quinta-feira, 28 de outubro de 2021

EM BUSCA DA FELICIDADE


Nota 3 Inconsistência emocional da trama e situações e personagens desperdiçados reduzem a obra


Um título bonito, trama envolvendo crianças e nomes razoavelmente famosos constando nos créditos. Para completar, aquela bela publicidade destacando um ambiente bucólico em tons pastéis. Essa é a fórmula perfeita para um drama chamar a atenção, principalmente quando ele é lançado diretamente para consumo doméstico. As cores claras parecem um atestado de qualidade e boas doses de emoção, mas é triste constatar que nem sempre a receita dá certo como no caso de Em Busca da Felicidade, produção ligeira feito um rastilho de pólvora. A trama escrita e dirigida por Brad Isaacs tem boas intenções, mas sua realização é difícil de engolir, ainda que para espectadores menos exigentes o longa seja merecedor de elogios. 

Ben (Cayden Boyd) é quem narra a sua própria história de vida. Prestes a completar 13 anos, ele já se sente em condições de fazer uma avaliação de tudo o que viveu até então e o saldo é extremamente negativo. Para começar, ele afirma que seu pai (Matthew Modine) e sua mãe (Lara Flynn Boyle) jamais deveriam ter se casado, tampouco ter um filho. O garoto que recebe pouca atenção dos pais nasceu de um encontro casual entre um homem que só pensa em cuidar do seu barco, mesmo estando no Oeste do Texas a muitos quilômetros do mar, e de uma mulher apaixonada pelas estrelas hollywoodianas, tanto que, ao que tudo indica, trai o marido com tipos inspirados em personagens de filmes. Curiosamente, sua família acaba aceitando em casa a presença de Cassie (Anna Sophia Robb), uma garota que perdeu os pais em um acidente ocorrido bem na frente do restaurante deles. Os dois pré-adolescentes insatisfeitos com suas vidas resolvem se unir e fugir em busca de um plano de vida. 


Durante a trajetória, a dupla reforça a união em um casamento simbólico e vão seguindo a travessia graças a caroneiros que os ajudam a chegar cada vez mais perto da casa dos tios de Cassie, vividos por Heather Graham e Dylan McDermont (os parentes tanto da menina quanto do garoto não tem nomes mencionados), duas figuras um tanto atípicas e sem padrões rígidos de comportamento, detalhe relevante já que tudo indica que as ações se passam em meados da década de 1960 e em região interiorana e tradicionalista. A premissa simplória poderia render sim um bom filme, ainda que previsível, mas o problema é que Isaacs levou ao pé da letra o significado do termo road movie e realmente meteu o pé no acelerador. Desde o início do filme já sentimos que a narrativa flui aos trancos e barrancos, não segue uma cadência de emoções e manda as favas qualquer comprometimento em desenvolver os personagens. 

Cassie é madura demais para sua idade e parece não se importar com a perda dos pais e nem mesmo uma justificativa capenga dada mais adiante nos fazem simpatizar com o drama da garota. A ingenuidade que poderia existir no ato do casamento simbólico entre os dois pré-adolescentes também não surte efeito positivo, pois não sentimos aquela emoção da criança brincando de ser adulto, mesmo que para cada novo indivíduo que cruze o caminho deles uma nova mentirinha seja contada. Não há doçura nas interpretações do elenco juvenil e quanto aos adultos infelizmente nem dá tempo para que eles cativem o espectador. Muitos personagens secundários interpelam o roteiro, alguns inclusive que não agregam nada à narrativa, e assim o talento de pessoas como Val Kilmer são desperdiçados em participações vazias. Pior ainda, nenhum desses estranhos oferece perigo algum aos menores e tampouco questionam o motivo de estarem sozinhos vagando pelas estradas. São como anjos celestiais que têm como missão encaminhá-los até o tal plano de vida, termo que se torna chato de tanto que é repetido. 


É bastante incômodo assistir uma produção que acaba ofendendo a inteligência do espectador. Percebe-se que as intenções eram as mais ternas possíveis, realmente submergir o espectador em uma trama onírica e edificante, mas um mínimo de realismo é sempre necessário. Quem conseguiu achar Em Busca da Felicidade um filme ao menos razoável certamente é porque é adepto de obras açucaradíssimas ou se apegou a lição de moral que serve como cereja de bolo, mas para quem já tem um olhar crítico minimamente mais apurado a frustração é uma realidade logo pelos dez minutos iniciais da projeção. Em tempo: lançado em meados de 2007, o título nacional é uma descarada tentativa de pegar carona no então sucesso contemporâneo de Will Smith, À Procura da Felicidade. Quantas pessoas acabaram comparando gato por lebre neste caso?

Drama - 86 min - 2007

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