NOTA 7,5 Biografia de fotógrafa visionária, em sua versão cinematográfica, ganha toques de fantasia para explicar seu gosto pelo bizarro |
Apesar de vira e mexe sempre estar em discussão condutas éticas para tentar
colocar a sociedade em um sonhado padrão de estabilidade, é incrível como o ser
humano sente atração pelo mórbido e o bizarro. Todo ser humano parece ter a
vontade de experimentar o desconhecido e programas de TV, jornais impressos,
revistas, sites e até mesmo o cinema cada vez mais tem procurado explorar
acontecimentos que fogem do comum. É justamente depertar a curiosidade do
espectador o grande trunfo de A Pele, drama que conta um pouco da
história da fotógrafa americana Diane Arbus. Quem? Pois é, com o
desconhecimento de seu nome por praticamente todos fora do meio intelectual, o
longa acabou projetando sua publicidade para o elemento bizarro da trama, uma
temática estranha, mas de apelo um pouco mais universal. Nicole Kidman é quem
interpreta a artista das lentes e dos flashes, que embora não seja popular é
considerada por muitos especialistas como uma das melhores profissionais que a
área já teve, mas se engana quem pensa que esta é uma cinebiografia legítima.
Logo no início um pequeno texto surge na tela avisando que alguns personagens e
situações foram inventados, opções para tentar expressar de forma mais emocional
qual teria sido a experiência interior de Diane ao longo de sua relativamente
curta vida ou em outras palavras tentar compreender as motivações que a levaram
a realizar trabalhos tão peculiares. Para começar a quebra de estilo, o diretor
Steven Shainberg, de Secretária que
também explorava os segredos e desejos secretos de uma mulher, poupa o espectador de transformar seu
filme em uma linha do tempo seguindo a homenageada desde seu nascimento em 1923
até seu falecimento em 1971. A ação do longa é centrada em 1958, ano em que a
fotógrafa que até então auxiliava o marido Allan (Ty Burrell), cuja carreira
era a mesma voltada ao mercado publicitário e de moda, resolveu investir em seu
próprio talento. Mãe de duas crianças pequenas e cuidando da casa, ela acabou
se acomodando com sua vida pacata e não percebeu que esqueceu de si própria, de
seus sonhos. A vontade de sair do casulo em que se fechou acontece quando ela
sente necessidade de fugir das fotos tradicionais e procurar o inusitado. A
chegada de um novo inquilino ao prédio em que vive é que lhe atiça a
curiosidade. Sempre com o corpo coberto por um casacão e usando chapéu e
máscara, Lionel Sweeney (Robert Downey Jr.) é um homem que claramente não
deseja ser visto, mas ironicamente é impossível não notá-lo. Morador do
apartamento que fica em cima do de Diane, constantemente o encanamento da casa
dela fica entupido com um grande emaranhado de cabelos, mais uma coisa que a
deixa intrigada.
Diane tenta entrar em contato com ele para resolver o problema dos fios de
cabelo, mas ainda assim só consegue ouvir sua voz, porém, de tão insistente que
é certo dia ela acaba sendo convidada por Sweeney para entrar em seu
apartamento com a condição de que viesse de olhos fechados. Após um rápido
discurso de recepção finalmente ela mata sua curiosidade e se surpreende. Seu
vizinho se esconde ao máximo porque sofre de tricotomia, uma doença rara na
qual o indivíduo é propenso a ter o corpo inteiro recoberto de pêlos.
Descobrindo o histórico de vida dele, Diane fica fascinada e pouco a pouco
deixa seu mundo clean e melancólico ser inundado pelas cores e o ritmo circense
já que os poucos amigos dele também são figuras excluídas da sociedade e que só
encontram um pouco de respeito trabalhando em circos. Essa nova forma de olhar para a vida traz
reflexos profundos para a vida profissional da fotógrafa, que deixa de colaborar
com o marido para captar as imagens de pessoas marginalizadas (anões,
travestis, deficientes, pessoas com anomalias), e consequentemente também traz
reflexos para a sua família que cada vez mais vai sentindo o seu afastamento.
