terça-feira, 12 de janeiro de 2016

CORAÇÕES EM CONFLITO

NOTA 6,5

Através de uma família, drama
aborda temas relevantes sobre o
mundo globalizado e moderno, mas
trama principal não cativa
Quando somos jovens fazemos muitos planos para o futuro, mas infelizmente a maior parte deles precisa ser abandonada para conseguirmos a realização de alguns poucos da lista. Por exemplo, quantas profissões sonhamos em seguir, mas no final das contas elegemos uma como oficial e uma ou outra atividade praticamos no máximo por entretenimento ou para ganhar alguns trocados? E quem nunca sonhou que quando finalmente tivesse independência financeira poderia fazer o que quiser sem dar satisfações a ninguém? É triste constatar, mas são poucos que concretizam totalmente suas vontades quando adultos. A vida é curta e antes mesmo de estarmos consolidados profissionalmente, paralelo a isso, a natureza humana e a própria sociedade cobram das pessoas um padrão de vida, ou seja, o interesse em formar uma nova família, o que acarreta muitos gastos e sucumbe boa parte dos sonhos individuais de qualquer chefe de família, que hoje em dia não precisa necessariamente ser representado por uma figura masculina. Dessa forma a felicidade inicial de qualquer relacionamento amoroso tende a pouco a pouco a ceder espaço para a melancolia proporcionada por uma rotina estressante de trabalho que tem como único objetivo a aquisição ou a manutenção de um padrão de vida estável, assim muitos casais acabam não conseguindo mais se entender e os reflexos são sentidos diretamente pelos filhos. São justamente as consequências dentro do universo familiar desse tipo de comportamento o foco de Corações em Conflito, uma tímida produção independente que chegou a ser indicada ao Urso de Ouro no Festival de Berlim, mas que teve uma recepção fria por parte da platéia e no Brasil aportou na surdina.  O repúdio por parte do público e cautela dos distribuidores tem justificativa. A estrutura narrativa criada pelo diretor e roteirista sueco Lukas Moodysson tenta ser algo próximo ao estilo de Crash – No Limite ou Babel, devido as ações fragmentadas e que intercalam situações, em geral dramáticas, que ocorrem com personagens que mesmo estando distantes geograficamente mantêm algum tipo de ligação entre si. O problema é que a trama que envolve o casal principal é das mais enfadonhas, porém, o dilema da empregada estrangeira compensa.

Em Nova York, Leo Vidales (Gael Garcia Bernal) é um bem-sucedido criador de um site sobre jogos eletrônicos e Ellen (Michelle Williams) é uma cirurgiã que não pensa duas vezes antes de colocar a vida de um paciente em primeiro lugar. Aparentemente eles formam o casal perfeito e feliz com direito a uma filha, a pequena Jackie (Sophie Nyweide), mas eles pensam muito mais em suas carreiras que no próprio cotidiano em família, tanto que a garota tem muito mais contato e identificação com sua babá filipina, Gloria (Marife Necesito), uma imigrante que teve que deixar os filhos em seu país natal em busca de um trabalho que lhe rendesse mais e assim pudesse oferecer uma vida melhor aos garotos. Quando Leo precisa viajar a Tailândia a trabalho, uma série de acontecimentos ao acaso acaba trazendo consequências a todos eles. O rapaz acaba precisando ficar mais tempo longe de casa e aproveita para explorar mais o país e acaba vivendo tardiamente um pouco da juventude que provavelmente perdeu em busca de seu ideal de futuro, assim ele se envolve no mundo da prostituição. Enquanto isso, sua esposa passa questionar a si mesma os rumos que deu a sua vida ao perceber o distanciamento que existe entre ela e sua filha, esta que acaba sendo coberta de mimos por Gloria que assim consegue matar um pouco das saudades que sente dos filhos pequenos Manuel (Martin Delos Santos) e Salvador (Jan David G. Nicdao), este último o mais velho e que num ato inconsequente acaba fugindo de casa sem pensar nas consequências para tentar conseguir algum trabalho e assim ter dinheiro para viajar para os EUA para rever a mãe. É justamente a trama que envolve o núcleo dos personagens mais necessitados em termos financeiros que salva este filme de ser algo totalmente descartável. Os exóticos cenários das Filipinas aqui são mostrados sob uma ótica mais realística e bem menos fantasiosa para ajudar a vender pacotes turísticos. A avó dos garotos (Maria Del Carmem) compreende o sofrimento da filha em estar longe deles há anos, mas sabe que ela está em busca do melhor para todos e por isso tenta ao máximo apaziguar a inquietude dos netos, principalmente de Salvador que por talvez ter convivido um pouco mais com a mãe que o irmão sente muita falta dela. Não bastasse o ambiente empobrecido em que vivem, a velha senhora chega a levar o garoto até um lixão para ele ter um choque de realidade e quem sabe assim compreender que Gloria está se sacrificando para que os filhos não precisem comer restos. Moodysson já havia demonstrado apreço por histórias que envolvam conflitos de infância em trabalhos anteriores, como Amigas de Colégio, e percebe-se aqui sua atenção especial. A relação entre uma criança e sua babá, o envolvimento dela com seus próprios pais e vice-versa, os problemas emocionais causados nos pequenos devido a falta de atenção de familiares, a inocência inerente a faixa etária brigando com uma maturidade forçada e até mesmo o trabalho escravo infantil, todos estes temas estão pincelados aqui.

