quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

OS BOXTROLLS

NOTA 7,0

Visualmente belo e criativo, com
ótima mistura de técnicas de animação
contemporâneas e antigas, longa peca
por roteiro maçante e adulto demais
Quem disse que animação infantil precisa ser super colorida? Bem, se é a gurizada que a produtora Laika Entertainment pretende realmente conquistar é melhor ela rever os seus conceitos. Estúdio responsável por Coraline e o Mundo Secreto e Paranorman, apesar do currículo enxuto, já tem suas características bem definidas. Opção por histórias mais sombrias, cores escuras, personagens bizarros e animação em stop motion já são marcas registradas da empresa que as reforça no longa Os Boxtrolls, mais uma tentativa dela se firmar entre os gigantes do segmento em Hollywood. Com o estilo peculiar de suas obras o estúdio tem conseguido chamar a atenção da crítica visto que seus três primeiros lançamentos, incluindo o filme em questão, foram todos indicados ao Oscar da categoria, mas ainda tem dificuldades para encontrar seu público patinando nas bilheterias e agradando mais aos adultos que as crianças. Há justificativas. As temáticas abordadas fogem um pouco dos assuntos comuns ao universo infantil, ou melhor, eles até fazem parte, mas preferimos preservar os menores de certas discussões infelizmente necessárias. A falta de colorido e ritmo lento também não ajudam a atrair a atenção de quem se acostumou às altas doses de adrenalina e explosão de cores das criações da Pixar ou Dreamworks. Os roteiristas Irena Brignull e Adam Pava transpõe para a tela parte do universo imaginado pelo escritor Alan Snow para as mais de 500 páginas que compõe sua obra intitulada "A Gente é Montro!" que começa relatando o sumiço do bebê Trubshaw, fato que muda para sempre os rumos da cidade de Pontequeijo. Nos esgotos vivem os tais boxtrolls, simpáticos monstrinhos que vivem de revirar o lixo dos humanos somente a noite e se vestem com caixotes de mercados, assim adotando como seus nomes próprios as palavras escritas em suas respectivas embalagens. Assim não é para se estranhar que a tal criança desaparecida receba a alcunha de Ovo dada por Peixe, o boxtroll que o encontra em meio a sucata e o adota como filho. O garoto cresceu orgulhoso de ser um membro da espécie e nunca questionou ser diferente fisicamente dos demais.

Quando seu tutor é capturado por  Arquibaldo Surrupião, que deseja exterminar as criaturinhas, Ovo decide deixar os esgotos e se aventurar na superfície dos humanos em plena luz do dia para resgatá-lo. É quando conhece a mimada e curiosa Winnie, uma menininha que resolve ajudar nessa  missão, mas também o convencer de que ele é tão humano quanto ela. A trama surpreende por abordar uma série de metáforas, muitas delas até um pouco difíceis para a compreensão infantil, como o preconceito aos boxtrolls manifestado em atos de repúdio e violência, a relação de afeto entre Ovo e Peixe, pai e filho tão diferentes, e o convívio disfuncional entre Winnie e seu pai, o Lorde Roqueforte, o governante da cidade, uma relação que carece de afeto de ambas as partes. Aliás, as duas crianças acabam funcionando como agentes de mudanças em suas sociedades alienadas, seja pelo medo ou pela arrogância aristocrática. O filme não oferece explicações sobre a existência dos monstrinhos. O fato é que embora exista um toque de recolher para os humanos se refugiarem quando eles costumam sair de suas tocas, na verdade são os boxtrolls que tem bem mais motivos para se apavorarem. Além de suas simpáticas feições, as criaturinhas ainda contam com certo quê dos Minions de Meu Malvado Favorito, visto que vivem metidos em atrapalhadas e se comunicam através de um linguajar próprio como se fossem grunhidos. Contudo, eles não estão em cena para protagonizar esquetes cômicos, mas suas vivências são o fio condutor de uma narrativa relativamente complexa que envolve até mesmo lutas de classes. Surrupião, por exemplo, é desprezado por todos e se mostra capaz de qualquer coisa para se tornar um membro do respeitável e seleto do grupo dos "chapéus brancos" ao qual Roqueforte faz parte e desperta inveja. Os nobres não fazem mais nada que passar o tempo ocioso degustando queijos e embora o vilão seja alérgico ele não mede esforços para entrar na panelinha, mesmo que para tanto seja preciso mentir, roubar ou até mesmo matar. Suas ações desmedidas colocam Pontequeijo em constante estado de atenção e anarquia, principalmente incitando o ódio e preconceito dos habitantes quanto aos boxtrolls. Sua ideia é que eliminando a ameaça dos diferentes a cidade o reverenciaria como um benfeitor.

O longa dirigido por Graham Annable, experiente na área de videogames, em parceria com Anthony Stacchi, co-diretor de O Bicho Vai Pegar, faz uma eficiente mistura de desenho à mão, computação gráfica e, principalmente, stop motion, chegando a um resultado final bastante peculiar. A animação com massinha traz um charme a mais não só pela alta qualidade, mas também pela riqueza de detalhes. É quase possível sentir a textura dos cabelos e figurinos dos personagens e a caverna que serve de habitat aos boxtrolls é repleta de engenhocas que criam com a sucata que recolhem dos lixos, sendo o teto coberto de lâmpadas que reproduzem um céu estrelado. O refúgio os mantém distante da mesquinhez dos humanos e suas complicadas relações que incluem além do preconceito também avareza e maldade, mas sempre com um toque de humor para amenizar as situações. Nesse ponto esta animação compartilha uma ideia trabalhada em A Noiva Cadáver, no qual o diretor Tim Burton apresentava o mundo dos mortos com cores vibrantes e personagens divertidos fazendo contraponto ao frio e cinzento universo dos vivos habitado por pessoas depressivas e sisudas. Annable apresenta seus boxtrolls como seres amáveis enquanto carrega nas tintas para mostrar os humanos como os verdadeiros monstros da trama que acaba pecando por fazer analogias mais indicadas à compreensão do público adulto, como o pensamento levado adiante por Surrupião e companhia de que o desconhecido deve ser repudiado, assim o medo é defendido com repulsa. Seus capangas, o Sr. Picles e o Sr. Truta, intercalam as ações trazendo a tona uma série de indagações existenciais e filosóficas, especialmente sobre o bem e o mal, a partir dos conflitos travados em Pontequeijo, uma forma encontrada para dialogar melhor com a plateia infantil e esmiuçar os temas controversos. Eles próprios não compreendem se suas ações contra as criaturinhas os elevam a heróis da cidade ou se estão sendo cruéis com inocentes, apenas agindo por impulso visando suas próprias sobrevivências. Visualmente belo, Os Boxtrolls fica na memória como mais uma produção que alcança sucesso aliando técnicas de animação modernas à tradicionais, mas que deixa a desejar em termos de roteiro. Os vários temas complicados abordados tiram um pouco o encanto da obra que se torna maçante até mesmo aos adultos. Vale conhecer por curiosidade, mas longe de ser um desenho para ver e rever sem cansar.

Animação - 90 min - 2014

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