NOTA 6,5 Através de uma família, drama aborda temas relevantes sobre o mundo globalizado e moderno, mas trama principal não cativa |
Quando somos
jovens fazemos muitos planos para o futuro, mas infelizmente a maior parte
deles precisa ser abandonada para conseguirmos a realização de alguns poucos da
lista. Por exemplo, quantas profissões sonhamos em seguir, mas no final das
contas elegemos uma como oficial e uma ou outra atividade praticamos no máximo
por entretenimento ou para ganhar alguns trocados? E quem nunca sonhou que
quando finalmente tivesse independência financeira poderia fazer o que quiser sem
dar satisfações a ninguém? É triste constatar, mas são poucos que concretizam
totalmente suas vontades quando adultos. A vida é curta e antes mesmo de
estarmos consolidados profissionalmente, paralelo a isso, a natureza humana e a
própria sociedade cobram das pessoas um padrão de vida, ou seja, o interesse em
formar uma nova família, o que acarreta muitos gastos e sucumbe boa parte dos
sonhos individuais de qualquer chefe de família, que hoje em dia não precisa
necessariamente ser representado por uma figura masculina. Dessa forma a
felicidade inicial de qualquer relacionamento amoroso tende a pouco a pouco a
ceder espaço para a melancolia proporcionada por uma rotina estressante de
trabalho que tem como único objetivo a aquisição ou a manutenção de um padrão
de vida estável, assim muitos casais acabam não conseguindo mais se entender e
os reflexos são sentidos diretamente pelos filhos. São justamente as
consequências dentro do universo familiar desse tipo de comportamento o foco de
Corações
em Conflito, uma tímida produção independente que chegou a ser indicada
ao Urso de Ouro no Festival de Berlim, mas que teve uma recepção fria por parte
da platéia e no Brasil aportou na surdina.
O repúdio por parte do público e cautela dos distribuidores tem
justificativa. A estrutura narrativa criada pelo diretor e roteirista sueco Lukas
Moodysson tenta ser algo próximo ao estilo de Crash – No Limite ou Babel,
devido as ações fragmentadas e que intercalam situações, em geral dramáticas,
que ocorrem com personagens que mesmo estando distantes geograficamente mantêm
algum tipo de ligação entre si. O problema é que a trama que envolve o casal
principal é das mais enfadonhas, porém, o dilema da empregada estrangeira
compensa.
Em Nova York, Leo
Vidales (Gael Garcia Bernal) é um bem-sucedido criador de um site sobre jogos
eletrônicos e Ellen (Michelle Williams) é uma cirurgiã que não pensa duas vezes
antes de colocar a vida de um paciente em primeiro lugar. Aparentemente eles
formam o casal perfeito e feliz com direito a uma filha, a pequena Jackie
(Sophie Nyweide), mas eles pensam muito mais em suas carreiras que no próprio
cotidiano em família, tanto que a garota tem muito mais contato e identificação
com sua babá filipina, Gloria (Marife Necesito), uma imigrante que teve que
deixar os filhos em seu país natal em busca de um trabalho que lhe rendesse
mais e assim pudesse oferecer uma vida melhor aos garotos. Quando Leo precisa
viajar a Tailândia a trabalho, uma série de acontecimentos ao acaso acaba
trazendo consequências a todos eles. O rapaz acaba precisando ficar mais tempo
longe de casa e aproveita para explorar mais o país e acaba vivendo tardiamente
um pouco da juventude que provavelmente perdeu em busca de seu ideal de futuro,
assim ele se envolve no mundo da prostituição. Enquanto isso, sua esposa passa
questionar a si mesma os rumos que deu a sua vida ao perceber o distanciamento
que existe entre ela e sua filha, esta que acaba sendo coberta de mimos por
Gloria que assim consegue matar um pouco das saudades que sente dos filhos
pequenos Manuel (Martin Delos Santos) e Salvador (Jan David G. Nicdao), este
último o mais velho e que num ato inconsequente acaba fugindo de casa sem
pensar nas consequências para tentar conseguir algum trabalho e assim ter
dinheiro para viajar para os EUA para rever a mãe. É justamente a trama que
envolve o núcleo dos personagens mais necessitados em termos financeiros que
salva este filme de ser algo totalmente descartável. Os exóticos cenários das
Filipinas aqui são mostrados sob uma ótica mais realística e bem menos
fantasiosa para ajudar a vender pacotes turísticos. A avó dos garotos (Maria
Del Carmem) compreende o sofrimento da filha em estar longe deles há anos, mas
sabe que ela está em busca do melhor para todos e por isso tenta ao máximo apaziguar
a inquietude dos netos, principalmente de Salvador que por talvez ter convivido
um pouco mais com a mãe que o irmão sente muita falta dela. Não bastasse o
ambiente empobrecido em que vivem, a velha senhora chega a levar o garoto até
um lixão para ele ter um choque de realidade e quem sabe assim compreender que
Gloria está se sacrificando para que os filhos não precisem comer restos.
