Nota 7 Longa argentino tem como tema a superação da dor da perda, mas não chega a emocionar
Já faz algum tempo que a Argentina é reconhecida como um grande pólo da indústria cinematográfica. Pode não estar em pé de igualdade com outros países como a Espanha em termos de quantidade de produções, mas quanto a qualidade do que produz não se pode questionar. O Filho da Noiva, Clube da Lua e Um Conto Chinês são alguns exemplares portenhos que fizeram sucesso mundial, muito graças a presença do ator Ricardo Darín cujo nome já faz uma propaganda expressiva naturalmente, mas também sem sua presença o cinema argentino felizmente consegue respirar. O tragicômico Viúvas é um bom exemplo narrando o embate entre duas mulheres cujas vidas se entrelaçam irremediavelmente a partir da morte de Augusto (Mário José Paz), que antes de partir faz um pedido um tanto desconcertante para Elena (Graciela Borges), sua amada e fiel esposa.
Encarecidamente o moribundo pede que a companheira cuide de Adela (Valeria Bertuccelli), ninguém menos que a amante, muitos anos mais nova, e que a mulher oficial acabara de conhecer nos corredores do hospital aos prantos. A premissa parece digna de uma comédia, com as duas viúvas vivendo a partir de então em pé de guerra, mas o diretor Marcos Carnevale, do divertido e sensível Elsa e Fred - Um Amor de Paixão, consegue tecer o argumento no campo dramático lançando mão de recursos previsíveis e lacrimejantes dignos de um novelão mexicano, mas nada que comprometa o interesse graças a força e veracidade da interpretação de Borges. Em nome do amor, Elena precisa aprender a lidar com o orgulho e cuidar da rival que, como o próprio marido a descreveu em seu leito de morte, não tem dinheiro, é frágil, instável emocionalmente e não sobreviveria ao luto sozinha. Após uma situação que poderia ter tido um desfecho trágico, a viúva oficial decide levar a jovem desamparada para passar uns tempos em sua casa, esta que a todo custo quer estabelecer uma relação harmoniosa a fim de manter seu vínculo com Augusto aceso de certa forma.
Forçar a convivência entre perfis opostos é aposta certa para geração de conflitos. Companheira legítima versus amante, uma madura e apresentando sinais da idade e a outra jovem e exalando frescor, uma rica e a outra pobre, uma equilibrada emocionalmente e a outra com sentimentos contraditórios em ebulição. Carnevale, também roteirista, se cerca de opções que podem se tornar pontos de discórdias entre as protagonistas, mas evita a simplicidade e constrói a trama com cautela, tanto que demora aproximadamente uma hora para aproximar as rivais definitivamente. Nesse meio tempo elas se esbarram diversas vezes, ora conversam civilizadamente e ora trocam farpas, e é curioso que a relação entre elas vai ganhando contornos de rivalidade entre mãe e filha, com Adela se tornando cada vez mais invasiva.
Bertuccelli se esforça para construir a imagem crível de uma mulher com tendências suicidas, mas segue um caminho bastante óbvio e por vezes beira o histrionismo. Já Borges, diva do cinema argentino, consegue se destacar adicionando emoções genuínas à sua criação, mantendo uma expressão rígida e centrada, mas no fundo se debulhando em lágrimas. Ela só se permite extravasar emoções quando está sozinha e procura refúgio no trabalho o quanto pode. Curiosamente, a cinquentona que ganha a vida como documentarista, está fazendo em paralelo um trabalho colhendo depoimentos de mulheres falando sobre como o amor pode ser doloroso. Talvez ninguém melhor que ela neste momento para tal reflexão. Para enfrentar a fase turbulenta, Elena conta com a ajuda de Esther (Rita Cortese), sua temperamental colega de trabalho e conselheira e também responsável por adicionar humor ao enredo.
Também vale destacar Justina (Martín Bossi), a secretária do lar de Elena, uma travesti livre de trejeitos espalhafatosos, uma personagem digna de um filme da grife Pedro Almodóvar. Com uma desconcertante sinceridade, que vira e mexe cria atritos com a patroa, no fundo é uma pessoa boa e talvez a mais equilibrada de todo o elenco. Como acobertava a relação adúltera de Augusto, ela quem acaba fazendo a ponte entre as viúvas, jamais crucificando ou glorificando uma ou outra, sendo apenas ponderada em suas opiniões. Viúvas certamente não figura entre as melhores produções do cinema argentino, mas ganha pontos ao abrir mão do clichê de que um novo amor é o melhor remédio para a carência. Da mesma forma que Augusto precisava se sentir amado por duas mulheres elas também tem a necessidade de manter viva a sua memória para seguirem em frente.
Drama - 103 min - 2011
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