Nota 8 Comédia dramática recicla tema batido do convívio, tolerância e aprendizado com o diferente
Um casal de namorados está conversando tranquilamente sentados numa canoa passando uma tarde calma e agradável em uma lagoa. Não entendemos o diálogo, pois ele é totalmente em chinês e não há legendas, mas ainda assim é possível compreender o clima romântico que está no ar e que o rapaz está prestes a dizer algo muito importante para sua amada. Seria um pedido de noivado ou casamento? Não é possível saber. Inesperadamente uma vaca cai do céu e afunda o barquinho. Você se animaria a assistir a um filme a julgar por esta introdução? Provavelmente não, salvo se fosse adepto de cinema bizarro, sem sentido. Porém, por mais estranho que pareça, este é o início do ótimo Um Conto Chinês, mescla de drama e comédia e uma produção que não é da China, mas sim da Argentina e que traz como protagonista o ator Ricardo Darín, o protagonista de sucessos como O Filho da Noiva e O Segredo dos Seus Olhos. O astro interpreta Roberto, um pacato cidadão dono de uma pequena loja de ferragens que tem o hábito de colecionar notícias bizarras de jornal, dorme sempre no mesmo horário, é um pouco rabugento e evita como pode aas investidas da filha de um amigo que é apaixonada por ele.
O cotidiano solitário deste homem muda completamente quando Jun (Ignacio Huang) cruza seu caminho ao ser atirado de um táxi. Em busca de seu único parente vivo, um tio que vive na Argentina, e sem falar uma palavra sequer do idioma local, o rapaz acaba depositando em Roberto todas as suas esperanças de sobreviver no país. Assim eles começam uma estranha convivência repleta de problemas, principalmente porque o argentino não vê a hora de despachar o chinês, mas parece que tudo está indo contra seus planos. Apesar disso, o tempo que passam juntos mostra que os dois podem ter muito mais a ver um com o outro do que eles mesmos podiam imaginar. Jun obviamente é o responsável pelos momentos cômicos da produção partindo de premissas um tanto batidas, mas ainda válidas. Ainda é possível se divertir com os conflitos de idiomas e a comunicação através de gestos, como a simples indicação de mandar uma pessoa tomar banho ou tentar decifrar palavras que possam dar pistas de onde o forasteiro veio ou para onde vai. Não deixa de ser interessante também ver a desconstrução da rotina de Roberto. É claro que é um tanto clichê acompanhar o homem infeliz que aprende pouco a pouco como é bom aproveitar a vida, mas aqui a lição é passada com certo frescor que difere a produção das mesmices hollywoodianas.
O diretor e roteirista Sebastián Borensztein assumidamente não quis investir em novidades, mas ainda assim conseguiu trabalhar de forma diferenciada um roteiro repetitivo. É a velha história de servir o mesmo prato, porém com uma guarnição diferente. E olha que a receita foi aprovada, tanto que na Argentina mais de um milhão de pessoas compareceram aos cinemas para se divertir com esta produção. Apesar de sabermos que tudo vai acabar bem no final, ainda que filmes estrangeiros possam reservar surpresas, é irresistível acompanhar até onde vai chegar a relação do argentino e do chinês, uma união que sempre deixa dúvidas se existe o mínimo de amizade ou apenas um sentimento de responsabilidade a contragosto por parte de Roberto. Lendo a sinopse e descobrindo que o protagonista mudará de vida através do contato com alguém com quem a possibilidade das afinidades ou semelhanças parecerem nulas, para muitos esta produção pode soar um tanto esquematizada e talhada para manipular as emoções do público, mas de alguma forma neste caso somos convencidos de que as situações vividas pelos personagens são reais.
O talento dos atores conta muito para transformar em realidade a história que lhes é passada em papel e a química entre Darín e Huang é perfeita. Borensztein roteirizou excelentes cenas, mas como um bom diretor também sabia que eram os atores que comandariam seu filme. Cenas como as de Roberto resmungando sozinho enquanto Jun escuta sem dizer uma única palavra e com olhar perdido conseguem captar a atenção dos espectadores mais dispostos a se entregar às emoções e são de pequenos detalhes que o longa consegue arrancar do espectador sorrisos discretos, mas sinceros, . Embora comece com um acidente surreal e seja classificado genericamente como uma comédia, não espere humor escrachado e escatologias. É na sutileza das imagens e nos diálogos bem construídos que encontramos os elementos necessários para o riso nesta obra. Um Conto Chinês não é um dos melhores títulos da cinematografia argentina, mas prova que nossos vizinhos não estão em busca apenas de prêmios e elogios da crítica. Também existe o objetivo de se fazer um cinema de fácil acesso e comunicação com camadas populares e quiçá com a população de outros países.
Abordar diferenças culturais em uma comédia é uma escolha espinhosa, pois é muito óbvio enveredar pelo caminho mais fácil e mostrar o diferente como uma aberração ou de forma depreciativa, mas Borensztein investiu na sensibilidade para mostrar o estranhamento de forma natural e perfeitamente contornável, afinal não importa o idioma, o tom de pele ou o aspecto físico, no fundo somos todos iguais, seres humanos em busca da felicidade, mesmo que este objetivo seja compreendido tardiamente. Em tempos em que se fala tanto que todos estão próximos através dos recursos tecnológicos, esteja você no Brasil, na Argentina ou na China, é bom ver que ainda existem cineastas que se preocupam em mostrar a importâncias das relações pessoais frente a frente e o quanto o ser humano ainda precisa evoluir nas questões referentes à tolerância. Vale a pena conferir este trabalho de apelo universal, mas sem grandes pretensões. Animou um pouco a ideia de embarcar nesta história que por mais louca que pareça é baseada em fatos reais?
Comédia - 93 min - 2011
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