Embora ainda chame a atenção, é
inegável que nos passado as telenovelas desfrutavam de uma cômoda posição de
destaque entre as opções de lazer, um frisson capaz de fazer praticamente o
Brasil todo parar com o intuito de acompanhar um capítulo envolto em grandes
expectativas. Sem outras grande opções para roubar a atenção do público e com a
ditadura militar em constante vigilância, até meados da década de 1980 esse
tipo de programa não era um simples passatempo. Visto por alguns como um meio
de alienação, para outros era uma forma ousada de expor conflitos e modismos de
forma velada. Literalmente marcando época, ditando moda e sacudindo o país,
"Dancin' Days", escrita por Gilberto Braga, foi exibida no final do
período setentista fazendo um retrato da classe média do Rio de Janeiro
daqueles tempos e de quebra popularizando a disco music na esteira do sucesso
do filme Os Embalos de Sábado a Noite. A novela estreou em meio a
um turbulento cenário político sob o regime militar de Ernesto Geisel que com
mão pesada coagia a população e censurava artistas, isso quando as pessoas não
eram rifadas do mapa envoltas a estranhos sumiços e mortes, muitos sem
resolução crível até hoje. O diretor Odilon Rocha em A Novela das Oito, seu longa de estreia, utiliza uma
narrativa em estilo mosaico, aquele tipo que entrelaça conflitos de vários
personagens, a fim de traçar um panorama dessa efervescente época. Em comum
todos eles tem a paixão ou o repúdio pelo citado folhetim protagonizado por
Sônia Braga.
A prostituta Amanda (Vanessa Giácomo) é
uma das fãs ardorosas da novela e procura atender seus clientes sempre após o
término dos capítulos. Com o que fatura ela pode se dar ao luxo de ter uma
empregada doméstica, mas Dora (Claudia Ohana) tem um passado como ex-militante
que a patroa desconhece. Presa e torturada, ela se viu obrigada a se mudar para
São Paulo usando uma identidade falsa e deixando para trás seu único filho,
Caio (Paulo Lontra), que acaba sendo criado com rigidez pelos avós desde muito
pequeno. Certo dia, Dora identifica entre os clientes da patroa um de seus
algozes dos tempos de guerrilha e logo após assassiná-lo decide fugir com a
garota de programa que acaba inadvertidamente feita de cúmplice. No encalço
delas está o policial militar Brandão (Alexandre Nero), um homem capaz de
passar por cima de tudo e de todos em nome do suposto bem da nação. Em
paralelo, a empregada, sem revelar sua real identidade, tenta se reaproximar do
filho, um homossexual não assumido e vítima de perseguição pelos colegas de
escola. Ele tenta se libertar da opressão ao se envolver com João Paulo (Mateus
Solano), um diplomata em crise que regressa de Londres, mas se sente um peixe
fora d'água em sua terra natal.
O roteiro, de autoria do próprio
diretor, foi eleito o melhor no Festival de Cinema do Rio em 2011, porém, tal
menção honrosa soa um pouco exagerada. Dividindo os personagens em dois grupos
distintos, os engajados com a ditadura e os alienados que buscavam nos
programas de televisão uma válvula de escape para seus problemas cotidianos,
Rocha se perde na ânsia de abordar múltiplos temas de peso alinhavados a
algumas subtramas em tom folhetinesco. Desdém pela cultura e sociedade do país,
a influência da televisão sobre os hábitos de vida e de consumo dos
espectadores, a vilania das autoridades e a contraposição da juventude
empenhada na luta pelos seus direitos. São muitos temas para condensar em uma
estrutura um tanto frágil, mas de argumento bastante rico e com várias frentes
que poderiam ser desenvolvidas. E quem assiste no intuito de matar as saudades
ou conhecer um pouco do que foi a novela que inspirou o longa se frustra
fatalmente. Ouvimos apenas o marcante tema musical como indicação que os
personagens estão assistindo a mais um capítulo. A ausência de imagens do
folhetim (certamente por questões de direitos de imagem) também acaba
comprometendo o longa, pois não dimensiona o tamanho de seu frenesi entre os
populares e enfraquece os motivos de seu repúdio por partes de autoridades.
Rocha declarou que optou por fazer uma
homenagem a sua mãe e a todos os brasileiros apreciadores das telenovelas,
esquivando-se de uma análise preconceituosa diante de um produto que, bem ou
mal, há décadas se mantém em evidência e é exportado para o mundo inteiro.
Dessa forma ele idealizou uma trama típica de folhetim repleta de clichês e
estereótipos, mas para uma estrutura de longa-metragem almejando o realismo ao
tocar em uma ferida brasileira ela soa estranha e forçada. O resultado é que
nada é aprofundado e a proposta de retratar o cenário político e social do
final da década de 1970 não passa da superficialidade, assim a atenção do
espectador dispersa facilmente. O próprio elenco parece não ter embarcado
totalmente na proposta, destacando-se apenas o trabalho de Ohana. Com semblante
carregado e usando pouca maquiagem, a atriz surpreende ao assumir um papel bem
distante de suas personagens mais famosas, geralmente mulheres glamorosas e
cheias de vida. É Dora quem situa o espectador quanto a época em que a trama se
passa, inclusive seu drama pessoal de não ver seu filho crescer remete ao
conflito vivido pela protagonista da novela, esta que buscava se reaproximar da
filha também adolescente após anos na prisão. Giácomo, apesar da representação
exagerada, consegue criar empatia com o público por seu deslumbramento. Em fuga
junto à empregada, ela não está muito ligada ao conflito político em que está
inserida e mais preocupada em aproveitar a viagem para badalar em uma famosa
boate.
A Novela das
Oito também
padece com uma parte técnica muito próxima ao estilo televisivo. Iluminação,
enquadramentos de cena, a edição, entre outros. Isso sem falar em alguns erros
primários aqui e acolá. Tudo parece forçar uma conexão com a dramaturgia da TV,
embora na época de produção do filme já se via produtos bem mais requintados na
telinha, que dirá hoje em dia. A trilha sonora, que chama a atenção nos
momentos mais dramáticos, bomba em nossos ouvidos nas sequências dentro da
danceteria assim também seguindo uma marcação novelística. No conjunto, o longa
ficou a dever nos tons escuros quanto a parte pesada do enredo e tampouco
ofereceu o colorido e os paetês esperados para justificar o título e toda a
expectativa em torno da metalinguagem prometida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário