terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

CIDADE DO SILÊNCIO

NOTA 8,0

Drama denuncia a exploração do
trabalho e os perigos que rondam
cidade que prefere abafar polêmicas
em nome de interesses financeiros
Embora hoje muitos tenham acesso a tecnologia de ponta, o que indicaria bons níveis econômicos e culturais, e a mídia venda a ideia que o mundo tecnológico abrange as pessoas em níveis semelhantes em todos os países, é extremamente necessário vez ou outra pararmos para pensar que enquanto você e seus amigos se divertem com tablets, iphones e tantas outras bugigangas moderninhas ainda existem milhares de pessoas espalhadas por aí que vivem em condições precárias e nem mesmo podem ter um aparelho de TV. O pior de tudo é constatar que são justamente estas pessoas a margem da sociedade ideal que trabalham na fabricação dos bens de consumo que a elite consome. É fato que poucos hoje em dia acreditam em contos da carochinha, mas ainda assim há muitos poderosos querendo fazer fortunas jogando para debaixo do tapete as sujeiras que envolvem o mundo dos negócios e explorando a mão-de-obra de grupos menos favorecidos intelectualmente e em termos financeiros. É em torno desse jogo de interesses desprovido de direitos básicos aos seres humanos que gira a trama de Cidade do Silêncio, um providencial filme-denúncia que embora tenha tido como primeira vitrine o Festival de Berlim e seja protagonizado por Jennifer Lopez e Antonio Banderas, chegou ao Brasil diretamente para locação e não causou barulho, o que é até curioso visto que, guardadas as devidas proporções, o tema principal bate de frente com situações contraditórias e vexatórias que encontramos no nosso país, escândalos que envolvem até mesmo marcas renomadas que exploram trabalhadores brasileiros e também de outros países que tentam a sorte por aqui. O filme roteirizado e dirigido por Gregory Nava escancara alguns dos podres que existem por trás do chamado Tratado de Livre Comércio. Baseado em fatos reais, ou melhor, sintetizando em uma mesma história centenas de casos semelhantes, o longa revela que o famoso acordo que permite que empresas do mundo inteiro montem fábricas na região de fronteira entre o México e os EUA não é tão próspero quanto parece ser. A cidade de Juarez tem sua economia praticamente toda baseada nos lucros obtidos de empresas fabricantes de equipamentos eletrônicos para exportação. Além da isenção de impostos, os empresários têm como chamariz o fato da mão-de-obra- ser muito barata, basicamente composta por mulheres latinas, muitas delas adolescentes que chegam a deixar suas famílias em outros países para conseguirem um emprego que lhes ofereça algum tipo de estabilidade financeira.

As mulheres que aceitam atuar na produção das fábricas são remuneradas com baixos salários e trabalham quase que em regime de escravidão, sujeitando-se a longas e abusivas jornadas de trabalho diárias por não terem outra opção ou até mesmo por ingenuidade, porém, os piores momentos de suas rotinas se encontram fora das empresas, principalmente a noite quando precisam aguardar para embarcar nas lotações que deveriam levá-las para suas casas, mas as vezes o trajeto se resume a uma viagem sem volta. Sim, há várias décadas estão sendo colhidos relatos e denúncias sobre mulheres desparecidas, outras brutalmente estupradas e mortes na cidade mexicana, problema que já foi abordado em outros filmes como A Virgem de Juarez que, embora ligeiro, não só relaciona as mortes ao falso progresso da região como também coloca mais lenha na fogueira aliando o problema ao tráfico de drogas e o culto exagerado à religião. No caso do longa de Nava, a opção para retratar esta denúncia social foi acompanhar uma garota em específico, Eva (Maya Zapata). Como boa parte do público que se diz “antenado” provavelmente já ouviu falar sobre os problemas que ocorrem na fronteira entre o solo mexicano e o americano, o diretor não faz rodeios e parte logo para o que interessa nos posicionando a respeito da vida da jovem de 16 anos. Recém-saída de seu turno, ela primeiro pechincha uma boneca na feira para presentear a irmã, revelando que seu poder aquisitivo não é alto, mas seu carinho pela família é grande, excluindo assim qualquer saliência da personagem que poderia justificar a abordagem por um homem. Depois ela segue para pegar o ônibus como tantas outras colegas, mas quando se dá conta está sozinha na condução e não reconhece o caminho que o motorista está fazendo, este que logo deixa a direção para se aproveitar da garota com a ajuda de outro criminoso. Seus agressores pensam que ela está morta e a enterram em uma região descampada, porém, ela esta viva e consegue escapar. Agora ela é a prova viva dos crimes que são encobertos pelos interesses das grandes corporações e também é a matéria que a jornalista Lauren Adrian (Lopez) tanto aguardava. Quando soube das condições desumanas em que as mulheres trabalham em Juarez, George Morgan (Martin Sheen), editor-chefe de um famoso jornal de Chicago, decide enviar a repórter para a fronteira para fazer uma matéria especial. A moça vai a contragosto, mas caso faça um bom trabalho poderia ter a chance de ser correspondente estrangeira no periódico. Ao chegar a seu destino, ela se empolga ao saber mais detalhes sobre os casos de exploração e mortes com um ex-colega, Alfonso Diaz (Banderas), que agora é editor de um jornal local e discorda veementemente das versões dadas como oficiais sobre os atos de violência, simplesmente definidos como casos isolados e sem o menor traço de ligação uns com os outros. Violência doméstica, uso de álcool e drogas e mulheres descuidadas na hora e lugar errado são as desculpas mais comuns.

