sexta-feira, 14 de agosto de 2020

UM DIA A CASA CAI


Nota 7,0 Com ares nostálgicos, longa é registro de época de conservadorismo em Hollywood


Já diz o ditado: quem casa, quer casa. E não seria diferente para Anna Crowley (Shelley Long) e Walter Fielding (Tom Hanks), o casal protagonista da comédia Um Dia a Casa Cai que oassam por maus bocados. Ele é empresário de grupos de rock enquanto ela se dedica a tocar violino em uma orquestra. Entre a harmonia deles existe um ruído, o arrogante maestro Max Beissart (Alexander Gudonov), o ex-marido dela que os persegue na tentativa de reconquistá-la. Prestes a se casarem, eles já moravam juntos temporariamente no apartamento em que ela vivia com o músico, mas após uma longa turnê ele voltou disposto a separá-los. A inconveniente situação força o jovem casal a encontrar às pressas uma nova moradia. Na agitada Nova York isso poderia demorar meses, mas conseguiram encontrar uma casa enorme e confortável em uma região um pouco mais afastada e, o melhor, a um preço irrisório. Estelle (Maureen Stapleton) justifica a oferta por precisar deixar o país o mais rápido possível por conta de problemas pessoais. O casal resolve ficar com o imóvel mesmo que tenham que se endividar um pouco, afinal como deixar passar este golpe de sorte? Ou seria de azar? 

O casarão aparentemente em perfeitas condições logo começa a dar sinais de que está caindo aos pedaços, literalmente. A porta da frente não para no lugar, os armários da cozinha despencam, o assoalho está podre, as tubulações do encanamento comprometidas, os degraus da escadaria transformam-se em armadilhas e por aí vai. Enquanto a casa dos sonhos começa a desabar, em paralelo, o relacionamento dos moradores também passa a ruir. Apesar de apaixonada, Anna necessita de uma segurança financeira que seu companheiro ainda não é capaz de lhe proporcionar, assim como também não é capaz de demonstrar total controle emocional diante dos percalços que surgem durante a reforma da moradia. Então chega o momento da prova de fogo para o casal, principalmente quanto aos sentimentos dela que, além de precisar aturar os desatinos do marido em meio a reconstrução da casa, também precisará resistir às investidas de Beissart que encontra um cenário propício para reatar seu casamento. 


O longa caiu no gosto popular e é lembrado como um clássico da década de 1980 mesmo sem contar com um argumento genial, mas apenas competente o bastante para cumprir o que promete. É o tipo de filme que que diverte e entretém mesmo já sabendo que o final feliz está garantido. As situações embaraçosas que a casa em ruínas gera e suas consequências sobre a vida dos protagonistas são atemporais e inofensivas, hoje ainda com o bônus de um irresistível gostinho de nostalgia. Para nós brasileiros, o longa traz apenas um pequeno incômodo. O pai de Walter, homônimo ao filho e interpretado por Douglass Watson, é um homem que roubou milhões e junto com sua namorada refugia-se no Brasil. Por que justamente aqui? Embora na época o país ostentasse uma imagem positiva internacionalmente em diversos âmbitos, no geral ainda prevalecia a ideia de que seria uma terra de malandros e sem leis, um estereótipo que intencionalmente ou não esta comédia acaba perpetuando, principalmente por reforçar tal pensamento na cena final que não chega a surpreender. Tirando esse deslize, no geral o filme dirigido por Richard Benjamin nos faz rir sem culpa da desgraça alheia. A reforma que iria durar semanas acaba se arrastando por meses para a alegria do espectador que quer ver Walter ao máximo como vítima da própria casa caindo em armadilhas, descobrindo novos defeitos a todo momento e colocando a própria integridade física em perigo, tudo isso porque sua relação com o cenário principal tem ares cartunescos irresistíveis. 

O desfecho e várias situações do longa nos remete vagamente a ideia usada em outra comédia, Duplex, mostrando que a malandragem e a arte de tirar proveito dos problemas alheios continua em vigor em pleno século 21. O roteiro de David Giller é bastante inteligente ao usar a casa em reforma como metáfora ao relacionamento dos protagonistas com simples tarefas do cotidiano sendo transformadas em problemas de proporções catastróficas na vida deles, sobretudo de Walter, um homem correto, que tenta fazer sempre o melhor, mas acaba vítima do imponderável. Além da própria residência sabotá-lo, paira no ar uma suposta traição de Anna após ser submetida a uma situação vexatória com seu ex-marido. Todavia, não há constrangimentos envolvendo o triângulo amoroso. Tudo é mostrado de forma branda em uma época que o cinema hollywoodiano refletia as influências políticas que exaltavam um conservadorismo exagerado para bater de frente com as mudanças comportamentais que tomavam o mundo. Um Dia a Casa Cai é talhado para ser consumido por toda a família, com apenas uma pequena dose de ousadia com a participação de Beissart na trama que acaba assumindo a posição de vilão ao tentar destruir um relacionamento que tinha tudo para exaltar a bandeira da chamada beleza americana, o que para nós seria a imagem da família feliz de propagandas de margarinas. 


Quando estrelou esta comédia, Hanks já tinha pelo menos um grande sucesso de bilheteria em seu currículo, Splash - Uma Sereia em Minha Vida, e graças a este filme chamou a atenção daquele que viria a ser o diretor e produtor com quem faria o maior número de trabalhos em sua carreira: Steven Spileberg. Ele assina a produção executiva e foi sua ideia dar o papel principal a um jovem astro em ascensão que parecia fadado a produções de humor. O longa é uma refilmagem de Lar, Meu Tormento, lançado nos anos 1940 com Cary Grant como protagonista. Comédia rasgada e assumidamente pastelão, o remake foi feito com o único objetivo de arrancar gargalhadas do público que comprou a ideia com êxito. Apesar do argumento aparentemente simplório, são inúmeras as possibilidades que uma casa em ruínas oferece para criar situações hilariantes para quem as vê, mas de total desespero para quem as vive. Criando cenas quase nonsenses, Benjamin constrói um entretenimento ligeiro, frenético de muita histeria e que ainda hoje diverte, ainda que possa encontrar dificuldades para se conectar com novas plateias mais acostumadas a humor escatológico, preconceituoso e com conotações sexuais. 

Comédia - 91 min - 1986

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