quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

PEQUENA MISS SUNSHINE

NOTA 8,0

Comédia independente caiu no
gosto popular e da crítica
apresentando uma galeria de
personagens problemáticos
Todos nós teoricamente temos o direito de fazer todas as escolhas possíveis para seu próprio bem, inclusive decidir entre ser um vencedor ou um perdedor na vida. Essa é a base da teoria de trabalho de um dos personagens de Pequena Miss Sunshine, mas este especialista em motivação deveria rever seus conceitos observando com mais atenção seus próprios familiares. Será que o sucesso ou o fracasso de um indivíduo pode estar atrelado à genética? Talvez após assistir a este filme cujas marcas registradas são uma família disfuncional fazendo uma longa viagem dentro de uma Kombi amarelo-ovo você comece a encontrar sentido nesta indagação. Esta agradável comédia vencedora de diversos prêmios que conta com uma ideia simples, humor afiado, elenco competente e uma cativante garotinha, foi um dos longas independentes mais aclamados por público e crítica dos últimos tempos e conquistou uma bilheteria invejável, algo raro de acontecer com produções feitas sem o respaldo financeiro de grandes estúdios. Todavia, a produção acabou tendo seus direitos adquiridos por uma grande distribuidora que apostou suas fichas nas indicações boca-a-boca após ela ter agitado o Festival de Sundance, assim o filme conseguiu atingir uma quantidade muito maior de espectadores. Mas será que esta comédia merece tantos louros e elogios? Essa avaliação depende do bom humor e da percepção de cada um. A história nos apresenta a família Hoover, pessoas que extrapolam no quesito excentricidade. Não que todas as famílias não tenham suas esquisitices, mas neste clã todos têm alguma característica peculiar, seja na personalidade ou no comportamento. Richard (Greg Kinnear) está tentando desesperadamente vender seu programa motivacional para atingir o sucesso, coisa que o próprio não tem como palestrante. Sua esposa Sheryl (Toni Collette) é otimista e tenta apoiar o marido e entrosar os demais familiares, incluindo seu deprimido irmão Frank (Steve Carell), um homossexual que acaba de tentar suicídio após uma desilusão amorosa. Os filhos do casal também estão longe de serem normais. Dwayne (Paul Dano) é um adolescente revoltado que fez voto de silêncio e Olive é uma garotinha bem fofinha que nem imagina que fisicamente está longe do modelo ideal para ser uma miss, mas mesmo assim deseja a todo custo participar de um concurso de beleza e talento infanto-juvenil, o que obriga a família toda a pegar estrada para uma viagem de alguns dias até o local do evento. Completando a turma de farofeiros, o avô paterno da garota, Edwin (Alan Arkin), vai junto a tira-colo após ser expulso de uma clínica onde estava internado por ser flagrado com drogas. Durante a viagem, essa família enfrentará muitos percalços e terá que deixar as diferenças de lado para realizar o sonho de Olive, de longe a mais sensata entre eles.

Bem, exposto o enredo, a resposta para a pergunta feita anteriormente é sim, realmente esta comédia é digna pelo menos dos vários elogios que recebeu. Os troféus são outros quinhentos. Os chamados filmes independentes aparentemente levam uma vantagem nas premiações e dificilmente a bola da vez entre eles não fatura ao menos os prêmios de roteiro. É como se eles já nascessem com uma aura de algo intelectual inquestionável e que todos devem concordar com as opiniões dominantes para não serem rotulados de idiotas. O que talvez o público e até mesmo os críticos não perceberam é que o núcleo de cinema alternativo americano se transformou em uma pequena indústria que hoje já segue até um padrão de como fazer filmes. Se antes os cineastas procuravam pequenos estúdios para realizarem seus trabalhos sem interferências e depois os vendiam a grandes distribuidores (se tivessem a sorte de serem notados), hoje eles recorrem por necessidade as empresas menores, mas já visando lucrar no futuro com a exposição em premiações e sendo apadrinhados por majores. Por isso não se pode mais classificar qualquer filme pequeno como um legítimo alternativo por não carregar um selo empresarial forte ou não ter um elenco com nomes famosos. Esse cinema já compete com cachorros grandes e atrai a atenção de atores de peso como neste caso que reúne praticamente todos os elementos que marcaram no passado esse cinema “out Hollywood”, geralmente produções que giram em torno da realização de sonhos, mas que não deixam de fazer uma crítica a esse objetivo ou a família americana exemplar. O interessante do roteiro escrito por Michael Arndt são os vários caminhos utilizados para explicitar a imagem do fracasso. Todos no clã dos Hoovers têm algum dilema, desde o membro mais jovem até o mais velho, e precisam de reparos urgentes para serem felizes, um paralelo que pode ser feito com a tal Kombi amarela que eles usam para ir do Novo México até a Califórnia. Ela está em péssimas condições assim como a harmonia de seus ocupantes. Como a sociedade americana sempre foi obcecada pelo sucesso é curioso ver a acolhida que esta comédia recebeu. No fundo, o cinema de lá também adora explorar as histórias dos fracassados e fez e continua fazendo isso de várias maneiras. Já vimos bobões que se tornaram ídolos, crianças e adolescentes que eram o alvo de chacota do colégio dando o troco, moças feinhas se transformando em lindas mulheres que conquistam os homens e até famílias que viviam uma felicidade de fachada tiveram suas vidas exploradas em busca de seus segredos sórdidos. Os parentes azarados, mas que no fim descobrem que o que importa na vida é o amor que as une, também já protagonizaram muitos dramas e comédias. O ator Chevy Chase e suas diversas férias frustradas do passado provam isso e certamente inspiraram o casal de diretores estreantes em longas-metragens Jonathan Dayton e Valerie Faris na condução desta narrativa leve com verniz de filme cabeça, uma bobagem que a mídia criou espontaneamente ou foi instruída a isso. Não é todo mundo que tem a paciência necessária para assistir uma obra cujo humor captamos pelos ouvidos e não tanto pelos olhos, por isso muita gente torce o nariz para ela.

