inferiores. O drama pode ser de séculos atrás, mas ainda se faz presente em nossa cultura atual, mesmo porque o mundo avança, porém, a visão de que um ariano é superior a um negro, por exemplo, continua sendo cultivada por ignorantes que podem ser uma minoria, mas as vezes parecem formar um grupo numeroso infelizmente. Seriam pessoas do tipo que fizeram a cabeça do cineasta para impor o preconceito à trama ou o próprio cineasta não estaria em um bom momento e não soube trabalhar o material que tinha em mãos? Melhor acreditar na segunda opção. Se havia receio em ousar, ao menos o diretor poderia ter explorado a cultura dos pigmeus que acabaram quase que fazendo figuração boa parte do filme, realmente sendo expostos como algo de outro mundo em momentos estratégicos. Uma das poucas e marcantes menções as crenças deste povo é quando Likola se assusta ao ver seu rosto em um molde de gesso, para ela um sinal de que sua alma fora roubada e a morte uma certeza imediata. Ainda que apresentados sob óticas preconceituosas prevalecendo a ideia de que os pigmeus jamais deveriam se misturar a civilização caucasiana, seus intérpretes acabam surpreendendo e diminuindo o brilho das estrelas da fita. Fiennes é o típico mocinho de época, com seus ideais a serem defendidos, porém, sem a coragem necessária para tanto e nem mesmo um objetivo romântico para dar sustento ao personagem. Já sua parceira Kristin desempenha seu papel corretamente, uma especialista em animais selvagens que alerta o rapaz sobre os perigos de levar os capturados à Edimburgo, mas tão impotente quanto ele para defendê-los, ficando assim em cima do muro em relação aos experimentos. No geral O Elo Perdido infelizmente é um produto cuja embalagem impacta mais que o conteúdo, mas merece uma conferida e porque não uma recriação do final na mente do espectador que ficar insatisfeito, afinal não duvide que exista quem concorde com a conclusão, ainda mais se levarmos em consideração os padrões da época. Embora possa ser frustrante dramaturgicamente falando, será que Wargnier no fundo não foi realista com o destino de Dodd, Toko e Likola? Opção para quem curte refletir.

Drama - 117 min - 2005

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