Nota 8 Com muita violência e bizarrice, remake de terror cult preserva tensão e crítica política
Wes Craven foi um dos responsáveis por literalmente dar uma cara aos slashers movies quando criou a figura deformada de Freddy Krueger para A Hora do Pesadelo. Anos mais tarde reinventou o universo dos assassinos mascarados com Pânico, mas no início de sua carreira investia em um outro tipo de terror, uma vertente calcada em um crescente e angustiante clima de tensão. Lançado em 1977, Quadrilha de Sádicos faz parte de um período marcado por extrema violência mundo afora, sendo alguns dos acontecimentos mais emblemáticos a Guerra Fria e a Guerra do Vietnã. O cinema de horror então peitava a realidade investindo em carnificina explícita, incluindo a prática do canibalismo tão comum em situações em que sobreviver está acima de qualquer lição de ética ou moral. Era a ficção tentando chocar perante as atrocidades da vida real. Passados quase trinta anos, em meio ao marasmo das fitas de psicopatas e refilmagens de terror orientais, Craven teve a ideia de revisitar seu clássico cult, mas desta vez apenas como produtor. Com algumas mudanças no roteiro e rebatizado como Viagem Maldita, o remake ganhou a direção do francês Alexandre Aja, então estreando em Hollywood após a boa repercussão de Alta Tensão, fita em que toda uma família era assassinada e o criminoso seguia no encalço de duas jovens durante toda uma noite, o cartão de visitas perfeito para assumir o comando de um enredo com foco na barbárie.
Os créditos iniciais, contrastando uma trilha sonora agradável com imagens impactantes de bombas explodindo e anomalias humanas, já dá o tom do que está por vir. Escrita pelo próprio diretor em parceria com Grégory Levasseur, a trama nos apresenta à família Carter que planejava uma viagem para comemorar o aniversário de casamento dos patriarcas, Ethel (Kathleen Quinlan) e Bob (Ted Levine). A ideia era atravessar com um trailer o deserto do Novo México até chegar a Califórnia, mas o sonho acaba se tornando um aterrorizante pesadelo real. Uma inocente parada em um posto de gasolina muda drasticamente os rumos da viagem. Ao aceitarem a indicação do frentista para um atalho o grupo acaba caindo em uma armadilha e são obrigado a estacionar em uma região isolada onde não há possibilidades de comunicação por celular ou rádio e aparentemente sem sinal de um ser humano sequer. Bem, pessoas comuns realmente não existem por lá. Os poucos habitantes do local são descendentes de uma tribo de mutantes sobreviventes de testes nucleares realizados pelos EUA durante a década de 1940 até início dos anos de 1960. Eles são seres deformados fisicamente, afetados no psicológico e praticamente só grunhem como animais, porém, são dotados de inteligência e destreza suficientes para emboscar suas vítimas.
No filme original a ambientação desértica por si só já era bastante perturbadora e sua refilmagem ganha pontos ao exibir vários dos momentos violentos à luz do dia e ainda assim preservando a sensação de que os mutantes estão sempre a espreita e que os ataques podem acontecer quando menos se espera. Ao contrário de Aja que investiu pesado em efeitos visuais e na caracterização dos canibais, Craven teve uma preocupação maior em agregar um aspecto de realidade à sua obra, algo mais sufocante seguindo a mesma toada de outro clássico da época, O Massacre da Serra Elétrica. Seu filme então foi mais um a engrossar a uma extensa lista de títulos que tornaram-se uma incômoda alegoria sobre o estado das coisas. Por outro lado, seu pupilo adotou uma postura mais política e crítica quanto ao argumento no remake. O francês não se acanha e conclui que o governo norte-americano é de fato responsável pelo surgimento dos seres mutantes. Vítimas dos efeitos nocivos da radiação que os levaram a viver isolados, a metamorfose desses indivíduos se acentua de geração em geração e acabou por formar uma pequena sociedade de insanos e revoltados cuja única alternativa de sobrevivência é a caça, seja de animais ou de carne humana.
Além do conteúdo crítico em relação ao imperialismo bélico dos EUA, Aja também cutuca as bases da classe média ianque através da família Carter. Adorador de armas e adepto do fazer justiça com as próprias mãos, Bob é o típico patriarca metido a valente e por vezes ríspido, postura que já influencia o comportamento de seu filho caçula, Bobby (Dan Byrd). Seguindo os passos do pai, o garoto já mostra-se simpatizante do conceito radical republicano, a deixa para os dois manterem um relacionamento pouco amistoso com o pacífico Doug Bukowski (Aaron Stanford), o marido da primogênita do clã, Lynn (Vinessa Shaw). Existe esta tensão entre os personagens por parte de seus ideais políticos, mas nada que seja aprofundado. Fica mais evidente aquele ciúmes natural de pai e irmão quanto ao agregado ao grupo, mas visto que o casal já tem até um bebê tal diferença já deveria estar superada. Aliás, a criança é usada pelo enredo de forma maniqueísta para prender a atenção do espectador até o fim. Ela é sequestrada no primeiro ataque que a família sofre, isso já na metade do longa praticamente, uma sequência longa e bastante tensa, incluindo tentativas de estupro às mulheres do clã que ainda conta com Brenda (Emilie de Ravin), a filha adolescente de Bob e talvez a personagem mais pobre em termos dramáticos. Seu único conflito é típico da idade, a rebeldia por ter que se afastar dos amigos para a tal viagem.
Antes dos mututantes de fato atacarem em uma bem bolada emboscada em várias frentes, um bom tempo é gasto para apresentar os Carter e o único mutante a aparecer com certo destaque é Ruby (Laura Ortiz), que chama a atenção em meio aos tons amarelados da paisagem desértica trajando um casaco vermelho com capuz, referência direta a menina que assombrava um casal em Inverno de Sangue em Veneza, outro clássico setentista. Viagem Maldita felizmente honra a memória do filme original mantendo o mesmo nível de tensão intensificado pela inserção de cenas nauseantes e sem firulas para atender a demanda dos novos tempos. Toda violência ausente no início é compensada nos minutos finais com muita mutilação e bizarrice e o espectador segue envolvido em uma curiosidade mórbida para saber até onde vai a coragem de Aja... Bom saber, ela vai longe.
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