domingo, 21 de novembro de 2021

MUDANÇA DE HÁBITO 2 - MAIS LOUCURAS NO CONVENTO


Nota 6 Afastando-se um pouco da ideia original, longa esbarra em protagonista domada e emotiva


Produções de humor costumam render continuações. Muitas delas tem potencial para tanto, mas a demora para se tirar a ideia do papel e problemas para reunir novamente ao menos parte do elenco original acabam jogando por água abaixo as intenções. Mudança de Hábito 2 – Mais Loucuras no Convento é um caso raríssimo. Parece que os produtores confiavam tanto no sucesso do primeiro que nem esperaram seu lançamento para trabalharem em cima de um novo filme. A sequência foi lançada em tempo recorde, cerca de um ano depois, mantendo os principais nomes do elenco mesmo com a mudança de direção. Bill Duke assumiu a vaga de Emile Ardolino que faleceu exatamente em 1993, mas o diretor já estava descartado do projeto talvez por conta dos boatos de que a estrela Whoopi Goldberg enfrentou muitos problemas de bastidores nas filmagens anteriores. Para vestir novamente o hábito da irmã Mary Clarence ela ganhou uma pomposa quantia de milhões de dólares, mas isso não impediu que Maggie Smith, Kathy Najimi e Wendy Makkena reassumissem seus papéis mesmo com pagamentos bem menores. 

Partindo de onde o primeiro filme acabou, Deloris Van Cartier (Goldberg) obviamente não poderia seguir carreira religiosa, mas sua passagem pelo convento não foi em vão. Agora ela se dedica a shows em Las Vegas com repertório gospel vibrante e até suas amigas freiras fazem questão de ir prestigiá-la, mas não vai demorar muito para ela trocar seu hábito purpurinado pelo tradicional. Ela é convidada pela Madre Superiora (Smith) para que passe a ensinar canto em uma escola religiosa para uma turma de alunos indisciplinados. A ideia é que o jeito despojado da cantora facilite a comunicação e ajude os jovens a voltarem a se interessar pelos estudos. Assumindo novamente o papel da irmã Clarence ela se depara com uma turma de jovens que vivem em bairros pobres e descrentes de que a educação pode lhes oferecer um futuro melhor. Tyler (Christian Fitzharris) é o jovem bajulador e sarcástico da turma; Richard (Ron Johnson) prefere desenhar durante as aulas; Westley (Ryan Toby) é meio complexado por ser negro, mas defende a cultura black como ninguém; Frankie (Devin Kamin) é o branquelo metido a rapper da classe; e, por fim, Rita (Lauryn Hill) é a adolescente valentona e sem papas na língua. 


Clarence chega à sala de aula tentando colocar ordem na bagunça, mas para alunos que acham que basta responder a chamada já é o bastante para justificar sua ida à escola, todos acreditam que ela não vai aguentar muito tempo. Logo começam as previsíveis e típicas brincadeiras para enlouquecê-la e até a Madre avisa a falsa-freira que ela compreenderá caso resolva desistir de colaborar, afinal ela própria tem consciência de que o mundo adornado de luzes e paetês é bem mais agradável de ver do que aquele cotidiano triste em que adolescentes se afundam dia após dia diante da falta de perspectivas. A cantora estava prestes a desistir, mas uma notícia lhe faz pensar melhor. O Padre Maurice (Barnard Hughes) está com problemas para manter a escola, a única do tipo religiosa oferecida gratuitamente à comunidade, mas a queda no número de doações pode complicar sua manutenção. Além disso, o Sr. Crispi (James Coburn), o dono do prédio em que ela funciona, quer derrubá-la para ceder o terreno a um estacionamento e até aconselha o padre a se aposentar. Até então o diretor desconhecia o passado pecaminoso da professora de música, mas a Madre o convence a permitir que ela continue na instituição até o seu fechamento, pelo menos assim os últimos dias seriam mais alegres. 

Clarence e as demais professoras fazem um pacto de tentar oferecer o melhor ensino possível independente de quanto tempo teriam, mas os alunos mostram-se resistentes ao repentino regime disciplinar. As coisas começam a mudar quando a cantora começa a conversar de igual para igual, mostrando que compreende o universo dos alunos e os incentiva de que podem ser pessoas boas desde que cada um construa sua própria personalidade e busquem objetivos a cumprir. A música então se torna o principal instrumento para essas transformações. Clarence descobre que no passado o colégio tinha tradição de vencer concursos regionais de música, então convence o diretor a voltarem a participar. Se perdessem a instituição encerraria sua trajetória de modo digno, mas haveria a chance de com a projeção do evento os fiéis voltassem a fazer doações. Procurando não desrespeitar o enredo original, os roteiristas James Orr, Jim Cruickshank e Judi Ann Mason até realizam um trabalho acima da média para uma sequência. O problema é que aqui temos bem menos situações de humor e um apreço maior pelo drama. Por exemplo, a rebelde Rita surpreende e demonstra muito talento vocal e Clarence procura incentivá-la a se dedicar ao coral da escola. A garota aos poucos começa a ser domada, mas o roteiro então passa a focar as razões de ela ser tão arredia. Florence Watson (Sheryl Lee Ralph), sua mãe, trata de desestimular os sonhos dela dizendo que música não traz futuro aos pobres. O próprio bairro em que vivem não estimula os jovens a sonharem, mas ainda bem que o diretor não vai muito além do necessário para compreendermos o conflito. 


Sabemos o quanto a realidade das periferias é dura e que a tendência é que adultos com vidas sofridas passem a mesma impressão negativa às novas gerações. É uma pena que nem sempre encontramos uma mão amiga para evitar que nos afundemos na lama. Talvez essa pegada melancólica tenha sido o grande problema de Mudança de Hábito 2 – Mais Loucuras no Convento que não corresponde as expectativas de quem esperava mais uma esfuziante interpretação de Goldberg. São poucos os momentos realmente engraçados, como a apresentação que as freiras fazem no meio da rua para arrecadar dinheiro ou uma rápida piada envolvendo a atriz Sally Field que interpretou a protagonista do seriado "A Noviça Voadora". A produção de forma alguma é desprezível, pelo contrário, pode ser rotulada confortavelmente como um legítimo filme-família. Até os momentos piegas são toleráveis, mas a mudança de comportamento de Deloris incomoda. Seu egocentrismo e espírito crítico foram suplantados por uma benevolência assustadora. Ela sendo a alma da história, é justificado o porquê desta segunda parte não ter repetido o sucesso financeiro e de avaliações e abortado a possibilidade de um terceiro episódio... Isso até a chegada dos streamings que promete ser a nova casa das continuações tardias.

Comédia - 98 min - 1993

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Um comentário:

Silvia Freitas disse...

Este filme até é legalzinho, mas o primeiro é muito melhor.