quarta-feira, 21 de julho de 2021

ENDIABRADO


Nota 6 O velho pacto com o diabo é inspiração para comédia previsível, mas divertida e dinâmica


Quem nunca ouviu falar do velho conto de Fausto e seu famoso pacto com o diabo? A lenda de origem alemã conta a história de um homem que em troca da realização de alguns desejos cai em uma armadilha preparada pelo coisa-ruim que deseja levar sua alma para o inferno. Neste pacto maldito, a satisfação anda de mãos dadas com a infelicidade e quanto mais vontades atendidas mais enrolado fica o inocente pedinte, mas no caso da comédia Endiabrado quanto mais o protagonista tem suas vontades realizadas melhor para Brendan Fraser que tem a chance de interpretar vários papéis em um mesmo filme. O ator dá vida a Elliot Richards, um enfadonho e desengonçado programador de computadores que está perdidamente apaixonado por Allison (Frances O’Connor), uma colega de trabalho. O problema é que a moça não lhe dá menor atenção, aliás, para a maioria das pessoas ele é insignificante, não passa de um perdedor. Certa noite, após mais uma frustrada tentativa de conquistar aquela que julga ser a mulher de sua vida, Elliot encontra com o capeta em carne e osso, mas jamais esperava que tal visão fosse tão maravilhosa. O diabo se apresenta aproveitando-se das curvas do corpo e da beleza de uma mulher incrivelmente sedutora, um papel perfeito para a atriz Elisabeth Hurley exercitar seu pouco talento para a interpretação. Quando uma mulher desse tipo daria atenção a um fracassado? Só mesmo na base do toma lá dá cá. 

A diabinha decide ajudá-lo lhe ofertando sete desejos que podem melhorar sua aparência e seu estilo de vida, assim finalmente tornando-se um sujeito atraente e com chances de conquistar a garota dos seus sonhos. Não seria mais fácil fazer de uma vez a mágica do cupido? Sim seria, mas no caso o diabo estaria sendo muito bonzinho e perdendo a chance de literalmente infernizar a vida de um inocente. O acordo deixa claro que caso aceite a proposta a alma de Richards automaticamente viria a ser propriedade das forças do Mal, mas na hora da empolgação o bobalhão não percebe que mesmo que alcance seu objetivo estaria condenado a ser escravizado no inferno e não poderia viver plenamente o amor. Realmente de boas intenções o andar de baixo está cheio. Inspirado em O Diabo é Meu Sócio, do diretor Stanley Donen datado de 1967, o texto original sofreu diversas alterações para ficar mais atraente para as novas gerações. A adaptação do roteiro feita por Peter Tolan, Larry Gelbart e Harold Ramis, este também assinando a direção, traz como principal diferença uma mulher no papel do diabo. Embora a beleza de Hurley provavelmente tenha servido como artifício para conseguir o papel, a ex-modelo até que engana bem fazendo caras e bocas debochadas e seus modelitos colantes e decotados devem encher os olhos do público masculino. Desculpe o trocadilho, mas realmente ela está do jeito que o diabo gosta. 


Uma boa sacada do enredo é não mostrar o ser maligno de forma repugnante, mas sim apresentá-lo como uma criatura fanfarrona que está mais preocupada em se divertir às custas das desconstruções dos sonhos dos outros. Todo aquele papo de virar um homem desejável é tudo cascata e a diabinha não vai cumprir sua parte no acordo e o humor se sustenta através dos tropeços do ingênuo protagonista que tem a chance de experimentar diversas personalidades e estilos de vida a fim de descobrir qual o perfil ideal para agradar a insossa Allison que, diga-se de passagem, não merece tanta dedicação de seu pretendente. Fraser, escancaradamente se divertindo a cada nova troca de figurino, vive então um traficante colombiano, um sujeito metido a intelectual, um romântico inveterado, um famoso jogador de basquete e até experimenta ser presidente por algumas horas. Todas estas caracterizações são deliciosamente exageradas e deixam em evidência os esforços da equipe de maquiagem e figurinos. Cada alteração de perfil demanda também uma ambientação própria e essas mudanças de ares ajudam a imprimir um ritmo ágil à narrativa que oferece um leque farto de possibilidades a serem trabalhadas. Como esquetes de humor que poderiam ser apreciados separadamente, há quem possa reclamar do estilo, mas o modelo se encaixa bem à proposta mesmo com a impressão de que os primeiros desejos realizados proporcionem uma diversão mais intensa e sejam melhores desenvolvidos em comparação com aqueles que antecedem a conclusão. Todavia, Ramis, diretor do nostálgico Feitiço do Tempo, não deixa a peteca cair, apenas acelera o ritmo o que causa o desequilíbrio entre a duração dos esquetes.

