segunda-feira, 11 de junho de 2018

A PELE (2005)

NOTA 7,5

Biografia de fotógrafa visionária,
em sua versão cinematográfica,
ganha toques de fantasia para
explicar seu gosto pelo bizarro
Apesar de vira e mexe sempre estar em discussão condutas éticas para tentar colocar a sociedade em um sonhado padrão de estabilidade, é incrível como o ser humano sente atração pelo mórbido e o bizarro. Todo ser humano parece ter a vontade de experimentar o desconhecido e programas de TV, jornais impressos, revistas, sites e até mesmo o cinema cada vez mais tem procurado explorar acontecimentos que fogem do comum. É justamente depertar a curiosidade do espectador o grande trunfo de A Pele, drama que conta um pouco da história da fotógrafa americana Diane Arbus. Quem? Pois é, com o desconhecimento de seu nome por praticamente todos fora do meio intelectual, o longa acabou projetando sua publicidade para o elemento bizarro da trama, uma temática estranha, mas de apelo um pouco mais universal. Nicole Kidman é quem interpreta a artista das lentes e dos flashes, que embora não seja popular é considerada por muitos especialistas como uma das melhores profissionais que a área já teve, mas se engana quem pensa que esta é uma cinebiografia legítima. Logo no início um pequeno texto surge na tela avisando que alguns personagens e situações foram inventados, opções para tentar expressar de forma mais emocional qual teria sido a experiência interior de Diane ao longo de sua relativamente curta vida ou em outras palavras tentar compreender as motivações que a levaram a realizar trabalhos tão peculiares. Para começar a quebra de estilo, o diretor Steven Shainberg, de Secretária que também explorava os segredos e desejos secretos de uma mulher, poupa o espectador de transformar seu filme em uma linha do tempo seguindo a homenageada desde seu nascimento em 1923 até seu falecimento em 1971. A ação do longa é centrada em 1958, ano em que a fotógrafa que até então auxiliava o marido Allan (Ty Burrell), cuja carreira era a mesma voltada ao mercado publicitário e de moda, resolveu investir em seu próprio talento. Mãe de duas crianças pequenas e cuidando da casa, ela acabou se acomodando com sua vida pacata e não percebeu que esqueceu de si própria, de seus sonhos. A vontade de sair do casulo em que se fechou acontece quando ela sente necessidade de fugir das fotos tradicionais e procurar o inusitado. A chegada de um novo inquilino ao prédio em que vive é que lhe atiça a curiosidade. Sempre com o corpo coberto por um casacão e usando chapéu e máscara, Lionel Sweeney (Robert Downey Jr.) é um homem que claramente não deseja ser visto, mas ironicamente é impossível não notá-lo. Morador do apartamento que fica em cima do de Diane, constantemente o encanamento da casa dela fica entupido com um grande emaranhado de cabelos, mais uma coisa que a deixa intrigada.

Diane tenta entrar em contato com ele para resolver o problema dos fios de cabelo, mas ainda assim só consegue ouvir sua voz, porém, de tão insistente que é certo dia ela acaba sendo convidada por Sweeney para entrar em seu apartamento com a condição de que viesse de olhos fechados. Após um rápido discurso de recepção finalmente ela mata sua curiosidade e se surpreende. Seu vizinho se esconde ao máximo porque sofre de tricotomia, uma doença rara na qual o indivíduo é propenso a ter o corpo inteiro recoberto de pêlos. Descobrindo o histórico de vida dele, Diane fica fascinada e pouco a pouco deixa seu mundo clean e melancólico ser inundado pelas cores e o ritmo circense já que os poucos amigos dele também são figuras excluídas da sociedade e que só encontram um pouco de respeito trabalhando em circos.  Essa nova forma de olhar para a vida traz reflexos profundos para a vida profissional da fotógrafa, que deixa de colaborar com o marido para captar as imagens de pessoas marginalizadas (anões, travestis, deficientes, pessoas com anomalias), e consequentemente também traz reflexos para a sua família que cada vez mais vai sentindo o seu afastamento. Até o pacato Allan percebe que falta pouco para perder sua esposa e deixa a barba crescer acreditando inocentemente que o vendo com um visual diferente Diane voltaria a amá-lo como antes. Sim, como no clássico conto de “A Bela e a Fera”, a fotógrafa e seu vizinho acabam construindo uma relação que extrapola os limites da curiosidade e da admiração, contudo, é certo que aceitar este casal não é fácil para o grande público, ainda que se dizem que pessoas perfeitas não se encontram entre os populares a identificação com tais personagens deveria ser um tiro certo. Os dois têm qualidades e defeitos como qualquer um. Ele não se sente normal para encarar as ruas e ela de certa forma também não. Apesar de bonita (não como habitualmente Kidman se apresenta), ela se acostumou a uma vida regrada talvez por medo de ser apontada nas ruas como estranha, ainda mais que estamos falando de um episódio acontecido em plena década de 1950. Dificilmente alguém nunca se sentiu um peixe fora d’água em alguma situação, mas é certo que é da natureza do ser humano rejeitar o diferente por isso não é de se estranhar que o longa fracassou nas bilheterias e até as premiações não deram bola. Falando sem rodeios, a premissa de uma mulher que muda de vida após conhecer e se apaixonar por um homem que é quase um lobisomem não é um bom chamariz, pondendo ser uma produção rotulada como trash automaticamente, mas esta é uma daquelas obras que é preciso ver para crer. A ideia que pode ser absurda acaba fazendo todo o sentido, pena que a mensagem parece só chegar a um público mais intectualizado e já acostumado a produções com ritmo mais lento e simbologias a serem interpretadas.