Quando Lauren conhece o caso de Eva decide que a garota será a personagem principal da sua matéria e decide ajudá-la a se esconder até que chegue o dia em que ela vá depor no tribunal e finalmente a matéria possa ser publicada. A decisão da jornalista tem um fundo emocional. Seus próprios pais foram vítimas de exploração no trabalho e brutalmente mortos, o que causa uma identificação imediata com o caso da mexicana, ainda que seus ideais de vida revelem o abismo que existe entre elas. Por exemplo, além da questão financeira, Eva deseja formar uma grande família como sua mãe e se contentaria em ter um emprego que lhe desse o mínimo de dinheiro e proteção e não compreende como Lauren prefere abrir mão da maternidade para investir na carreira. O interessante deste longa é verificar a validade do ditado que diz que onde há fumaça há fogo, no caso, um incêndio gigantesco e com diversos focos. Conforme Lauren e Diaz investigam o caso de Eva, muitos outros episódios semelhantes vão sendo levantados e entra em jogo a idoneidade da polícia, o envolvimento do tráfico de drogas e de órgãos humanos, a exploração sexual e sobra até para os governos mexicano e americano que poderiam (alguém duvida?) colaborar para que os crimes fossem abafados para não atrapalhar as negociações para manter e atrair multinacionais na fronteira entre os países, tanto que o número de mulheres desaparecidas na versão oficial é drasticamente reduzido, embora mesmo nessas condições a soma já seja assustadora. É revoltante também observar na reta final como o campo jornalístico também não preza pela verdade e tampouco tem consideração pelos seres humanos, interessando muito mais um contrato milionário de publicidade, mesmo que proveniente de investidores com ficha declaradamente suja. Compilando em pouco menos de duas horas uma importante e impactante seleção de denúncias, talvez o único defeito do longa seja a personagem Teresa (Sônia Braga), uma mulher que abriga Eva durante os dias que antecedem sua denúncia perante o juiz. Não fica bem claro se ela tem um abrigo próprio para mulheres sob ameaças e existe certa ambiguidade em seu perfil que por vezes nos deixa com a pulga atrás da orelha se ela trairia a confiança de Lauren, um bom gancho que foi desperdiçado.  Cidade do Silêncio pode passar a falsa impressão de que é um veículo premeditado para solidificar a imagem de Jennifer Lopez como atriz dramática, ainda mais porque o diretor é o mesmo que lhe deu o papel-título de Selena, cinebiografia trágica de uma cantora americana pouco conhecida no Brasil, mas não se engane. A pop star se sai bem e não consegue se sobressair ao conteúdo da obra, tanto que por seu empenho (ela também é produtora) recebeu o prêmio “Artistas pela Anistia”, honra dada a personalidades engajadas em questões sociais. Aliás, como já dito, mesmo com seu nome envolvido o filme não conquistou público e mesmo antes das filmagens serem iniciadas a produção sofreu com a indiferença e o repúdio de muitos, obrigando a equipe a trabalhar sob proteção de segurança reforçada devido as diversas ameaças e nem mesmo a cidade Juarez pôde ser usada como cenário. Ainda alguém tem coragem de colocar panos quentes nestas situações? Sim, infelizmente, mas o filme está aí para revelar um pouco de todo esse caos, ainda que revele um pouco de receio em sangrar totalmente as feridas.

Drama - 112 min - 2006

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