E os Vidales? Qual a importância deles nesta trama? Bem, logo de cara fica nítido que eles estão aqui para levantar a bandeira de que dinheiro não é tudo na vida. Na correria do dia-a-dia e com a pressão de um relacionamento que caiu na rotina, fazer dinheiro passa a ser único objetivo de Ellen e Leo, o que implica em horas dedicadas por ela dentro de um hospital e ele preso a um escritório diante da tela de um computador. A americana de pele e cabelos claros casada com o latino que conseguiu progredir nos EUA, servindo de inspiração a empregada da família que também está fora de seu país de origem em busca de melhores condições de vida e de quebra ensinando o vocabulário e sua cultura típica à filha do casal. Uma família muito comum em solo americano e que representa o mundo globalizado. Mais que retratar estas famílias modernas, o longa ainda consegue fazer um interessante contraste de realidades. Enquanto a terra de Gloria é retratada com um colorido que realça a pobreza e as mazelas locais, o apartamento de Ellen é mostrado com cores tão frias quanto o hospital onde ela dá expediente, algo tão apático quanto o próprio perfil da personagem, diga-se de passagem, uma sensação acentuada pela atuação de sua intérprete. Longe desses climas tristes, Bernal passa quase todo o tempo em ambientes coloridos e aparentemente movidos a festas, bebidas e mulheres, vivendo literalmente como se estivesse em férias e solteiro, porém, em algum momento as lembranças de sua verdadeira realidade voltarão a se manifestar trazendo sua insatisfação a tona. Aliás, mais que apresentar um pequeno panorama do mundo globalizado, palavra que passa a falsa impressão de que todos estão no mesmo nível social, e mais que falar sobre a alienante vida que levamos em busca de um futuro ideal que não é tão perfeito assim, Corações em Conflito está aqui para fazer uma crítica implícita a modernidade e falar sobre a eterna insatisfação do ser humano. Quem pode levar uma vida de luxos, em determinado momento sentirá a falta da simplicidade. Quem vive sem boas perspectivas para o futuro, sonha com uma vida completamente oposta. Alcançando seus objetivos, seja subindo ou “descendo” de nível, estariam estas pessoas então felizes? Certamente não. Ai está a função do casal Vidales na trama. Eles precisaram se separar por um tempo e sofrer um baque (o clímax do longa) para se conformarem com a realidade que eles próprios construíram, mas ainda com chances de melhorarem seus cotidianos sem abrirem mãos de planos futuros. É preciso encontrar o equilíbrio, pois o sentimento de insatisfação é algo inerente ao ser humano e necessário para querermos continuar a viver.

Drama - 125 min - 2009

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Um comentário:

renatocinema disse...

Legal sua reflexão inicial. Quando jovens realmente sonhamos e imaginamos tantas coisas......que se perdem ao caminho.

Eu não conhecia esse filme. Mas, parece uma boa sugestão para minhas férias.