quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

TINHA QUE SER ELE?


Nota 4 Com conflitos de gerações e rivalidade entre genro e sogro, comédia oferece o trivial 


O ator Ben Stiller interpretou um rapaz que passou por vários sufocos para tentar conquistar o sogrão vivido por um desconfiado e esperto Robert DeNiro na franquia Entrando Numa Fria, produções sempre tentando manter as situações cômicas no limite para poder passar pelo crivo de uma censura mais branda. Com piadas de teor sexual a vontade e investindo pesado em diálogos repletos de palavrões, Tinha Que Ser Ele? basicamente conta com o mesmo argumento, os problemas e desconfianças entre futuros parentes, mas no caso é o sogro que vai passar um dobrado nas mãos do namorado da filha. Ned Flaming (Bryan Cranston) viaja com a esposa Barb (Megan Mullally) de Michingan até a California para conhecer o genro Laird Mayhew (James Franco), um multimilionário do ramo de tecnologia e dos games cuja personalidade expansiva e sem papas na língua de imediato batem de frente com o jeitão careta do pai de Stephanie (Zoey Deutch). Desde quando viram o rapaz por acaso ao fundo numa videoconferência com a filha, diga-se de passagem, ele se despindo sem pudor algum, os pais da jovem já ficaram com um pé atrás quanto a este relacionamento, contudo, mal sabiam eles o que estava por vir. 

Convidados para passar o Natal na mansão do jovem empresário levando a tiracolo Scotty (Griffin Gluck), o caçula do clã, os Flamings se deparam com um cara completamente excêntrico que não se intimida em cumprimentar a sogra com beijinho de leve na boca, tatuou a família da namorada nas costas e até fez uma pista de boliche adornada com seus rostos antes mesmo de conhecê-los e, talvez o pior de tudo, embora muito inteligente tem seu vocabulário bastante reduzido e a cada dez palavras que emite oito são palavrões. Ned desde o início deixa claro que reprova o namoro, mas seu genro tinhoso vai fazer de tudo para agradar, até mesmo apelar para a desculpa de que o sogro não vai perder uma filha e sim ganhar um novo filho. A trama então se desenvolve apostando nos estranhamentos entre Ned e Laird  que, se já não bastasse a diferença de idade e a tradicional rixa entre sogro e genro, ainda soma-se o fato do sessentão ser o falido proprietário de uma  gráfica frente a ascensão do rapaz no campo tecnológico e também o fato de um ser conservador ao extremo ao passo que o outro é um tanto liberal e libidinoso. Como um agente secreto, o coroa então passa a procurar provas para apresentar à filha comprovando que o casamento é uma tremenda furada. Muda uma coisinha aqui e outra ali, mas no fundo você já viu essa história e, diga-se de passagem, de maneira bem mais divertida e melhor executada. E não é por acaso.


John Hamburg é também o roteirista da citada trilogia estrelada por Stiller, ou seja, qualquer semelhança entre as tramas não é mera coincidência. É dele também a direção de Quero Ficar Com Polly e Eu Te Amo, Cara, o que nos leva a crer que falar de casamento tendo como noivos homens com um pé na adolescência é a sua praia. Aqui além de assinar direção também divide os créditos do roteiro com Ian Helfer e Jonah Hill, mas parece estar com a mão um pouco pesada. O longa até que começa bem expondo rapidamente o conflito antes mesmo dos protagonistas se cruzarem, mas não tarda a se tornar enfadonho com a insistência em apresentar Laird como um excêntrico trintão que deixa seu estilo de vida exposto até mesmo na decoração da casa com um quê de erotismo, mas ainda assim preservando certa infantilidade visto que mantém em seu quintal um zoológico particular e guarda uma cabeça de alce empalhada submersa na própria urina do animal (piada desnecessária e sabemos bem qual seu intuito escatológico). Com traumas familiares mal resolvidos, ele é incapaz de demonstrar sentimentos de maneira civilizada, mas como uma inocente criança não vê maldade em se deitar na cama junto com os sogros para conversarem, por exemplo. O problema é que seus papos são egocêntricos, quer levar sempre vantagem, principalmente quanto suas peripécias sexuais, e ao mesmo tempo demonstra uma ingenuidade que em certos momentos nos fazem duvidar de seu caráter e suas reais intenções com Stephanie.

A história não surpreende em momento algum e as quase duas horas de filme se sustentam sob o arco do conflito de gerações, o futuro querendo abocanhar o passado. Se Ned sustentou esposa e filhos até pouco tempo com os rendimentos de sua gráfica, agora lhe cai a ficha da maneira mais ridícula possível que é hora de se aposentar, visto que até o papel higiênico pode estar com seus dias contados. Laird não usa papeis de espécie alguma em sua casa e inventou uma bugiganga para fazer a higiene das partes íntimas com duchas inteligentes, com direito a dispositivos especiais para oferecer outras, digamos, sensações a quem usa. Até recados dispensam celuloide nessa casa. Um tipo de secretária eletrônica de última geração se encarrega de ficar atenta dia e noite às necessidades do proprietário e seus hóspedes com o diferencial que pode interagir com os usuários. Em meio ao deslumbre tecnológico e liberal, Ned se vê sozinho na missão de salvar sua filha de uma decepção. O jovem Scotty logo que chega a mansão é seduzido pelo estilo de vida do cunhado, principalmente pela ideia de poder ganhar dinheiro navegando na internet e jogando videogame o dia todo, enquanto Barb curte a beça uma noitada regada a bebidas e até experimenta maconha, uma viagem que a leva a perceber o quanto falta emoção em seu casamento. 


O longa tinha tudo para ser um completo desastre, mas felizmente Franco e Cranston conseguem dar algum valor ao filme graças ao talento e espírito esportivo de ambos, afinal já reconhecidos por crítica e público não precisariam se sujeitar a tamanha bobagem. A dupla trava diálogos afiados onde o cinismo impera e ganha força com as provocações que são disparadas feito tiros de metralhadora. O material cômico do enredo realmente era promissor. A ignorância de Laird em como se comportar minimamente bem diante da família da namorada em oposição às reações estupefatas do sogro diante de tanta ostentação e bizarrices poderiam ter rendido bem mais, porém, Hamburg entrega o prato feito do gênero. Tinha Que Ser Ele? ganharia bem mais se explorasse por um viés mais aprofundado a maneira como o personagem de Franco vê o mundo e se comporta nele, mas Hamburg evita ao máximo trazer discussões à tona em seus trabalhos. Simplesmente joga na tela informações a respeito de seus personagens e universos, o mínimo possível para tornar digerível as piadas que oferece em porções generosas, mas com sabor rançoso.

Comédia - 112 min - 2016

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