NOTA 8,0 Junção de contos de fadas tem seus furos e equívocos narrativos, mas carisma e talento do elenco e recursos técnicos apurados garantem a qualidade |
Os primeiros minutos são
dedicados a apresentação dos personagens principais e suas motivações para se
aventurarem na floresta cerrada e sombria. No entrecho principal e que sustenta
as demais ramificações do enredo temos um humilde padeiro (James Corden) e sua
esposa (Emily Blunt) cuja felicidade só não é completa por nunca terem tido um
filho. A visita repentina de uma vizinha que na verdade é uma bruxa (Meryl
Streep) elucida o problema. Com problemas no passado com o pai do rapaz, um entrave
envolvendo feijões mágicos que tirou sua suposta beleza e boa forma, ela
enfeitiçou seu herdeiro com a esterilidade e ainda roubou sua irmã caçula.
Rapunzel (MacKenzie Mauzy) foi criada pela feiticeira como uma filha, mas presa
no alto de uma torre encrustada em meio a mata. Com segundas intenções, a
malvada procura o casal propondo um acordo para terem o filho que tanto
desejam. Eles devem lhe trazer uma vaca branca como leite, um capuz vermelho
como o sangue, um sapato dourado e madeixas de cabelo amarelo como palha de
milho, elementos para uma poção, na verdade uma estratégia do roteiro para
alinhavar o plot de outras histórias. João (Daniel Huttlestone) é incumbido por
sua ríspida mãe (Tracy Ullman) a vender sua vaca de estimação, mas a troca pelos
tais feijões encantados e então a solução para sua vida paupérrima literalmente
cairá dos céus. Chapeuzinho (Lilla Crawford) vai visitar sua avó levando doces,
mas quem fica com água na boca é o Lobo Mau (Johnny Depp) que arma um plano
para abocanhar as duas. Em paralelo, Cinderela (Anna Kendrick) deseja ir aos
bailes promovidos pelo príncipe (Chris Pine) que deseja encontrar uma noiva,
festejos promovidos durante três noites, mesmo período que o padeiro terá para
conseguir os itens para reverter sua maldição. E assim as famosas histórias se
encontram pelos misteriosos caminhos da floresta que parecem propositalmente
traçados pela bruxa, mais uma boa performance de Streep que não por acaso conquistou
sua 19º indicação ao Oscar, no caso como coadjuvante. Com seus dotes vocais já
reconhecidos, a atriz se diverte na pele da vilã que não é pura maldade, mas
uma personagem cheia de nuances e como a própria se define não é boa e nem má,
apenas justa. Pena que com tantos personagens em cena ela não tenha tempo suficiente
para mostrar todo potencial de sua criação, principalmente seu sarcasmo
acionado no ato final. De qualquer forma ela deixou mais uma vez sua marca
registrada, seu perfeccionismo, e é difícil imaginar que a cantora Cher poderia
ter feito o papel caso a adaptação tivesse sido realizada no início da década
de 1990 como era planejado. Blunt e Corden também se destacam com o bom
entrosamento e coordenação musical, ainda que a conclusão leve os personagens a
trilhar rumos que desconstrói o semblante apaixonado do casal e de certa forma
anule todos os esforços que tiveram para ter um filho.
Mesmo não sendo muito explorado o
conflito com sua madrasta (Christine Baranski) e suas meias-irmãs, Kendrick
confere a doçura e fragilidade necessárias para compor sua gata borralheira,
elementos que não são identificados na composição de Rapunzel que praticamente
some do texto após a resolução de seu conflito que no caso envolve o outro
príncipe da história (Billy Magnussen) que consequentemente tem sua
participação reduzida. O rapaz só não passa despercebido por conta do cafona
dueto que trava com seu irmão, ambos falando sobre a agonia de sofrer por amor,
mas no fundo exaltando suas qualidades o que confere certa arrogância aos
personagens. Agonia mesmo é para o espectador que tem de aguentar tal número
repleto de exageros coreográficos e vocais. Depp, por sua vez, serve como mero
chamariz já que sua participação é muito pequena, ainda que seja divertida. O
desfecho de seu entrecho é abrupto e deixa a personagem de Crawford sem rumo,
resgatada no fim sem muito a acrescentar. Por fim, o pequeno Huttlestone
conquista com a pureza inerente a qualquer criança e cativa com sua
determinação em manter seu animal de estimação, mas também solucionar os
problemas da mãe. Marshall tem a perspicácia de pelo menos dar um momento de
destaque para cada personagem, uma canção para se sobressaírem, mas passa longe
do final apoteótico que o encontro de todos eles poderia propiciar. Roteirizado
por James Lapine, autor da obra original em parceria com Stephen Sondheim, este
último responsável pela versão teatral de Sweeney
Todd – O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet, não é por acaso que muitos
críticos viram na obra muito do estilo do citado Burton. Boa parte da equipe
técnica já trabalhou com o gótico cineasta e trouxe ao musical características
de seu trabalho, nada mais natural e que casou perfeitamente com as
necessidades da produção. Claramente dependente da estética, efeitos visuais,
direção de arte, figurinos e maquiagens são o ponto alto e reforçam às raízes
teatrais do projeto que foram preservadas, inegavelmente uma escolha que impede
que a narrativa flua com melhor cadência. Por vezes sentimos as situações se
desenrolarem de forma truncada e o esquematismo para que tudo sopre a favor dos
planos do padeiro e da bruxa gera certo desconforto. A sensação de que falta
liga em vários momentos também pode ser explicada pela eliminação de várias
sequências e canções do script original, passagens mais sombrias e polêmicas
que necessitariam de tratamento mais profundo, algo que não casaria com o
desejo de realizar um filme para toda a família. Com seu farto material de
conhecimento universal e inúmeras possibilidades criativas, Caminhos da Floresta parece condensado ao
extremo e suas ações em geral dependem do término de um conflito para o início
de outro. Duas horas é pouco para o gigantismo da ideia, mas ainda assim este é
um passatempo como poucos e onde o talento do elenco faz toda a diferença.
Musical - 125 min - 2014
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