Nota 6 Ironias e críticas são destiladas enquanto uma série de mal entendidos é desenvolvida
Existem filmes que acabam só chegando ao público com um empurrãozinho de algum fator que conspire a seu favor, mas as vezes nem com essa forcinha as coisas dão certo como é o caso do drama de época Falsária que provavelmente só chegou até nós, mesmo que discretamente, em meados de 2005 graças a meteórica ascensão da carreira de Scarlett Johansson. Na época a moça já cultivava a fama de aceitar papéis, digamos, pouco católicos, por isso deve surpreender a muitos quando se descobre que a tal mau caráter do título na verdade é interpretada por Helen Hunt. Ela dá vida a Sra. Stella Erlynne, uma mulher elegante e refinada, mas que não está mais conseguindo andar pelas ruas de Nova York da década de 1930 sem ser apontada crítica e negativamente por alguém. Praticamente todas as pessoas da alta sociedade sabem que ela sustenta seu padrão de vida com a ajuda financeira que recebe de milionários casados que buscam aventuras fora de casa, mas o cerco parece estar fechando, assim como a carteira de seus amantes.
Após ver a foto de um jovem casal publicada em um jornal, Stella decide partir para a costa italiana, um novo reduto da aristocracia americana, porém, já faz a viagem com segundas intenções. Rapidamente ela conhece Robert Windemere (Mark Umbers) comprando um presente para sua esposa Meg (Johansson) e o ajuda. Em retribuição ele lhe oferece uma carona até o hotel em que está hospedada, mas acaba sendo visto por algumas pessoas de seu convício social que passam a tecer comentários precipitados. Não demora muito e ricaça de fachada também conhece Meg e tenta fazer o papel de amiga conselheira, mas a jovem acaba desconfiando de que ela e seu marido estão se encontrando as escondidas, ainda que Stella não esconda que está flertando com o Sr. Tuppy (Tom Wilkinson) que parece não se importar com a má fama desta mulher. As desconfianças de Meg aumentam ainda mais ao serem alimentadas pelos comentários de John Darlington (Stephen Campbell Moore), amigo de longa data de Robert e que parece não confiar na lealdade do rapaz quanto ao casamento.
Aos poucos, Darlington deixa claro que está apaixonado pela garota e vê na provocante Stella a chance de destruir um casamento para conseguir a mulher que deseja e a falsária, por sua vez, parece saber algum segredo sobre o casal Windemere que a ajudará financeiramente por meio de chantagens. Baseado no livro de Oscar Wilde "Lady Windermere’s Fan", que em 1949 já havia sido transformado no filme O Leque de Lady Windermere, o roteiro de Howard Himelstein é envolvente e tem um bom gancho de virada, a certa altura o que compreendemos até então passa a ter uma outra dinâmica graças a um segredo revelado, mas a grande diversão é ver o jogo de intrigas que envolve pessoas de renome da aristocracia que deixam a fineza de lado constantemente para fofocar ou, sem medo de repreensões ou causar mágoas, destilar veneno em frases em tom de críticas ou irônicas. Há uma vasta lista de títulos que abordam tal temática, como Ligações Perigosas e Feira das Vaidades, todas possíveis de traçar paralelos entre a elite de outrora e a da contemporaneidade. Mudam-se as roupas e cenários, mas a índole dos personagens permanecem, é um estereótipo ainda persistente.
Mostrar outro lado da nobreza através de um grupo farto de personagens é uma característica dos escritos de Wilde e um desafio para os diretores que desejam transportar seu universo literário para o cinematográfico como provam, por exemplo, as adaptações O Marido Ideal ou Armadilhas do Amor. O excessivo número de pessoas nas tramas e o linguajar rebuscado tendem a confundir ou até mesmo entediar o espectador. Todavia, o longa do diretor Mike Barker consegue um resultado bastante satisfatório talvez justamente por falar de temas um tanto atuais como traição, se dar bem à custa dos outros e a falsidade. Ver estes temas pertinentes com requintes de produção torna o programa sem dúvida mais prazeroso e o cineasta caprichou no visual de seu trabalho apostando em uma belíssima fotografia, direção de arte e figurinos de encher os olhos, além de um trabalho de iluminação solar que imprime certo positivismo a uma trama que no fundo tinha tudo para ser um verdadeiro dramalhão.
Felizmente a opção de manter o espírito crítico do texto original eleva a obra a outro patamar, mas para apreciá-la é preciso prestar atenção já que o humor refinado é oferecido nas entrelinhas e as vezes é tão sutil ou inserido com tanta naturalidade que não é raro encontrar quem diga que não viu nada de especial neste filme. Falsária é o tipo de produção que você não dá muita bola, mas que pode te surpreender a começar, como já dito, com a inversão de papéis de Hunt e Johansson. É muito bom ver uma atriz então ainda em início de carreira tentando escapar do rótulo da mulher fatal, esterótipo que a própria involuntariamente acabou ajudando a criar para si mesma mesmo com um currículo pequeno. Mais satisfatório ainda é ver uma atriz mais velha e cuja carreira estava em declínio, queda curiosamente percebida após conquistar um Oscar, interpretando um papel perfeito para sua faixa etária e que utiliza seus predicados tanto negativos quanto positivos, mesmo que em uma produção infelizmente de pouca repercussão. Uma pequena obra, mas de grande qualidade, a ser descoberta.
Drama - 93 min - 2003
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