Até o pacato Allan percebe que falta pouco para perder sua esposa e deixa a
barba crescer acreditando inocentemente que o vendo com um visual diferente
Diane voltaria a amá-lo como antes. Sim, como no clássico conto de “A Bela e a
Fera”, a fotógrafa e seu vizinho acabam construindo uma relação que extrapola
os limites da curiosidade e da admiração, contudo, é certo que aceitar este
casal não é fácil para o grande público, ainda que se dizem que pessoas
perfeitas não se encontram entre os populares a identificação com tais
personagens deveria ser um tiro certo. Os dois têm qualidades e defeitos como
qualquer um. Ele não se sente normal para encarar as ruas e ela de certa forma
também não. Apesar de bonita (não como habitualmente Kidman se apresenta), ela
se acostumou a uma vida regrada talvez por medo de ser apontada nas ruas como estranha,
ainda mais que estamos falando de um episódio acontecido em plena década de
1950. Dificilmente alguém nunca se sentiu um peixe fora d’água em alguma
situação, mas é certo que é da natureza do ser humano rejeitar o diferente por
isso não é de se estranhar que o longa fracassou nas bilheterias e até as
premiações não deram bola. Falando sem rodeios, a premissa de uma mulher que
muda de vida após conhecer e se apaixonar por um homem que é quase um lobisomem
não é um bom chamariz, pondendo ser uma produção rotulada como trash
automaticamente, mas esta é uma daquelas obras que é preciso ver para crer. A
ideia que pode ser absurda acaba fazendo todo o sentido, pena que a mensagem
parece só chegar a um público mais intectualizado e já acostumado a produções
com ritmo mais lento e simbologias a serem interpretadas.
Quem
investe dinheiro em um filme quer lucros, não arte, salvo raríssimas exceções. Portanto
não é de se estranhar que o projeto do filme vinha sendo cozinhado em
banho-maria desde 1984 quando foi lançada uma biografia sobre a fotógrafa
assinada pela escritora Patricia Bosworth. Na época uma atriz de prestígio e
dizem que também excêntrica fora das câmeras, Diane Keaton deveria ter dado
vida à protagonista, mas provavelmente a estranheza do argumento fez com que o
plano fosse descartado. Em 1997 houve uma nova negociação dos direitos da obra
literária, todavia, somente em 2005 o longa começou a se tornar uma realidade
sendo lançado no ano seguinte. Com roteiro de Erin Cressida Wilson, parceira de
Shainberg em seu elogiado e já citado longa anterior, o filme foge dos clichês
das cinebiografias convencionais pela opção de mesclar realidade e ficção
fazendo com que o espectador reflita e tente descobrir até que ponto ia realmente
a excentricidade da artista que acabou suicidando-se, fato apenas citado no
longa que se inicia e termina com Diane visitando uma colônia de nudismo para
mais uma sessão de fotos inusitadas (não espere ver a atriz completamente nua).
Kidman empresta à personagem um olhar ambíguo, ao mesmo tempo em que é assombrado
também transparece a alegria de conhecer um mundo novo e que por incrível que
pareça estava a um andar de seu apartamento. Como o filme acompanha um curto
período da vida da artista, não há indícios de que um dia ela cometeria
suicídio, mas depois de acompanharmos sua ruptura com o modelo de vida
“certinho” é fácil compreendermos que apesar de seus esforços ela ainda se
sentia deslocada no mundo, embora fisicamente não externasse ou se justificava
tal sentimento como seu vizinho. No caso dela, pode se dizer que o problema
seria causado pelas convenções sociais que a aprisionaram por anos. Todavia,
seus trabalhos não eram realizados através de uma ótica caridosa, simplesmente
ela captava os diferentes tal qual podia fotografar uma modelo comum, mas muitos
profissionais de fotografia acusam a obra de não fazer jus ao talento da
homenageada alegando exageros na forma de como a personagem enxerga o bizarro,
como se o mundo de Sweeney fosse um universo paralelo e escapista, mas é certo
que tais pessoas não compreenderam as escolhas do diretor que quis usar
elementos alegóricos justamente para enfatizar as predileções de Diane. No
título original algo como “Um Retrato Imaginário de Diane Arbus”, felizmente no
Brasil optou-se apenas por A Pele, algo mais enigmático, mas ao
mesmo tempo que já vende a ideia de um produto para plateias reduzidas,
certamente pessoas mais propícias a compreender a beleza que há por trás do
bizarro, o amor que pode nascer da curiosidade, a pele branca escondida por
trás da negra pelugem. A cena em que Diane corta e raspa os pêlos de Sweeney é
linda e tocante, mas não duvide que existam cabeças ocas para compará-la a tosa
de um cão ou algo do tipo e gargalhar aos montes. Quer coisa mais estranha que
rir da própria ignorância?
Drama - 120 min - 2005
Um comentário:
Gostei do filme....porém, como sou fã de Nicole não sei se isso tem mais a ver com meu gosto pela atriz do que pela qualidade do filme.
abs
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