domingo, 18 de abril de 2021

PARA SEMPRE CINDERELA


Nota 9 Clássico é repaginado com mocinha corajosa e determinada, mas ainda doce e romântica


Os contos de fadas são fontes de inspiração inesgotáveis para as mais deferentes formas de fazer arte e o cinema explora ao máximo suas possibilidades. Do romance, passando pelo drama e a comédia, chegando até a flertar com o suspense e o terror e, obviamente, servindo de inspiração para animações, as clássicas histórias infantis já sofreram diversas modificações ao longo dos anos e hoje é até difícil reconhecer quais são as versões originais. Costumamos considerar como oficiais as antigas adaptações da Disney e essa ideia é perpetuada de geração para geração, mas na realidade tais produções talvez sejam as variantes mais floreadas e distantes do primeiro tratamento dado aos contos de Branca de Neve, Pinóquio e companhia bela. No caso de "Cinderela", o romancista Charles Perrault publicou o conto pela primeira vez em 1697. Anos mais tarde, ele foi alterado sutilmente pelos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm que acabaram ficando com a fama e é justamente com a participação deles que o enredo de Para Sempre Cinderela começa a tomar forma. Da década de 2000 em diante tornou-se comum os live actions, continuações e spin offs dando sobrevida a textos clássicos, mas este filme não faz parte deste movimento, foi lançado alguns anos antes. O diretor Andy Tennant oferece uma versão mais realista do conto da gata borralheira e desde o lançamento já se apresentava como um clássico romântico censura livre e assim o passar dos anos veio a confirmar. 

A essência da trama é basicamente a mesma do conto que costumamos ouvir quando crianças, mas aqui temos o uso da metalinguagem para criar uma introdução original. Os irmãos Grimm são convocados pela própria rainha da França (interpretada pela lendária Jeanne Moreau) para irem ao palácio receberem seus elogios pessoalmente por conta de seus auspiciosos trabalhos, contudo, ela contesta que eles não foram realistas na forma como desenvolveram a história da simplória jovem que passou sua infância e juventude sendo maltratada dentro de casa, mas conseguiu dar a volta por cima e ser acolhida pela realeza. A majestade então passa a narrar o que de fato aconteceu à Danielle de Barbarac (Drew Barrymore), sua tataravó, após o casamento de seu pai depois de muitos anos de luto pela morte da mãe da jovem. Inicialmente a garota ficou radiante com a ideia de ganhar uma nova figura materna e ainda duas irmãs postiças com quem poderia se divertir e partilhar segredos, contudo, sua alegria dura pouco. Auguste (Jeroen Krabbé) veio a falecer pouco tempo depois de desposar a baronesa Rudmilla (Anjelica Houston), esta que revela-se cínica e cruel e não hesita em transformar a enteada em sua criada. Jacqueline (Melanie Lynskey), uma de suas filhas legítimas, tem bom coração e não concorda com várias atitudes da mãe, mas não tem coragem de afrontá-la. Já a outra, Marguerite (Megan Dodds), é bastante egoísta e só pensa em se casar com um nobre e a chance vem através de um convite do jovem príncipe Henry (Dougray Scott), ou melhor, de sua família que planeja um baile como pretexto para lhe arranjar uma noiva. 


A baronesa apoia incondicionalmente Marguerite, estando disposta a conspirar, mentir e tudo o mais que for necessário para vê-la ocupando o trono real. Todavia, o destino acaba colocando Danielle no caminho do rapaz que se encanta pelo seu jeito brejeiro, afinal ela não tem o comportamento enojado comum às princesas. Isso mesmo. Ao salvar o príncipe de uma emboscada, a moça envergonhada não revela sua real identidade e se apresenta como a condessa Nicole de Lancret, herdeira de uma nobre família, o que pode colocar o romance em risco a qualquer momento. Apesar das inovações e licenças poéticas, inclusive envolvendo a protagonista em um relacionamento de amizade com o visionário pintor Leonardo Da Vinci (Patrick Godfrey), aqui substituindo em partes o papel da fada madrinha que fora descartada, é óbvio que o final feliz está garantido, afinal a obra foi criada justamente para fazer o público estampar um sincero e prazeroso sorriso no rosto e não há dúvidas que o objetivo é plenamente atingido. Tennant, que assina o roteiro em parceria com Susannah Grant e Rick Parks, conseguiu o perfeito equilíbrio entre manter a magia inerente ao conto sem deixar de ser realista e ainda dialogar com a modernidade de modo sutil concentrando seus esforços na criação de perfis verossímeis e atemporais. O longa mantém o cenário da narrativa em época medieval, mas algumas mudanças consideráveis foram feitas para aumentar o interesse do público e adicionar ao enredo certo quê de modernidade.

As principais alterações foram nos perfis e conflitos dos personagens. A delicada e lacrimosa Cinderela aqui assume uma personalidade corajosa e que vai a luta, literalmente se preciso, para alcançar seus objetivos. Já seu príncipe não tem nada de encantado e parece mais preocupado em se manter protegido sob os cuidados da família real. Os dois vivem em universos completamente diferentes e também agem e encaram desafios de maneiras opostas, mas mesmo assim eles se apaixonam. Falar que se complementam seria exagero já que o nobre personagem não tem um desenvolvimento aprofundado. Na verdade, sua figura nas inúmeras adaptações do conto é bastante restrita, surge apenas como mero interesse romântico da mocinha, porém, a interpretação de Scott também não aspira grandes projeções. A vivacidade que Barrymore injeta em Danielle também ajuda a ofuscar o rapaz. Dosando bem as nuances de drama e humor, sua composição nos faz esquecer a aura de sofrimento que envolve a  gata borralheira e mesmo rolando na lama de um chiqueiro, subindo em árvores ou enfrentando um bando de ciganos, a jovem de personalidade forte não deixa de exalar doçura e simpatia. A atriz brilha e encanta toda vez que surge na tela, mas seus melhores momentos são quando divide a cena com Houston, sequências de maior peso dramático. 


Apesar de tudo que já sofrera, percebemos que Danielle tenta ao máximo conquistar uma palavra ou gesto de afeto da madrasta, esta que a certa altura até esboça algum tipo de carinho, porém, rapidamente recobra sua personalidade amargurada. A veterana Houston parece ter um dom especial para dar vida a tipos negativos e rancorosos e, com modo de falar contido e enérgico, suas falas soam imperativas e cheias de sarcasmo e sadismo. Numa atuação magistral, não é exagero dizer que este foi seu último grande trabalho, sendo que depois passou a se dedicar em pequenos papeis em filmes alternativos ou como coadjuvante de luxo em fitas água-com-açúcar. Com elementos técnicos irrepreensíveis, com destaque para os luxuosos figurinos e a fotografia que tira o melhor proveito das locações e direção de arte, Para Sempre Cinderela é uma verdadeira aula de como readaptar um clássico sem desagradar aos mais tradicionalistas, mas ao mesmo tempo conquistando novas plateias. Suas duas horas de duração passam agradavelmente aos olhos do público e jamais desejamos o soar das doze badaladas para a magia não acabar.

Romance - 120 min - 1998 

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Um comentário:

GustavoPeres99 disse...

Eu não resisto aos filmes da Cinderela, mais esse com ela morena tão diferente, a personagem tão marcante que faz a gente chorar nas cenas que sofre, que é lindo amo esse filme