Nota 4 Misto de aventura épica e suspense sobrenatural não empolga e descarta material histórico
Um dia no céu, outro no inferno. A carreira de Nicolas Cage pode ser resumida no contexto desta curta frase. Sobrinho do cineasta Francis Ford Coppola, ganhador de um Oscar e sinônimo de sucesso na década de 1990, parecia que o ator sempre estaria no topo, mas passou por uma maré brava de azar. Já há um bom tempo seus filmes estão sendo fiascos de crítica e público, porém, contraditoriamente, ainda seu nome chama a atenção. A seu favor, sua imagem não está atrelada a um gênero específico, o que lhe garante uma sobrevida em Hollywood, mas é certo que Cage erra, erra, erra, mas parece não aprender e continua aceitando qualquer convite para atuar. Já não é uma crise de consciência aguda, já se tornou crônica. Todos os anos dezenas de produções de época são lançadas e muitas delas são bem piores que Caça às Bruxas, longa no qual o ex-astro de Hollywood vive Behmen, um soldado templário que lutou por vários anos nas Cruzadas acreditando que estava expulsando da Terra os inimigos de Deus, mas com o tempo perdeu a própria fé.
A decepção total veio após uma batalha na qual morreram muitas mulheres e crianças inocentes. Ao desistir de ajudar a Igreja em suas lutas pelo poder, nas quais precisou matar e saquear em nome da religião, Behmen encontra um mundo em degradação que sofre com a fome, a peste negra e outras mazelas. Ao lado de seu fiel escudeiro Felton (Ron Perlman), ele torna-se inimigo dos governantes e dos defensores da fé, para a tristeza do Cardinal D’Ambroise (Christopher Lee). Ao optar pela deserção do Exército de Deus, Behmen tornou-se um devedor diante dos defensores da fé e agora precisa reunir um grupo de pessoas para realizar uma última tarefa para liquidar seus débitos com a Igreja. Sua missão é levar uma jovem (Claire Foy) a um monastério distante onde será julgada pelas suspeitas de que ela seria uma bruxa. A moça é acusada de ter realizado um pacto com o demônio e assim levado a peste negra a um vilarejo. O caminho até o destino desta caravana será cheio de contratempos e a todo instante forças sobrenaturais parecem acompanhar tal trajeto, mas Behmen não desiste de cumprir sua missão e desafia o desconhecido para oferecer à garota um julgamento justo.
O diretor Dominic Sena aposta suas fichas no nicho sobrenatural. Entre paisagens escuras e estradas íngremes, é óbvio que muitas mortes vão acontecer, mas o grande herói desta história, o homem que luta pela justiça, ficará de pé para enfrentar literalmente a encarnação do Mal. A época medieval já rendeu excelentes obras cinematográficas em diversos gêneros, principalmente apoiadas em crenças religiosas e mistérios que envolvem o período como, por exemplo, a perseguição às mulheres consideradas bruxas. Ficcionais ou não, é fato que tais histórias conseguem por si só atrair público devido a grandiosidade de suas produções, mas é preciso tomar cuidado para tais enredos não se tornarem teóricos ou fantasiosos demais. É preciso haver um equilíbrio entre ser uma produção destinada a suprir uma aula de História e ser uma obra para puro entretenimento. O ideal é que estas duas linhas narrativas estejam unidas. Estes talvez sejam os pontos para a enxurrada de críticas negativas a esta produção. Primeiro, de grandioso o filme não tem nada, pelo contrário, visualmente ele não chama muito a atenção. Os minutos iniciais parecem ter sido estrategicamente planejados, com direito ao enforcamento de uma suposta praticante de bruxaria, uma breve explicação sobre como a Igreja controlava os fiéis e uma ambientação instigante, tudo para fisgar o espectador rapidamente, mas basta Cage entrar em cena para que o apuro técnico comece a se esvair gradativamente.
Muitas pessoas criticam que o visual adotado por Sena é muito próximo ao estilo dos épicos produzidos nos anos 1980, em outras palavras, muito pobre e sem brilho, mas ele é bem mais realista que muitas superproduções que usam e abusam de efeitos 3D e outras firulas. O estilo retrô até dá um charme a mais ao filme e não deve ser encarado como um problema, mas sim como uma opção estética válida. O problema mais visível neste quesito é que o clima sombrio por algumas vezes é quebrado por relances de luz aparentemente não intencionais, o que configura um erro do diretor e que poderia ter sido corrigido na fase de edição através da computação gráfica. Aliás, falando em direção, vale ressaltar que tal crédito deve ser dividido com Brett Ratner, embora essa informação não conste na própria ficha técnica do longa. Ele foi chamado de última hora para refazer algumas cenas após uma mal sucedida exibição teste da versão original. Se após os reparos de urgência a produção já foi surrada pelas críticas especializada e popular imagine como seria se chegasse ao público da maneira como foi concebida. Quanto ao enredo, outro ponto de discórdia, o roteirista Bragi Schut não merece totalmente as duras críticas. Aparentemente, nunca foi seu objetivo se aprofundar no caráter histórico da trama, deixando ele em segundo ou talvez até em terceiro plano. A intenção seria dar uma nova roupagem ao estilo épico, geralmente calcado em dramas e aventuras.
A adoção do suspense combina com o período retratado e a trama procura reunir os principais elementos que compõem um bom filme do gênero, todavia, Schut perdeu o fio da meada e a edição e a direção acabaram comprometendo ainda mais a narrativa. É um pouco difícil se envolver com esta obra que por vezes é arrastada e quando deveríamos roer as unhas de tensão não sentimos absolutamente nada, a não ser tédio. O grande equívoco do roteiro na verdade é não explorar o tema das bruxas satisfatoriamente. A garota que desencadeia a última tarefa de Behmen para a Igreja é apenas uma desculpa para o filme existir. Ela é representada como um personagem vazio e não temos informações suficientes sobre a jovem para participarmos de seu drama, para julgarmos se ela é ou não uma bruxa. O que resta, portanto, é esperar pelas cenas de batalhas que, diga-se de passagem, não são muitas, sendo que o ápice do longa poderia ser bem melhor e dispensar as malditas trucagens de computação. Tentando se equilibrar entre cenas de ação pouco inspiradas e outras recheadas com diálogos que deveriam ser sérios, o fato é que Caça às Bruxas cumpre o que promete resultando em um passatempo sem compromisso com a seriedade. A culpa do resultado desastroso não deve ser depositada totalmente em Cage, mas sim divida com toda a equipe. Todos tiveram alguma parcela de culpa, seja por falta de perspectiva, escolhas erradas ou pura preguiça, mas é errando que se aprende.
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