Nota 7,5 Usando vírus fictício como alegoria, longa foca o jogo de interesses por trás de uma crise
De tempos em tempos surgem ameaças invisíveis a olho nu, mas tão ameaçadoras quanto uma enchente, um incêndio ou um desastre de avião. Os efeitos de novas bactérias e vírus podem ser devastadores visto que muitos se disseminam com velocidade surpreendente e a ciência pode não conseguir caminhar no mesmo compasso em busca de uma solução. Leva tempo para estudar o comportamento dos microrganismos, seus efeitos, detectar fatores de riscos e, principalmente, investigar as drogas que podem ser eficazes no tratamento. Nessa corrida contra o tempo, cientistas e médicos esbarram em percalços como questões éticas, econômicas, religiosas e políticas. De pessoas solidárias do povão à egocêntricas figuras de governos, o problema pode atingir todos os grupos sociais e em escala mundial independente de condições financeiras, religião, etnia ou grau de instrução. O cinema por várias vezes abordou surtos de doenças, fictícias ou não, e em 1995 Epidemia foi produzido a toque de caixa para aproveitar todo o frisson e pânico causado por notícias que propagavam os efeitos devastadores do vírus Ebola. Tudo começou quando um artigo de uma respeitável revista americana relatou os esforços de uma equipe militar de análises biológicas para evitar que um vírus letal e altamente contagioso escapasse do controle dos cientistas. Se o tal agente contaminasse um grande centro urbano, como a capital americana, por exemplo, os danos poderiam ser catastróficos e inevitavelmente a ameaça poderia chegar a outras localidades e até se espalhar para outros países.
O roteiro de Laurence Dworet e Robert Roy Pool aborda o assunto de maneira alegórica através da ameaça do fictício agente Motaba, uma ameaça descoberta em selvas africanas no final da década de 1960 e capaz de matar poucas horas depois de contraída. Para mantê-lo em segredo e evitar disseminação, os oficias do exército americano decidem destruir o acampamento que abrigava os soldados envolvidos na missão. Contudo, após mais de três décadas, o agente infeccioso ressurge no Zaire e imediatamente Sam Daniels (Dustin Hoffman), um respeitável virologista, é enviado ao país para investigar o caso na companhia do Tenente Casey Schuler (Kevin Spacey) e do Major Salt (Cuba Gooding Jr.). De volta aos EUA, o especialista pede ao General Billy Ford (Morgan Freeman), um dos envolvidos no caso anterior, para emitir um alerta geral, mas tem seu pedido considerado desnecessário e é desligado da pesquisa. No entanto, um macaco portador do Motaba é contrabandeado para uma pequena cidade da Califórnia por Jimbo Scott (Patrick Dempsey), empregado de uma companhia especializada em teste biológicos, e o rapaz acaba sendo infectado. Ele tenta vender o animal para Rudy Alvarez (Daniel Chodos), dono de uma loja de animais de estimação em Cedar Creek (cidade fictícia), que no contato com o golpista também fica contaminado. Os sintomas de Scott se manifestam durante um voo para Boston onde se encontra com sua namorada Alice (Kellie Overbey) que também contraí o vírus. Ambos são hospitalizados e ficam sob os cuidado da Dra. Robby Keough (Rene Russo), coincidentemente a ex-mulher de Daniels.
Os três primeiros infectados acabam não resistindo aos sintomas recorrentes da infecção, mas por outro lado a médica afirma que, dado o histórico dos últimos dias de seus pacientes, não haveria chance de existirem outras pessoas infectadas na cidade. Já em Cedar Creek, técnicos de um hospital realizam testes com as amostras de sangue de Alvarez, mas quando um frasco contendo o material quebra em poder de Henry Seward (Leland Hayward), um dos responsáveis pela pesquisa, imediatamente ele também é contaminado e não demora a falecer. A partir de então, vírus replicados para serem estudados acabam sendo disseminados deixando expostos os cidadãos da pequena cidade. Ao tomar conhecimento da situação, Daniels segue para a região na companhia de seus aliados e também da ex-mulher que é agregada à equipe com o objetivo de encontrarem o animal hospedeiro, mas acidentalmente Schuler é infectado. Ford então lhe oferece um soro, atitude que faz com que o virologista descubra que o general já tinha conhecimento prévio da ameaça e o pressiona a revelar a verdade. Assim, vem à tona a informação de que o vírus bem como seu antídoto foram estudados sob sigilo por décadas a fim do microrganismo ser transformado em uma potente arma biológica. Revelados os segredos e com o tal macaco capturado, a situação poderia estar sob controle, porém, a essa altura o vírus já havia se disseminado pelo ar e a população de Cedar Creek estava sob a ameaça de um bombardeio planejado pelo governo americano, sob a liderança do Major Donald McClintock (Donald Sutherland), para acabar com a epidemia em curtíssimo prazo, mas sem consideração alguma com as vidas que seriam exterminadas.
Dirigido por Wolfgang Petersen, o foco do filme é mostrar o tão longe podem ir os interesses políticos diante de uma situação limite. Conter a propagação de uma doença mortal e contagiosa parece nunca ser a prioridade de governantes que acabam usando o problema, no mínimo, para conquistarem popularidade. Contudo, ações drásticas mostram despreparo desses líderes e o desespero para abafar escândalos. Como já dito, na mesma época do lançamento um surto real do Ebola estava assolando o Zaire. O vírus real de fato apavorou todo o mundo na ocasião, mas aos poucos foi sendo esquecido. Isso não quer dizer que Epidemia seja uma obra datada e apenas sirva como um registro histórico de um período conturbado. A mensagem do filme é atemporal. Independente da origem, forma de contágio, possibilidades de mutações e reações físicas provocadas, é certo que qualquer ameaça proveniente de microrganismos tem sempre dois pontos em comum: o pânico popular e o egoísmo de poderosos. Não é de hoje que ter o controle de doenças e da tecnologia para suas curas são sinônimos de poder político e isto está acima da preservação de vidas.
O assunto, em princípio um tanto pesado e polêmico, acaba sendo bem digerido pelo espectador graças aos elementos hollywoodianos agregados ao cerne da questão. Heróis e vilões são bem definidos (cientistas defendem a justiça e a verdade e políticos e militares são egoístas e imediatistas), um leve drama familiar (Daniels ainda não aceitou o divórcio), adrenalina literalmente nas alturas (uma disputa entre helicópteros) e um retrato assustador dos efeitos do vírus (os infectados à beira da morte impactam visualmente). Podem acusar o filme de não ter muito comprometimento com questões científicas ou de exagerar em relação à conspiração governamental, mas Petersen queria apenas criar uma produção de entretenimento para aproveitar o burburinho. E conseguiu! Guardadas as devidas proporções, eis mais um representante da seara dos filmes-catástrofes. Coloca o público em alerta, mas no fundo todos querem muita ação e suspense, sofrer com personagens morrendo e vibrar com um final feliz no qual a banda podre se dá mal. Que pena que na vida real as coisas não são bem assim. Milhares de inocentes sofrem e até perdem suas vidas em detrimento aos interesses de poderosos que, no máximo, saem das batalhas humilhados, mas ainda assim sem aprenderem a lição.
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