Nota 5 Sustentada por farsa tosca e que abusa do nonsense, comédia é sucesso de popularidade
Quando vai ao ar mais uma vez A Lagoa Azul ou Ghost - Do Outro Lado da Vida na "Sessão da Tarde" são inevitáveis as piadinhas quanto ao prazo de validade dos filmes (há controvérsias quanto a isso) e sobre a falta de bons programas para rechear a TV aberta. A lista de repetecos da clássica faixa de filmes da Globo é gigantesca, porém, o que é oferecido pelos canais pagos também não fica muito atrás. Reprises de fitas populares como De Repente 30, Gente Grande e Como Se Fosse a Primeira Vez batem cartão com frequência em variados canais semanalmente, mas o caso da comédia besteirol As Branquelas é digno de uma análise mais profunda sobre números de audiência, perfil dos espectadores ou simplesmente para constatar a falta de conteúdo dos canais por assinatura. Praticamente todos os dias o longa é exibido em algum canal, isso quando também não é exibido duas vezes diárias ou até mesmo simultaneamente. Qual o segredo para tanta popularidade? Aparentemente nenhum, apenas mais um certeiro golpe de sorte dos irmãos Marlon e Shawn Wayans que já tinham tirado a sorte grande com o deboche Todo Mundo em Pânico. Eles dão vida respectivamente a Marcus e Kevin Copeland, agentes do FBI que estão com o emprego por um fio após fracassarem feio em sua última missão.
Dispostos a mostrar serviço para recuperarem prestígio, os irmãos embarcam por conta própria em uma secretíssima operação. Eles descobrem que as milionárias irmãs Wilson, Brittany (Maitland Ward) e Tiffany (Anne Dudek), duas patricinhas loucas por fama e diversão, estão na mira de sequestradores. Contudo, o caso é entregue aos agentes Vincent Gomez (Eddie Velez) e Jack Harper (Lochlyn Munro), uma dupla tão atrapalhada quanto os outros dois detetives que acabaram incumbidos da simplória e ingrata tarefa de escoltarem as jovens socialites durante um fim de semana em Hamptons, um vilarejo de luxo de Nova York. Elas vieram especialmente para participarem de um badalado evento em que sonham ser o centro das atenções e estamparem a capa de uma famosa revista. De fato elas vão roubar a cena, ou melhor, suas substitutas farão isso. Graças as trapalhadas dos Copeland, as garotas sofrem um pequeno acidente de carro no qual uma acaba com um pequeno arranhão no nariz e a outra tem um cortezinho no lábio, o bastante para entrarem em desespero e decidirem se isolar no quarto de um hotel. Mesmo enclausuradas, as dondocas ainda corriam risco de serem vítimas de sequestro, assim os Copeland têm a brilhante ideia de fingirem serem elas para atrair os criminosos para uma armadilha.
Graças a uma forçada produção literalmente dos pés a cabeça, os negrões da altura de jogadores de basquete se transformam em duas criaturas albinas que não enganam nem criancinhas. Mais parecidos com travestis e passando longe da imagem de gostosinhas de vinte e poucos anos, somos induzidos a acreditar que os boçais personagens que cruzam o caminho dos protagonistas nem desconfiam da farsa. Se num primeiro momento a dupla precisa de um batalhão de pessoas para a transformação em mulheres, como explicar que pouco depois eles já estão habituados a tirar e vestir os disfarces sozinhos e na maior facilidade? E quanto a maquiagem da pele sem qualquer imperfeição? Tudo bem, esta é uma comédia assumidamente nonsense e talvez justamente os deslizes narrativos e de produção é que justifiquem seu sucesso. Se já não fosse o bastante andarem por aí travestidos de mulheres, os agentes ainda vão bater de frente com as arquiinimigas das Wilson, as também irmãs Heather (Jaime King) e Megan Vandergeld (Brittany Daniel), ambas invejosas e ardilosas e que vão armar mil e uma para se destacarem neste louco fim de semana. E é claro que há também um grupinho de melhores amigas para as branquelinhas. Karen (Busy Phillips), Lisa (Jennifer Carpenter) e Tori (Jessica Cauffiel) adicionam certo humor com algumas gags, mas também se envolvem em certas piadas mais apimentadas dispensáveis, tanto que tais partes raramente são exibidas em suas reprises na TV. A maioria das cenas realmente divertidas provocam risos de tão toscas que são e parecem terem sido criadas de última hora no próprio set de filmagens. Até o clímax segue essa vibe usando e abusando de deslizes e tropeços. Literalmente!
A ideia desta brilhante produção é dos próprios protagonistas em parceria com outro de seus irmãos, Keenen Ivory Wayans, este que também assina a direção e não poupa os brothers de pagarem um mico atrás do outro. A grande piada do filme talvez seja o fato do "complexo" argumento ainda ter exigido a participação de Andrew McElfresh, Michael Anthony Snowden e Xavier Cook para ser desenvolvido. Muitas cabeças para criar algo tão tolo, não? Na época já sentindo a decadência da citada franquia Todo Mundo em Pânico, algo inevitável com o esgotamento da fórmula de tirar sarro de filmes de terror e certa perda de foco, os Wayans buscavam com As Branquelas iniciar uma nova série, desta vez aloprando em cima dos filmes policiais sobre duplas dinâmicas e das comédias adolescentes sobre patricinhas cujas maiores preocupações giram em torno de popularidade e futilidades. Apesar de inúmeros boatos, uma continuação estranhamente nunca saiu do papel, afinal justificativas financeiras existem. O filme foi uma das maiores bilheterias do gênero em 2004, bombou nas videolocadoras e praticamente sustenta a programação dos canais pagos. A popularidade do filme é incontestável, uma triste e ao mesmo tempo irônica realidade. A que ponto de imbecilidade chegamos, muitos podem contestar, mas como é bom poder rir de bobagens e loucuras para aliviar o estresse!
A premissa da troca de perfis, ainda que um tanto batida, vez ou outra ainda gera algo divertido, que o diga nós brasileiros que temos Se Eu Fosse Você como exemplo. No filme em questão, o problema é que o argumento é apenas uma desculpa para uma mal amarrada colcha de piadas repetitivas, ingênuas e algumas de mau gosto. Quando começaram a brincar de tocar o terror com piadas intertextuais envolvendo sucessos do cinema os Wayans ainda tinham certa criatividade e contavam com a muleta de não precisarem sustentar conexões com a realidade, mas ao vestirem máscaras e perucas mal ajambradas para darem uma de As Patricinhas de Beverly Hills extrapolaram o limite do nonsense. A roupa de cisne claramente inspirada no figurino usado certa vez pela cantora Björk em uma festa do Oscar é literalmente o canto do cisne da produção. Quando adentram numa passarela na reta final usando este e outros trajes bizarros, uma malha segunda pele grita na tela e é impossível não se lembrar dos Trapalhões quando parodiavam mulheres. A farsa ridícula que o filme tenta sustentar chega a insultar à inteligência do espectador? Se você pensa assim, de fato esta produção não foi feita para você. Desligue a bom senso, acione o botão de dane-se e se entregue a farra das louras postiças.
Comédia - 109 min - 2004
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