domingo, 27 de junho de 2021

GASPARZINHO, O FANTASMINHA CAMARADA


Nota 8 Mesclando comédia, aventura e drama, longa mantém ingenuidade e carisma do protagonista


Quem não se lembra com carinho do fantasminha incompreendido cujo maior sonho era simplesmente ter um amigo? Em meados da década de 1940, o carismático Gasparzinho foi criado por Joe Oriolo e Seymour Reit para protagonizar aventuras em quadrinhos e livros infantis, mas é provável que poucos acreditassem que os traços simplórios e suas histórias ingênuas e moralistas sobrevivessem por muito tempo. No entanto, logo seu rosto estava sendo estampado em outros produtos, sendo seus curtas animados os mais representativos, reprisados à exaustão na televisão e ganhando sobrevida em mídia doméstica. Contudo, a falta de um núcleo dramático consistente em suas histórias provavelmente inviabilizou por muitos anos a confecção de um longa-metragem. Demorou, mas aconteceu. Trabalhando melhor o triste passado do protagonista, Gasparzinho, o Fantasminha Camarada chegou aos cinemas com a chancela de Steven Spielberg, fã incondicional do personagem e que não mediu esforços e investimentos para levá-lo as telonas dignamente. Mesmo assinando apenas como produtor, seu nome atrelado ao projeto certamente ajudou a viabilizá-lo.

A trama, escrita por Sherri Stoner e Deanna Oliver, começa com a interesseira Carrigan Crittenden (Cathy Moriarthy) descobrindo que herdou de um parente rico apenas um casarão antigo caindo aos pedaços, porém, correm boatos que o local pode esconder uma verdadeira mina de ouro. O problema é que a casa é habitada por fantasmas que afugentam qualquer um que se atreva a entrar lá. Para solucionar o caso, a herdeira contrata os serviços do doutor James Harvey (Bill Pullman), uma espécie de terapeuta que auxilia as almas desencarnadas a aceitarem que não fazem mais parte do mundo dos vivos. Só que tem um detalhe: tal contratação teve uma ajudinha literalmente de outro mundo. O próprio Gasparzinho ao saber da fama do doutor é quem mexe os pauzinhos para atraí-lo. O especialista vai passar alguns dias na tal casa e leva consigo a filha Kathleen (Christina Ricci), ou simplesmente Kat, uma adolescente solitária que não suporta mais ter que se mudar de cidade constantemente em razão dos trabalhos do pai, o que sempre lhe acarreta problemas de adaptação no colégio e com a vizinhança. Quando conhece Gasparzinho seu primeiro instinto é tentar se livrar dele, mas não demora muito para que se identifique com a triste história de vida do fantasminha órfão que acabou sendo obrigado a viver com três tios um tanto perversos, os verdadeiros responsáveis por espantar os visitantes do casarão. 


Kat também perdeu sua mãe muito cedo e é tão solitária quanto seu novo amigo, mesmo tendo relativamente um bom relacionamento com o seu avoado e retraído pai, um homem frustrado por nunca ter conseguido fazer contato com o espírito de sua falecida esposa. A garota e o fantasminha então se unem para impedir que Carrigan destrua a casa e coloque as mãos no tal tesouro, na verdade um elixir capaz de devolver a vida a um desencarnado. Apesar do enredo ingênuo e previsível, o filme surpreende com uma excelente cenografia, clima lúdico e efeitos especiais deslumbrantes e ricos em detalhes. Diga-se de passagem, boa parte da equipe atrás das câmeras também trabalhou em Jurassic Park, um excelente cartão de visitas. Usando tecnologia de ponta para criar os fantasmas de modo consistente, mas ao mesmo tempo com aspecto de algo gelatinoso e que não pudesse ser apalpado, a interação entre personagens reais e computadorizados já não era novidade alguma na época, mas a transparência dos espectros é de uma delicadeza absurda, isso sem falar na maleabilidade e desenvolturas deles, certamente características que contribuíram para o sucesso da fita. Responsáveis por adicionar humor ao argumento um tanto melancólico, as aparições dos tios do protagonista, batizados com os sugestivos nomes de Gordo, Espicha e Caatinga, deixam claro que o projeto não teria como ter sido feito décadas antes sem o apoio de técnicas de computação avançadas.

Carismático e inocente, obviamente Gasparzinho é o grande chamariz, também surgindo em perfeitas interações com elementos físicos do cenário e atores reais, contudo, sua criação em termos de personalidade evidencia um ponto fraco. É um personagem unilateral e apenas insiste em ser amigável para tentar arranjar alguma companhia como se ainda fosse um menino de carne e osso, embora tenha consciência de sua condição. Seu chamado assunto inacabado (jargão utilizado pelos espíritas quando alguém morre de maneira inesperada deixando em aberto sonhos e vontades) é somente isso e nada mais. Até com os tios que o maltratam e se aproveitam de sua boa vontade ele faz questão de ser gentil e atencioso, deixando latente seu conformismo em passar a eternidade na base da submissão. E assim várias gerações se acostumaram a ver o personagem como o retrato da solidão infantil e não a toa somente as crianças pequenas passaram a admirá-lo. O filme então garantiu uma sobrevida ao personagem ampliando seu universo. Ao ter contato com uma jovem que compartilha dos mesmos sentimentos, Gasparzinho percebe que não é o único a sofrer com rejeição e, como diz o ditado, a união faz a força, assim os dois se juntam para enfrentar seus problemas e mudarem suas rotinas e comportamentos. O problema é que o fantasminha encara a relação como algo além da amizade.

Apesar do esmero na produção, não há como negar que o ritmo é um tanto irregular e pode ser entediante para as crianças já que vários momentos pendem mais para o drama que para a comédia ou aventura. Algumas passagens da história assumem um caráter melodramático, principalmente quando Gasparzinho e Kat dividem suas tristes lembranças do passado e conversam sobre um futuro incerto. Já da metade para o final o roteiro ganha ares mais compatíveis com as famosas animações do fantasminha e a criançada pode se entreter mais. De qualquer forma, Gasparzinho, o Fantasminha Camarada continua sendo uma opção de programa familiar acima da média e conta com o bônus da nostalgia a seu favor. Gerou outros longas-metragens lançados diretamente em vídeo, mas nada que se compare ao apuro técnico e narrativo desta versão conduzida com graciosidade e emoção pelo diretor Brad Silberling que não se deixa virar refém de suas criaturas digitais e oferece boas oportunidades ao elenco. Ricci já era uma pré-adolescente, mas ainda esbanjava naturalidade em um de seus últimos trabalhos de grande repercussão, ao passo que Pullman finalmente voltava a brilhar quase como um protagonista após dezenas de participações como coadjuvante. Por fim, Moriarthy foi temporariamente salva do ostracismo com o papel de uma vilã deliciosamente exagerada fazendo uma boa dupla com o ator Eric Idle que interpreta Dibbs, seu embasbacado marido. 

Aventura - 100 min - 1995 

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Um comentário:

GustavoPeres99 disse...

Esse filme eu amo, é muito minha infância kkkkk