sexta-feira, 25 de junho de 2021

A PREMONIÇÃO (1999)


Nota 5 Mescla de suspense psicológico e policial é irregular e carregada de clichês desnecessários


Existem alguns filmes que deveriam obrigatoriamente ter comentários dos diretores cena por cena após os créditos finais para ajudar o espectador a compreender seu processo de criação. Este seria o caso de A Premonição, um thriller psicológico que se apoia em uma protagonista de peso, clima sombrio, passagens interessantes, mas também conta com várias sequências mal encaixadas ou que deixam incógnitas no ar. Partindo da premissa de que um assassino está sequestrando meninas e uma mulher consegue prever tais acontecimentos, o roteiro de Bruce Robinson trabalha bastante com temas que envolvem perturbações da mente, mas não consegue fugir dos chavões do gênero. Tudo começa quando a escritora e ilustradora de livros infantis Claire Cooper (Annette Bening) passa a ser atormentada por sonhos premonitórios que parecem ter algo a ver com uma onda de assassinatos de garotinhas e sempre existem maçãs pontuando estes delírios. Quando sua filha Rebecca (Katie Sagona) desaparece, ela descobre estar psiquicamente ligada ao possível responsável pelo sequestro. 

Após constatar a morte da menina, as perturbações de Claire chegam a um nível insuportável que obriga seu marido Paul (Aidan Quinn) a procurar auxílio médico para ela. Internada com um quadro de surtos psicológicos, nem mesmo o Dr. Silverman (Stephen Rea), um especialista no assunto, acredita nos pesadelos que a paciente relata, mas quando resolve mudar de ideia já é tarde demais. No próprio hospital, Claire descobre rastros de que Vivian Thompson (Robert Downey Jr.), o homem de seus pesadelos, já estivera internado lá e refaz o passo a passo de sua fuga na tentativa de chegar ao criminoso que a essa altura já está com uma outra garotinha em seu poder esperando completar um estranho plano. A água vem a ter um papel importante no enredo. A região onde a escritora vive fora evacuada anos antes para dar lugar a uma represa, assim no fundo existem os restos de uma cidade inundada onde se encontram os motivos dos traumas de Thompson e também é o lugar em que mãe e filha se encontram em sonhos. Baseado no romance de Bari Wood e seguindo os clichês de outras produções do tipo, a protagonista é desacreditada por todos por já ter apresentado um quadro de alucinações no passado e ter sofrido recentemente um acidente, além do baque de ter perdido sua única filha. Já o assassino é um perturbado mental que, para variar, teve problemas na infância envolvendo um relacionamento com sua mãe possessiva, o problema básico de nove em cada dez seriais killers. 


O personagem Thompson, intencionalmente ou não, é uma mistura de grandes criações amedrontadoras do cinema: tem o poder de entrar nos sonhos de Freddy Krueger, de A Hora do Pesadelo; o afogamento na infância fez parte da trajetória de Jason Vorhees, de Sexta-Feira 13; a fixação pela figura materna é característica de Norman Bates, de Psicose; e, por fim, na estranha ligação entre violência e família encontramos resquícios do que motiva Michael Myers, de Halloween. A mistura de perfis poderia ter resultado em um personagem marcante e que pouco a pouco a deixaria escapar pequenos detalhes que ajudariam o espectador a compreender o seu universo, mas não é preciso muito tempo de filme para desvendarmos a charada. Downey, na época já passando por problemas com vícios, se esforçou, mas não convence muito, embora seu personagem cresça no momento que se junta à protagonista. Benning também faz o que pode para segurar a atenção tentando dar credibilidade a algumas cenas que no conjunto final acabam destoando e mostram-se desnecessárias, como uma tentativa em vão de assustar com um rádio que liga sozinho em pleno jardim ou um ataque de fúria da perturbada mulher que joga todas as maçãs que encontra em sua casa, diga-se passagem, várias dezenas, em um triturador de pia fazendo jorrar água avermelhada por todos os lados, uma cena digna de um trash movie. Mesmo adotando um tom surreal, ha certas coisas que não dá para engolir.

Dirigido e co-roteirizado pelo irlandês Neil Jordan, dos cultuados Traídos Pelo Desejo e Entrevista Com o Vampiro, aqui o experiente e elogiado cineasta não consegue manter a cadência narrativa do início ao fim, começando muito bem a trama, escorregando lá pela metade acompanhando os delírios da protagonista, mas felizmente recuperando o fio da meada na reta final conseguindo prender a atenção. Embora a mistura de sonho e realidade resulte em uma narrativa irregular, o espectador consegue se sentir intrigado e tentado a seguir pelo mesmo caminho sinuoso pelo qual Claire transita, mesmo quando não está em terra firme. Apesar da premissa e visual interessantes que culminam em um desfecho que está longe de ser vergonhoso, A Premonição deixa a sensação amarga da insatisfação. O ponto alto que seria o encontro entre vítima e vilão não rende o embate esperado e ocupa pouco tempo de tela. Quando a faceta do criminoso é revelada a impressão é que acabou-se o envolvimento com a trama, acontece uma ruptura e o espectador é desconectado do universo alucinógeno e sufocante apresentado até então. 


Jordan bem que tentou achar o equilíbrio entre o cinema mais comercial e o alternativo ao qual tanto se dedica, mas neste caso acabou cedendo aos clichês hollywoodianos e não imprimiu sua marca. Ainda assim, nos créditos iniciais conseguiu explorar imagens de símbolos católicos, sua religião, mas elementos que ao longo da narrativa desaparecem, não contribuem para a narrativa. Assim como tantos outros diretores adeptos do cinema autoral ou produções menores, para conseguir realizar tais filmes o irlandês precisou sucumbir ao modelo comercial, coisas de negociações com as produtoras. Me dê um blockbuster lucrativo e terás um filme do jeito que sonhou. Contudo, Jordan não fez bilheteria farta com este suspense e se tornou uma figura opaca cujo nome se sustenta ainda por glórias do passado, ainda que em 1999 também tenha lançado o sofrido (no bom sentido) Fim de Caso. Equilibrou a balança.

Suspense - 99 min - 1999

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