A introdução do filme dura pouco mais de dez minutos e faz uma eficiente apresentação dos personagens, mas o espectador vai se tornando íntimo do universo de cada um a partir do momento em que eles caem na estrada. Confinados dentro da Kombi, eles precisam aprender a lidar com o jeito de cada um e com os hilários problemas que surgem durante o caminho, como o esquecimento da garotinha em um posto de gasolina, o embaraço do tio gay comprando revistas de mulher pelada para o membro mais velho do clã, as crises nervosas do patriarca tentando resolver negócios pelo telefone e até terminar o percurso com um cadáver no porta-malas. Essas e outras situações se encaixam perfeitamente a uma narrativa que felizmente evita o escatológico e o grosseiro, mas compensa fazendo um humor mais inteligente e ácido através dos diálogos. Para quem não está acostumado a esse tipo de produção, certamente a melhor parte do filme é o final que repete a velha fórmula da família unida jamais será vencida. É de chorar de rir assistir a performance de Abigail Breslin fazendo uma dança com traços de erotismo no concurso, chocando a plateia do evento, mas recebendo totalmente o apoio dos familiares que caem na farra literalmente com ela. Claro que sempre tem um chato de plantão para condenar a presença de uma criança interpretando tais cenas ou ouvindo alguns diálogos impróprios, mas não vamos ver as coisas por esse ângulo. A atriz mirim emprega tanta ingenuidade durante a execução do espetáculo quanto em suas falas, como no caso de perguntar a uma miss se ela gosta de tomar sorvete ou dizer ao seu tio que não vale a pena se apaixonar por garotos, assim a condenável erotização infantil não procede aqui. É difícil apontar quem é o protagonista. Todos têm fundamental importância na trama, mas obviamente Abigail é quem puxa o cordão dos espectadores. Saiu-se tão bem que até foi indicada ao Oscar de atriz coadjuvante. Quem recebeu a estatueta foi Alan Arkin com seu impagável vovô moderninho que se entope de heroína, só pensa em mulheres, mas no fundo é outro fracassado. Greg Kinnear também está muito bem e se destaca na cena de dança do concurso. Steve Carell é outro que pode ser considerado um chamariz apresentando um trabalho bem diferente do que está habituado, mas ainda assim divertidíssimo. Por fim, sobram Paul Dano e Toni Collette. Ele faz seu papel de mudinho quase todo o tempo muito bem, mas quando tocam no assunto dele ser daltônico exagera na dose. Deve ser a tal síndrome do grito preso na garganta se manifestando. Já a atriz é subaproveitada e poderia ter seu talento mais explorado. Sua personagem acaba suprindo as próprias neuroses em detrimento de apaziguar a dos outros. Todavia, no conjunto, todos se saem muito bem e emprestam a sinceridade e a honestidade necessária para tornar suas criações críveis, apesar de algumas situações que enfrentam beirarem o absurdo. Pequena Miss Sunshine é um produto animador para fazer aqueles que ainda acreditam que cinema independente é chato e paradão mudarem de ideia. Ele é uma bem-vinda derivação das comédias familiares de antigamente, mas com muito mais conteúdo e atrativos. Embarque sem medo na viagem dos Hoovers e divirta-se. 

Vencedor dos Oscars de ator coadjuvante (Alan Arkin) e roteiro original

Comédia - 101 min - 2006 

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