quinta-feira, 30 de julho de 2015

AS HORAS

NOTA 10,0

Drama mistura épocas e
dramas através das histórias
de três mulheres vivendo
períodos pessoais difíceis
Existem produções que participam do Oscar e que marcam mesmo sem ter arrebatado a atenção dos votantes da Academia de Cinema. Detentor apenas do prêmio de Melhor Atriz, dado à Nicole Kidman, o filme As Horas é uma das grandes atrações que marcaram a História desta festa, mas que acabaram não recebendo o devido valor. Tudo bem, o páreo na época era duro, mas o fato de até o roteiro ter sido ignorado é um fato inexplicável. Baseado na obra homônima do escritor Michael Cunningham, a história adaptada por David Hare e dirigida por Stephen Daldry, de Billy Elliot, felizmente foi reconhecida em outras premiações. Desenvolvido em três épocas distintas, mas ainda assim mantendo elementos entre si que permitem narrativas paralelas e fragmentadas, o longa é poesia pura não só em seus diálogos, mas também em suas belíssimas cenas. Basicamente o roteiro fala de forma introspectiva sobre a doação da mulher ao homem, a respeito da sua anulação como pessoa e como ela lida com seus rompantes de desejos. A rotina de um só dia de três mulheres separadas por algumas décadas é narrada tendo como ponto de ligação o romance “Mrs. Dalloway”. Na década de 1920, a escritora Virginia Woolf (Nicole Kidman) está escrevendo a obra ao mesmo tempo em que lida com as limitações impostas por sua esquizofrenia e pelo excesso de zelo do marido Leonard (Stephen Dillane). Nos anos 50, Laura Brown (Julianne Moore) é uma dona-de-casa infeliz que está lendo o livro ao mesmo tempo em que prepara um bolo de aniversário para o marido Dan (John C. Reilly). A leitura poderá mudar seus pensamentos e ações de forma drástica. Por fim, em 2001, Clarissa Vaughan (Meryl Streep) está as voltas com os preparativos de uma festa em homenagem ao seu ex-amante e poeta Richard Brown(Ed Harris), que está a beira da morte. Ela praticamente está vivendo as mesmas ações que a protagonista do quase centenário livro.

As três personagens principais vivem uma dor existencial, cada uma praticamente não dedicou o tempo que queria a si mesma para atender as vontades de um homem ou de outras pessoas e neste dia retratado estão confrontando os fantasmas que as assombram. O desempenho das atrizes acabou rendendo um inesperado prêmio triplo no Festival de Berlim, decisão muito justa, mas há ressalvas. Todas elas se esforçaram e certamente fizeram o melhor que podiam, mas o roteiro poderia ser mais generoso com duas delas. Nicole foi super premiada despojando-se da vaidade e aceitando usar uma prótese de nariz que a deixava com um aspecto mais cabisbaixo para combinar com a personalidade da personagem que está triste com a vida que leva em um subúrbio londrino. Apesar da doença, cujo tratamento ela repudia, sua vontade de viver renasce com a visita da irmã, a artista plástica Vanessa Bell (Miranda Richardson). A trama da escritora é interessante, mas não é aprofundada como muitos esperavam, porém, é preciso ressaltar que o intuito da obra não era fazer uma biografia de Virginia e sim traçar um interessante paralelo entre os sentimentos dela e os de outras duas mulheres em espaços de tempos diferenciados. Meryl tem uma personagem que alterna bons e maus momentos e que sem dúvida só cresce se apegando ao papel de Harris. Ela trava interessantes diálogos com um antigo amor, Louis Waters (Jeff Daniels), mas não há sintonia com sua filha Julia (Claire Danes) e com a companheira Sally (Allison Janney). Mesmo assim, o roteiro ainda merece aplausos pela delicadeza que consegue interligar as tramas e proporcionar cenas marcantes e com fortes cargas dramáticas, mesmo quando não há diálogos. Aliás, esta é uma obra para ser apreciada com muita atenção, pois são nos gestos e olhares que se concentram a força do enredo.
Se Nicole e Meryl fazem trabalhos corretos, mas longe de serem avassaladores, quem segura a atenção mesmo é Julianne com o entrecho mais interessante e emotivo de todo o longa. Vivendo um casamento que não é o de seus sonhos, a personagem Laura é a que transmite melhor através de suas expressões toda a inquietação que está sentindo, seja na frente do filho, do marido ou ao ler algumas páginas do tal livro. Não são apenas as passagens da publicação que mexem com ela, mas também a vizinha Kitty (Toni Collete) que nunca pôde construir a vida que sonhou devido a um problema no útero. Quando revela que está doente, inesperadamente ela recebe um beijo na boca de Laura, mais uma manifestação das vontades dessa respeitável mãe de família, uma cena totalmente crível e nada vulgar. O lesbianismo é outro ponto em comum entre as três narrativas. Virginia também impulsivamente beija a irmã enquanto Clarissa é homossexual assumida e convive bem com seus antigos namorados que também revelam gostar do mesmo sexo. Nas mãos de um diretor insensível, tal gancho poderia ser transformado em sequências de mau gosto, mas Daldry as realizou de forma lírica e sincera. Lidando com o tema depressão praticamente do início ao fim, As Horas consegue condensar em aproximadamente duas horas um enredo difícil e melancólico, mas a edição é eficiente para dar ritmo e manter o espectador atento e curioso para saber qual será o passo seguinte de cada uma das protagonistas. São raros os filmes que conseguem expressar tanto conteúdo praticamente em silêncio, contando na maior parte do tempo com uma trilha sonora apropriada e convidativa à reflexão. Ao final, percebemos que a obra vai além de simplesmente retratar pessoas tristes, entre as quais até a maioria dos coadjuvantes se enquadram, mas também se propõe a mostrar o quanto é difícil tomar uma decisão que pode desestabilizar toda uma vida. Não só o passar das horas pode causar drásticos impactos, mas cada minuto que passa pode fazer toda a diferença. Para quem não quer dispensar seu tempo com bobagens esta é uma opção excelente.
Vencedor do Oscar de atriz (Nicole Kidman)

Drama - 115 min - 2002 

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2 comentários:

marcosp disse...

outro amor da minha vida, trilha imperdivel e trio de historias complementares, é um tipo de roteiro que gosto muito, as atrizes então dão show de bola...

Matheus Paes disse...

Guilherme, assino em baixo tudo o que você falou. Sou apaixonado pelo filme e pela Nicole Kidman...hehehe!!! Realmente o filme precisa ser visto mais de uma vez, pois cada vez que se assiste percebe-se coisas novas!!! Sem contar no roteiro belíssimo e na trilha sonora brilhante...
Sem dúvidas um dos meus favoritos!!!