quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

UMA FAMÍLIA BEM DIFERENTE


 Nota 6 De forma leve, obra toca em assuntos delicados e reflexivos quanto ao homossexualismo


De maneira muito natural e sensível, Uma Família Bem Diferente é uma comédia dramática que envolve o espectador abordando temas que fazem parte do cotidiano de qualquer um, independente da orientação sexual, religião ou classe social. Quem nunca sentiu medo diante de desafios ou se questionou se seguir por este ou outro caminho seria o ideal? Essas são algumas das preocupações de Eric (Tom Cavanagh), que durante toda sua juventude se dedicou ao hóquei profissional até que foi forçado a parar por conta de um acidente. Agora, já na faixa dos trinta anos, ele deixou sua carreira de jogador para se tornar comentarista de esportes na TV. Tal reconhecimento para ele é muito importante, mas por outro lado teria que continuar omitindo sua homossexualidade para evitar prejuízos na carreira. Mesmo assim, ele mantém de forma sigilosa uma relação séria com o advogado Sam (Ben Shenkman), com quem inclusive vive sob o mesmo teto, e somente Nula (Jeananne Goossen), sua  assistente de trabalho, sabe de toda verdade.

Eric tem a sorte do namorado compactuar em não assumir o compromisso publicamente, mas seu mundo perfeito entra em colapso repentinamente. Sam descobre que seu sobrinho Scot (Noah Bernett), filho de seu irmão Billy (Colin Cunningham) com uma ex-namorada que falecera recentemente, foi encaminhado para o serviço social e com pena decide ser tutor do garoto por algumas semanas.  Se cuidar de uma criança já é uma árdua tarefa para um casal gay que sempre desejou ter filhos, que dirá quando eles próprios demonstram não saber lidar muito bem com questões referentes a prórpia sexualidade e preconceitos. Scott não é um menino comum, não para os padrões impostos pela sociedade. Afeminado e com sensibilidade aflorada, ele tem gostos e hábitos peculiares, o que preocupa seus cuidadores. Hipocrisia? Intimamente, existe a preocupação de poupar Scott de traumas que provavelmente eles enfrentaram e não resolveram totalmente, visto que Eric repudia a ideia de adotá-lo por medo que isso ameace sua carreira. 


Ao tentarem fazer Scott a se identificar com coisas mais enquadradas ao universo masculino, como estimular que ele também jogue hóquei, o casal gay se prende a ilusão de que conseguirão mudar o jeito de ser do garoto. Podemos interpretar como um cuidado diferenciado para que ele não venha a sofrer o que eles já sofreram na pele como também podemos ver a situação de forma egoísta, com os pais adotivos protegendo as suas próprias imagens que construíram até então. Sam até compreende melhor Scott, mas busca sempre o equilíbrio para não entrar em atrito com o companheiro, mas por outro lado a insistência em aproximar o garoto de um universo extremamente masculinizado acaba por despertar na criança um comportamento agressivo. E é claro que o roteiro de Sean Reycraft e Mochael Downing não desperdiça o gancho do verdadeiro pai de Scott reaparecer para brigar por sua guarda. Na verdade, Billy não é seu pai de sangue e nem gostaria de ser visto que seu interesse em assumir a paternidade é de olho no dinheiro que receberia do seguro de vida da falecida.

O diretor Laurie Lynd buscou retratar o homossexualismo com respeito e veracidade, afinal há muitos casais que vivem um romance da porta de casa para dentro e quando saem fazem pose de bons amigos. São diversos os motivos para tal decisão, mas todos recaem no mesmo denominador comum, o preconceito. No caso temos um homem que esconde quem é de verdade para manter seu trabalho e por tabela levar uma vida confortável, mas será que vale a pena mesmo? Por exemplo, o que adianta ter dinheiro para viajar se não pode aproveitar plenamente o descanso ao lado de quem se ama? O longa também toca no delicado tema do bullying infantil. É quando criança que nosso caráter e personalidade são moldados e todo esse processo pode ser extremamente prejudicado por conta de brincadeiras covardes e humilhantes, sejam elas verbais ou físicas. Como Scott também não tem total compreensão em casa, fica claro que o garoto se sente na obrigação de agradar seus tutores, mas não se pode negar a essência de cada um. 


O uso do esporte como arma para reeducar a criança também pode ser vista como um reforço de estereótipo. Por que todo menino tem que necessariamente gostar de brincar com bola? Conclui-se que Uma Família Bem Diferente reforça coisas do tipo para justamente mostrar que, no final das contas, é preciso respeitar o jeito de ser do outro. Você tenta ser ou fazer algo diferente da sua natureza para se encaixar no perfil aceitável pela sociedade, mas quando não há verdade nas ações não tem jeito. Ao detectarem a forma errada como lidam com a situação de Scott, o casal gay também passa a refletir sobre suas próprias escolhas e estilo de vida. Como o menino é fervoroso adorador do Natal, nada melhor que selar a união dessa família com uma confraternização, um momento para sedimentar sentimentos, enterrar preconceitos e planejar novos sonhos em conjunto, valendo ainda a menção que Scott consegue fazer amizades verdadeiras entre crianças de sua idade que aprendem a respeitar seu jeito de ser. Esta é uma pedida leve e reflexiva, afinal quantos casais gays ainda se acanham perante a sociedade? E quantos não tem em casa crianças com sensibilidade aflorada e não sabem como lidar sem prejudicar o emocional e psicológico do menor?

Comédia - 94 min - 2007

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