Nota 8 Obra trabalha com a sugestão e a ambiguidade para discutir comportamentos e crenças
A maternidade é algo aguardado e festejado por muitas mulheres, mas tal dádiva incita com frequência a imaginação de alguns diretores e roteiristas a abordá-la por um viés soturno. O terror espanhol Tin e Tina não trabalha especificamente com a gestação, mas é esse o ponto de partida da história do casal Lola (Milena Smit) e Adolfo (Jaime Lorente). Estamos no ano de 1981 e eles se preparam para o aguardado casamento. Ela já está grávida, mas nada de união forçada. Ambos estão felizes e fazendo planos para o futuro, contudo, seus sonhos são destruídos repentinamente com um aborto espontâneo e a triste de notícia de que a jovem não poderá mais gerar filhos. Meses se passam e o casal não consegue superar a perda até que Adolfo sugere que adotem uma criança, assim eles vão a um convento onde Lola se encanta por um casal de irmãos gêmeos. Porém, uma vez instalados na casa e começando a convivência em família, Tin (Carlos González Morollón) e Tina (Anastasia Russo) começam a demonstrar uma fervorosa devoção católica para justificar toda e qualquer atitude suas e dos pais adotivos e, o que inicialmente poderia ser apenas consequências de uma educação rígida que receberam das madres, aos poucos vai se tornando o pior pesadelo do casal.
O diretor e roteirista Rubin Stein expande a trama e o universo que criou anos antes para um curta-metragem homônimo, explorando o lado sombrio da doutrinação religiosa levantando questões a respeito de crenças, milagres e o papel da mulher dentro de um núcleo familiar. O cineasta utiliza com sabedoria influências de filmes de terror como A Órfã e até de clássicos como A Profecia, porém, adiciona uma abordagem original por meio de diálogos sobre religião e sexismo. Embora algumas das atitudes de Adolfo possam ser irritantes e legitimamente condenáveis, colocando a esposa sempre em posição de submissão, elas servem como uma crítica aos comportamentos ultrapassados dos homens que infelizmente parecem ter regredido comportalmente nos últimos anos em todas as partes do mundo. De forma quase misógina, a mulher é retratada no longa como alguém que deve incondicionalmente cuidar da casa, dos filhos e do marido, inclusive atendendo aos anseios sexuais do companheiro quando ele assim desejar. E é assim que inesperadamente Lola consegue engravidar novamente. A ciência estava errada ou simplesmente houve um milagre? Os pais preferem acreditar na primeira opção, mas são induzidos a repensar sobre isto.
Além de exigir preces antes das refeições e adornar a casa com crucifixos para proteger contra espíritos ruins, os gêmeos falam incessantemente sobre a presença divina e a existência de milagres e, para tanto, eles usam um truque sórdido. Lola um dia se desespera ao ver Tina sufocando o irmão com um saco plástico, mas ao ser solto Tin parece satisfeito com a experiência alegando ter visto Deus e pedido um milagre. Esse é apenas o primeiro sinal de que a fé exagerada das crianças estava as afetando psicologicamente. Seguem-se então as penitências, como andar ajoelhado sobre cacos de vidros, afinal fizeram algo que seus pais não gostaram e precisavam ser castigados para aprenderem. Eles próprios se aplicam punição, assim como de forma inocente dão uma alta dose de sonífero para o cachorro da família por conta dele ter machucado Lola. Inocência mesmo? Ficamos com a pulga atrás da orelha já que o cão latia nervosamente para os gêmeos, como se pressentisse algo estranho neles, e acabou recebendo um castigo fatal justificado como um ato para purificar sua alma. Stein mantém um nível de ambiguidade e tensão ao não revelar todas as informações ao público, confiando na capacidade do espectador de interpretar os eventos.
Neste contexto, destacam-se as atuações das crianças que hipnotizam com uma inebriante mescla de inocência infantil e perversidade enrustida. Os diálogos que travam com os pais evidenciam tais características alternando perguntas tolas e curiosas com argumentações coerentes e plausíveis a respeito de comportamentos, mas em meio a isso existem também os incidentes que parecem planejados para testar a tolerância e a fé dos tutores, como as suspeitas dos gêmeos estarem envolvidos com a morte de um colega de escola que fazia chacota por serem albinos. O ápice da morbidez é quando os irmãos começam a falar coisas a respeito do irmãozinho não chegar a nascer e ser sacrificado para salvar outra alma. A essa altura, Lola já esta saturada com o apego das crianças ao cristianismo, algo que desde o início da adoção repudiava visto que perdeu a crença em Deus após o aborto. E mesmo com tantas evidências de que há algo de errado com os gêmeos, ainda assim tudo é desmentido pela irmã Assunção (Teresa Raba), uma das madre do convento, e também por Adolfo que justifica que elas ainda não tem pleno discernimento quanto ao que é certo e o que é errado. Fica no ar que de inocente nessa história só tem mesmo Lola que não tem noção do problema que arranjou.
Todos os indícios levam a crer que as crianças são de má índole e encontraram na religião o álibi perfeito para praticarem atos violentos, todavia, não vemos tais situações claramente, ficando a maldade diluída entre os diálogos como se fossem a preparação para um grande ato final de tortura ou sacrifício. Como todo bom terror psicológico, Tin e Tina trabalha sobre a ótica do sugestionamento, preferindo dispor de pistas para criar um clima de tensão crescente e o espectador fica impotente diante do sofrimento de Lola que parece ter caído em uma armadilha. O desenrolar da trama pode até ter alguns pontos pouco convincentes, mas a forma como é construída tem elementos e cenas tão impactantes que acaba ficando no nosso imaginário, inclusive a imagem das crianças cuja característica do albinismo é pouco usada para fins de discutir preconceitos. A pele pálida, olhos claros e cabelos platinados evidenciam que são seres diferentes, seja para semearem o mal ou para fazerem o bem resgatando a fé de quem cruza os seus caminhos. Tal dúvida permanece até a última cena, ainda mais porque quando pensamos que a história vai acabar de forma previsível ela ainda nos reserva minutos eletrizantes.
Suspense - 119 min - 2023
Leia também a crítica de:
Um comentário:
Eu gostei desse filme, a história é enteressante, mais o final me desanimou um pouco achei triste, mais é um filme bom e foi indicação de uma pessoa super importante pra mim isso já valeu super a pena
Postar um comentário