Quem investe dinheiro em um filme quer lucros, não arte, salvo raríssimas exceções. Portanto não é de se estranhar que o projeto do filme vinha sendo cozinhado em banho-maria desde 1984 quando foi lançada uma biografia sobre a fotógrafa assinada pela escritora Patricia Bosworth. Na época uma atriz de prestígio e dizem que também excêntrica fora das câmeras, Diane Keaton deveria ter dado vida à protagonista, mas provavelmente a estranheza do argumento fez com que o plano fosse descartado. Em 1997 houve uma nova negociação dos direitos da obra literária, todavia, somente em 2005 o longa começou a se tornar uma realidade sendo lançado no ano seguinte. Com roteiro de Erin Cressida Wilson, parceira de Shainberg em seu elogiado e já citado longa anterior, o filme foge dos clichês das cinebiografias convencionais pela opção de mesclar realidade e ficção fazendo com que o espectador reflita e tente descobrir até que ponto ia realmente a excentricidade da artista que acabou suicidando-se, fato apenas citado no longa que se inicia e termina com Diane visitando uma colônia de nudismo para mais uma sessão de fotos inusitadas (não espere ver a atriz completamente nua). Kidman empresta à personagem um olhar ambíguo, ao mesmo tempo em que é assombrado também transparece a alegria de conhecer um mundo novo e que por incrível que pareça estava a um andar de seu apartamento. Como o filme acompanha um curto período da vida da artista, não há indícios de que um dia ela cometeria suicídio, mas depois de acompanharmos sua ruptura com o modelo de vida “certinho” é fácil compreendermos que apesar de seus esforços ela ainda se sentia deslocada no mundo, embora fisicamente não externasse ou se justificava tal sentimento como seu vizinho. No caso dela, pode se dizer que o problema seria causado pelas convenções sociais que a aprisionaram por anos. Todavia, seus trabalhos não eram realizados através de uma ótica caridosa, simplesmente ela captava os diferentes tal qual podia fotografar uma modelo comum, mas muitos profissionais de fotografia acusam a obra de não fazer jus ao talento da homenageada alegando exageros na forma de como a personagem enxerga o bizarro, como se o mundo de Sweeney fosse um universo paralelo e escapista, mas é certo que tais pessoas não compreenderam as escolhas do diretor que quis usar elementos alegóricos justamente para enfatizar as predileções de Diane. No título original algo como “Um Retrato Imaginário de Diane Arbus”, felizmente no Brasil optou-se apenas por A Pele, algo mais enigmático, mas ao mesmo tempo que já vende a ideia de um produto para plateias reduzidas, certamente pessoas mais propícias a compreender a beleza que há por trás do bizarro, o amor que pode nascer da curiosidade, a pele branca escondida por trás da negra pelugem. A cena em que Diane corta e raspa os pêlos de Sweeney é linda e tocante, mas não duvide que existam cabeças ocas para compará-la a tosa de um cão ou algo do tipo e gargalhar aos montes. Quer coisa mais estranha que rir da própria ignorância? 

Drama - 120 min - 2005

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Um comentário:

renatocinema disse...

Gostei do filme....porém, como sou fã de Nicole não sei se isso tem mais a ver com meu gosto pela atriz do que pela qualidade do filme.


abs