Na época já considerado um chamariz de público após o estrondoso sucesso da aventura A Múmia, a fama de Fraser não ajudou a dar visibilidade a esta comédia aparentemente descartável, mas que garante algumas boas risadas graças ao carisma do protagonista que realmente é a alma do negócio. Ele é grandalhão, com naturalidade tira sarros de arquétipos masculinos e tem um rosto maleável para fazer caretas ou sofrer transformações. O personagem poderia até ter sido feito por Jim Carrey, por exemplo, mas para que apostar no óbvio? É certo que Fraser já tinha mostrado sua veia cômica em George – O Rei da Floresta, mas um projeto tão versátil como este é uma benção para qualquer ator em ascensão. Até Hurley dá um jeitinho de participar dos desejos interpretando algum personagem, mas sempre com o objetivo de frustrar os planos de seu contratante. Por exemplo, Richards pede para ser rico e poderoso e a interpretação do desejo o transforma em um traficante que mora em um paraíso tropical. Faz sentido, mas não é lá muito romântico. Que tal então tentar ser o tipo sensível, aquele que chora ao ver o pôr-do-sol e que adora compor canções em homenagem a golfinhos? Se deseja bancar o inteligente, que tal assumir o perfil de um escritor, mas... Bem, é preciso ver o filme para gargalhar. Quanto mais o protagonista se ferra mais o espectador se diverte assim como o coisa-ruim que tal qual o Gênio de Aladdin tem o poder de aparecer e desaparecer em um estalar de dedos e ter a aparência que quiser. 


Lançado no final do ano 2000, a comédia tinha tudo para ser um sucesso, principalmente pelo fato de descarregar o ambiente. Na época o mundo vivia o medo de que a virada de século pudesse despertar forças malignas e Hollywood apostou pesado em várias produções cujo tema principal eram anticristos, bruxas e companhia bela. Até O Exorcista ganhou um relançamento bombado. Endiabrado não acrescenta nada de novo ao seu gênero, apenas recicla fórmulas consagradas e requentadas, mas o fato de ir contra a corrente seria um grande diferencial. O conjunto todo é divertidíssimo, porém, o final enfraquece a produção. Abandona-se o estilo anárquico adotado até então para abrir espaço para uma inevitável lição de moral. Alguém duvidaria que após experimentar tantas personalidades diferentes o protagonista não iria cair na real e perceber que nada melhor que ser ele mesmo?  De qualquer forma, a mensagem é atemporal e necessária até hoje. É preciso que cada um respeite e ame a sai mesmo primeiramente para depois cobrar sentimentos positivos dos outros. Surpresa mesmo seria se o mocinho bondoso abandonasse sua paixão platônica e assumisse um caso com a diabinha, literalmente uma paixão infernal.

Comédia - 93 min - 2000

ENDIABRADO - Deixe sua opinião ou expectativa sobre o filme
1 – 2 Ruim, uma perda de tempo
3 – 4 Regular, serve para passar o tempo
5 – 6 Bom, cumpre o que promete
7 – 8 Ótimo, tem mais pontos positivos que negativos
9 – 10 Excelente, praticamente perfeito do início ao fim
Votar
resultado parcial...

Um comentário:

marcosp disse...

kkkkkk, Endiabrado é comédia de humor negro muito 10, merece ser assistido, deixe sua mente leve e cai nas brincadeiras maldosas da bela mulher...