Nota 2 Pegando carona no sucesso alheio, comédia tem texto enfadonho e atuações desmotivadas
Até crianças devem saber o significado da expressão popular comprar gato por lebre, mas parece que os envolvidos na produção de Divã a 2 o desconhecem. Ou são assumidamente caras-de-pau! Utilizando o mesmo estilo de diagramação e cores para seu material publicitário, e ainda destacando em seu título o dois em numeral, muito facilmente qualquer desavisado ao ver alguma propaganda desta comédia pode acreditar que seja a continuação do grande sucesso Divã estrelado por Lilia Cabral alguns anos antes. Fique bem claro, os longas são totalmente independentes, nada a ver um com o outro. A produtora detentora da marca provavelmente queria iniciar uma franquia cujo alicerce seria apenas o argumento, assim não tendo a necessidade de recorrer a uma mesma equipe de trabalho o que poderia inviabilizar projetos. Do longa citado só sobrou a proposta de personagens problemáticos com a necessidade de conversarem, extravasarem suas emoções. Contudo, sai de cena os conflitos de uma mulher madura e entra no lugar os dilemas amorosos de uma balzaquiana, ou seja, o diferencial é trocado pelo trivial.
Elenco, direção e roteiristas foram substituídos por sangue novo, o que no caso não significa necessariamente que temos novidades. Se no longa de 2009 tínhamos uma história consistente, aqui temos que nos contentar com um fiapo de enredo, uma desculpa esfarrapada que os roteiristas Leandro Matos e Saulo Aride encontraram para conseguirem pagar suas contas. A ocupadíssima médica ortopedista Eduarda (Vanessa Giácomo) e o hiperativo produtor de eventos Marcos (Rafael Infante) casaram-se e tornaram-se pais muito jovens e, como tantos outros casais com trajetórias parecidas, estão vivendo uma crise precoce no relacionamento. Separados após dez anos de convivência, cada um procura individualmente resolverem seus conflitos com a ajuda de terapeutas. Enquanto desabafam, o público vai tomando conhecimento de suas vidas através de flashbacks, como se os discursos deles próprios já não fossem o suficientes para entendermos suas situações. É o velho hábito do cinema nacional em entregar tudo mastigadinho ao público, este que por vezes não percebe que sua inteligência está sendo subestimada.
Chegado o momento do divórcio em comum acordo, eis a brecha para a aparição dos grandes amigos, aqueles que deveriam aconselhar e torcer pela reconciliação do casal. No entanto, Marcos é levado por seus camaradas a simplesmente entender que agora solteiro tem que mandar às favas os escrúpulos e cair na gandaia. E assim o faz. Noite após a noite ele bebe todas e caça mulheres desesperadamente. Sua ex-mulher também não recebe apoio muito diferente. Isabel (Fernanda Paes Leme), sua melhor amiga, quer ajudá-la a recuperar o tempo perdido induzindo-a a ir para cama com tudo quanto é homem que lhe dedicar um pouco de atenção. Na verdade essa moça faz o papel do advogado do diabo tentando a todo custo manter Eduarda separada, como se tivesse um pé atrás com seu antigo marido, mas nada que o roteiro se preocupe em explicar. Em uma de suas tentativas de ajudar, ela apresenta para a amiga o simpático Leo (Marcelo Serrado), por quem a garota se apaixona de imediato e é correspondida. Por incrível que pareça, justamente esse repentino relacionamento é o que o filme traz de melhor apresentando uma construção gradual dos sentimentos dos personagens, ainda que em edição ligeira. Os primeiros encontros a sós cheios de romantismo, depois os programas em família (o rapaz também tem uma filha) e só depois de algum tempo eles vão dividir a mesma cama.
Quando Eduarda sente-se plenamente feliz é que surge o grande conflito do texto. Cansado das noitadas, e muito enciumado ao saber que a ex está namorando, Marcos decide reconquistá-la cercando-a como pode e uma revelação pode abalar a relação da moça com Leo, aquele que acreditava ser o último romântico existente na Terra. Não é nada bombástico do ponto de vista do espectador, mas para quem está no olho do furacão... O diretor Paulo Fontenelle deveria tornar rotineira a ação de submeter seus trabalhos a sessões de teste, aquelas em que um grupo restrito assiste e pontua os pontos fortes e os fracos de um filme. Seria necessário um calhamaço de papel para cada espectador poder apontar o que devia ser melhorado antes do lançamento, de quebra, ele próprio refletir sobre sua carreira. Os problemas já começam na escalação do elenco. Giácomo e Serrado não comprometem a narrativa, mas também não se esforçam, até porque o outro vértice do triângulo amoroso não consegue se encaixar. Conhecido humorista de shows stand up e de programas de humor, Infante tem dificuldades para atuar seriamente. Parece segurar o riso constantemente e nem quando esbraveja e solta palavrões convence. Só não sabemos se ele está contendo seu bom humor habitual ou evitando tirar sarro dos sofríveis diálogos.
Os coadjuvantes que poderiam dar alguma credibilidade também são desperdiçados. E não estamos falando da tal Isabel que causa repulsa com seu jeito libertino e tampouco da descartável participação do dublê de cantor e ator Fiuk como Carlinhos, um dos affairs que a ortopedista descola. A talentosa Totia Meirelles vive Cristina, a mãe de Eduarda, mas está no enredo apenas para cumprir o papel da avó que fica com o netinho para a filha poder ir passear. Já Guilherme, vivido por George Sauma, tem uma divertida cena logo no início fazendo a ponte de comunicação entre sua chefe Eduarda e Marcos, evidenciando o abismo que existe entre o casal, todavia, o personagem fica sem função o restante da fita. Os roteiristas, como de costume nas comédias brasileiras, distribuíram mal as cenas e o pessoal da edição tratou de piorar o que já estava ruim. As passagens de cena são rápidas, a inserção dos protagonistas conversando com os terapeutas quebram o clima já um tanto frágil e é constrangedor ver a câmera dando um close em um pote de creme para cabelos em uma cena desnecessária. E esse não é o único merchandising, tem espaço até para publicidades institucionais. É triste ver que o cinema no Brasil ainda depende de anunciantes que não se contentam em ver seu logotipo antes do filme começar e exigem que suas marcas tenham algum destaque durante a projeção, fato que só ajuda o longa a ficar datado e ridicularizado. Infelizmente, Divã a 2 nasceu fadado ao esquecimento.
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