Nota 8,0 Drama mostra as dificuldades de um casal para superar a perda repentina da única filha
A cena inicial em que um homem
assiste a queda de uma árvore e a fuga assustada de um corvo, símbolo da morte,
já anuncia o que vem por aí. A gélida e triste paisagem das terras europeias
sem glamour algum no caso de Inverno Despedaçado não serve apenas
como cenário, mas também é um ingrediente importantíssimo para a narrativa,
pois realça o espírito dos protagonistas, um casal que em pouco tempo acabou
congelando suas vidas, porém, um simples tremor pode tratar de quebrar esse
gelo e trazer consequências tanto positivas quanto negativas, mas o certo é que
no final das contas dificilmente ela ou ele poderá dizer que é plenamente
feliz. O roteiro de Pierre-Pascal Rossi narra o drama vivido pelos fazendeiros Jean
(Aurélien Recoing) e Laure (Marie Matheron) que há poucos meses perderam a
filha de apenas cinco anos em um incêndio. O casal ainda não se adaptou ao
vazio que ficou em casa e precisam urgentemente descobrir um novo sentido na
vida. A paisagem fria e triste do rigoroso inverno europeu só aumenta a
sensação de impotência de Laure, que está abatida, fechada em suas lembranças e
apresentando comportamento com rompantes de loucura. O marido também está com
dificuldades para seguir sua vida normalmente, até porque ele se sente culpado
pelo acidente com a filha devido as más instalações elétricas de sua casa que
provocaram o infortúnio, mas chega a um ponto de estresse no qual não poderia
também arcar com a loucura da esposa em silêncio. Laure é internada em uma
clínica psiquiátrica a contragosto da irmã Valérie (Nathalie Boulin) que não
gosta de seu cunhado e aos poucos passa a fazer intrigas a respeito dos
sentimentos de Jean em relação a esposa. Enquanto isso, esse homem amargurado
decide vender a propriedade da família, muda-se para o antigo restaurante que
tinham e larga o trabalho no campo para se dedicar a uma atividade com salário
fixo em uma usina. É justamente nesse novo ambiente que Jean encontra
esperanças para dar novos rumos a sua trajetória quando conhece Labinota (Gabriela
Muskala), uma imigrante polonesa que trabalha no refeitório da empresa. A
relação entre eles, apesar de benéfica, pode significar o fim da união de Jean
e Laure.
Co-produzido entre a Bélgica,
Polônia e a Suíça, este é um drama sério, emocionante e de temática universal
afinal a perda de um ente querido é sempre uma dor que só o tempo pode curar,
mas não basta a velocidade do relógio, é preciso que as pessoas que estão
lidando com tal conflito também se ajudem e busquem forças para superar as
tristezas. Laure entregou os pontos, a ajuda da irmã revelou-se egoísta e
quando percebeu que estava prestes a perder o marido poderia ser tarde demais
para salvar o casamento. Já Jean mostrou-se razoavelmente mais forte para
superar a perda, mas também contou com o auxílio de Labinota e seu irmão Kastriot
(Blerim Gjoci) que também guardam em seu passado memórias tristes. Porém, ao
mesmo tempo em que encontra razões para recomeçar, ele também não se sente
completamente a vontade em iniciar um novo relacionamento tendo que abandonar a
esposa em um momento em que ela não está em seu juízo perfeito, seria uma
traição muito mais grave. É bem interessante o viés trabalhado pelo cineasta
polaco Greg Zglinsky utilizando o contraponto da vida de um casal para mostrar
paralelamente a entrega ao abandono total e a busca por novas perspectivas. Como
já é tradição em dramas intimistas europeus, os atores estão excelentes e
expressam com olhares todo sentimento de dor e vazio que carregam. Além disso, a
grande proeza deste trabalho é investir nas relações humanas e em pequenos
detalhes que fazem a diferença, como o fato de não se acender o fogo durante a
temporada de inverno como se esse fosse mais um elemento a explicitar a
tristeza dos personagens e a completa imersão deles neste estado inerte de
espírito. A valorização dos olhares e silêncios também são tradições do cinema
europeu, com a diferença que neste caso os planos mais curtos, mas ainda assim
contemplativos, tem preferência assim como o cineasta privilegia a imagem do
protagonista masculino diante das dificuldades e da chance de redenção. Inverno Despedaçado é uma
obra emotiva e reflexiva, relativamente curta, mas na medida certa para expor
ao expectador a imagem do homem sensível, mas ainda assim viril e tentando se
manter em pé.
Drama - 88 min - 2004
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