Moodysson já havia demonstrado apreço por histórias que envolvam conflitos de
infância em trabalhos anteriores, como Amigas
de Colégio, e percebe-se aqui sua atenção especial. A relação entre uma
criança e sua babá, o envolvimento dela com seus próprios pais e vice-versa, os
problemas emocionais causados nos pequenos devido a falta de atenção de
familiares, a inocência inerente a faixa etária brigando com uma maturidade
forçada e até mesmo o trabalho escravo infantil, todos estes temas estão
pincelados aqui.
E os Vidales?
Qual a importância deles nesta trama? Bem, logo de cara fica nítido que eles
estão aqui para levantar a bandeira de que dinheiro não é tudo na vida. Na
correria do dia-a-dia e com a pressão de um relacionamento que caiu na rotina,
fazer dinheiro passa a ser único objetivo de Ellen e Leo, o que implica em
horas dedicadas por ela dentro de um hospital e ele preso a um escritório
diante da tela de um computador. A americana de pele e cabelos claros casada
com o latino que conseguiu progredir nos EUA, servindo de inspiração a
empregada da família que também está fora de seu país de origem em busca de
melhores condições de vida e de quebra ensinando o vocabulário e sua cultura
típica à filha do casal. Uma família muito comum em solo americano e que
representa o mundo globalizado. Mais que retratar estas famílias modernas, o
longa ainda consegue fazer um interessante contraste de realidades. Enquanto a
terra de Gloria é retratada com um colorido que realça a pobreza e as mazelas
locais, o apartamento de Ellen é mostrado com cores tão frias quanto o hospital
onde ela dá expediente, algo tão apático quanto o próprio perfil da personagem,
diga-se de passagem, uma sensação acentuada pela atuação de sua intérprete.
Longe desses climas tristes, Bernal passa quase todo o tempo em ambientes
coloridos e aparentemente movidos a festas, bebidas e mulheres, vivendo
literalmente como se estivesse em férias e solteiro, porém, em algum momento as
lembranças de sua verdadeira realidade voltarão a se manifestar trazendo sua
insatisfação a tona. Aliás, mais que apresentar um pequeno panorama do mundo
globalizado, palavra que passa a falsa impressão de que todos estão no mesmo
nível social, e mais que falar sobre a alienante vida que levamos em busca de
um futuro ideal que não é tão perfeito assim, Corações em Conflito está
aqui para fazer uma crítica implícita a modernidade e falar sobre a eterna
insatisfação do ser humano. Quem pode levar uma vida de luxos, em determinado
momento sentirá a falta da simplicidade. Quem vive sem boas perspectivas para o
futuro, sonha com uma vida completamente oposta. Alcançando seus objetivos,
seja subindo ou “descendo” de nível, estariam estas pessoas então felizes?
Certamente não. Ai está a função do casal Vidales na trama. Eles precisaram se
separar por um tempo e sofrer um baque (o clímax do longa) para se conformarem
com a realidade que eles próprios construíram, mas ainda com chances de
melhorarem seus cotidianos sem abrirem mãos de planos futuros. É preciso
encontrar o equilíbrio, pois o sentimento de insatisfação é algo inerente ao
ser humano e necessário para querermos continuar a viver.
Drama - 125 min - 2009
Um comentário:
Legal sua reflexão inicial. Quando jovens realmente sonhamos e imaginamos tantas coisas......que se perdem ao caminho.
Eu não conhecia esse filme. Mas, parece uma boa sugestão para minhas férias.
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