Nota 7 De maneira descompromissada, longa aborda um tema sério e pouco discutido socialmente
É da natureza da grande maioria dos brasileiros levar tudo com certo bom humor, mesmo com todos os problemas e frustrações. Tentar enxergar nas adversidades sempre algum fator positivo, ainda que mínimo, é o que motiva as pessoas a seguirem em frente e lutar pelos seus sonhos. Esse ponto de vista reflete diretamente em nosso cinema, algo justificado pelo sucesso de produções de humor popular, aquelas com jeitão de novela, e é curioso observar como diversas dessas obras colocam o dinheiro em destaque como sinônimo de status e sucesso. Até Que a Sorte Nos Separa, Um Suburbano Sortudo e Tô Ryca! são alguns exemplos, tendo em comum o fato de serem protagonizados por pessoas de origem mais humilde que de uma hora para outra ficam milionários e não sabem como administrar o dinheiro. Desapega! é mais um título a engrossar a lista, mas o diretor Hsu Chien, taiwanês radicado no Brasil, propõe um viés diferenciado ao tratar da compulsão por compras da classe média, assim o deslumbramento pelo luxo e extravagâncias das citadas produções cedem espaço a uma problemática mais complexa, porém, inserida numa narrativa leve e divertida.
A viúva Rita (Glória Pires) está há sete anos sem cair no vício em compras e aceita voluntariamente liderar o grupo de apoio a compradores compulsivos do qual ela própria fez parte e levou o que aprendeu até para sua vida profissional. Ela hoje vive de ajudar outros acumuladores a desapegarem de tudo aquilo que não precisam mais, porém, com certo toque de decoradora para dar novos ares a ambientes com energia estagnada, assim por tabela também ajuda seus clientes a elevarem a autoestima. Tudo ia de vento em popa até que ela descobre que Duda (Maísa Silva), sua única filha, conseguiu uma bolsa de estudos num conceituado curso de fotografia em Chicago, o que obrigará a jovem a sair de casa por pelo menos três anos. Para uma mãe coruja tal notícia é uma mescla de satisfação e frustração. Rita se acostumou com uma rotina ao lado da filha e agora teme que a solidão lhe desperte gatilhos para voltar a comprar em excesso, um vício que já lhe tirou praticamente tudo no passado.
Mesmo com esse problema em casa, Rita vê a oportunidade de coordenar o grupo de apoio como um exercício para si mesma, afinal precisaria se esforçar para dar o exemplo aos demais integrantes, Gisélia (Malu Valle), Rômulo (Wagner Santisteban), Sylvia (Polly Marinho), Cibele (Carol Bresolin) e Otávio (Marcos Pasquim). Da simples compulsão por comprar grampeadores à necessidade de ter tudo que é tranqueira que possa ser revertida em visualizações e likes na internet, cada participante está lá por um motivo particular, sendo curioso o caso de Otávio (Marcos Pasquim) que gasta aos montes não com coisas para ele, mas sim para presentear. A convivência entre esse homem e a coordenadora acaba por fazer renascer o amor em ambos, que tentam esconder a relação o quanto podem até que Duda descobre tudo, porém, fica feliz e incentiva a mãe a namorar, mas desconhece como eles se conheceram. Claro que chega um momento que Rita se descontrola, volta ao vício de compras e então lhe cai a ficha que a união de dois compulsivos não daria certo, mas aí é tarde demais, pois ela perdeu todo o dinheiro que seria destinado à viagem da filha.
O roteiro, escrito pelo diretor em parceria com Leandro Matos, consegue construir uma relação familiar que fará com que os espectadores se identifiquem e desenvolve suas piadas sobre o consumismo exagerado e as relações familiares de modo criativo e bem humorado. À temática do vício se somam os conflitos entre gerações e uma crise de meia-idade em ambiente de trabalho. Otávio é um funcionário que dedicou sua vida a uma empresa, assim como seus colegas de trabalho, e agora todos eles vivem com receio de serem substituídos por funcionários mais jovens. Entre os novatos está Guto (Matheus Costa), que além de se tornar inocentemente um desafeto do compulsivo por presentes, também é o namorado de Duda. São hilárias as cenas da dupla cujos intérpretes demonstram ótimo timing para comédia, assim como o elenco escolhido para dar vidas aos demais compulsivos que também divertem com situações irreverentes. Todavia, quando Pires está em cena rouba naturalmente as atenções para si. É difícil não se sentir tocado pelas cenas em que sua personagem abre os braços para cuidar de cada um ao seu redor ou não se identificar com os percalços de sua personagem. Quem prestar atenção pode até conseguir colocar em prática algumas técnicas ensinadas para controlar impulsos diante das sedutoras palavras oferta, desconto, liquidação...
Ao imprimir um tom leve e divertido a um assunto sério e pouquíssimo debatido socialmente, Desapega! cumpre o papel social do cinema em levar o público a refletir, afinal a compulsão por compras é vista por muitos como um problema de pessoas fúteis e endinheiradas, quando na verdade trata-se de um problema emocional sério que pode atingir a todos, independente da classe social, e ainda desencadear outros males como prejuízos financeiros e até a demência. Ainda que um bazar seja visto com a solução para Rita recuperar o dinheiro da viagem da filha e mostrar que é sempre possível se reerguer, o filme também planta na cabeça e coração do espectador a semente da solidariedade incentivando a doar as coisas que não tem mais serventia e até ressignificá-las, como compreender que guardar os pertences de uma pessoa falecida não trará ela de volta e que não é preciso os ter para preservar memórias. Rir e se emocionar felizmente são de graça e só dependem de lembranças afetivas que não ocupam espaço físico e nem acumulam pó.
Comédia - 90 min - 2022
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