Nota 3 Reunindo características dos trashs movies, longa diverte se não for levado a sério
Os filmes trashs marcaram a década de 1980. Com o advento do videocassete, o que era proibido no cinema tornou-se de fácil acesso. Assim os adolescentes ávidos por sangue que antes precisavam estar acompanhados de algum responsável para curtir um terror podiam finalmente matar a vontade de ver corpos dilacerados banhados à catchup o quanto quisessem. Além dos populares seriais killers, faziam sucesso os filmes de monstros e animais geneticamente modificados como aranhas gigantes ou piranhas assassinas. Tais temas também foram muito populares entre os anos 1950 e 1960, quando os americanos e o mundo como um todo passava por períodos difíceis com muitos conflitos políticos e religiosos que geravam mortes e violência, um clima tenso que não difere muito de nossa atualidade. Se a vida real já era assustadora, o cinema saía prejudicado. O que pode ser mais assustador que colocar o pé para fora de casa e não saber se voltará vivo no fim do dia? Sendo assim, terror e comédia foram unidos para agradar plateias que buscavam momentos de alívio para a tensão do dia-a-dia. O gênero trash nunca saiu da moda, mas é certo que vive de altos e baixos. Embora muitos destratem esse tipo de filme, há também um público fiel que adora se divertir com bobagens do tipo Anaconda, Do Fundo do Mar, Pânico no Lago e Morcegos, este último uma produção B que no geral até que cumpre seus objetivos e transforma seus defeitos em qualidades, tornando-se uma opção acima da média do subgênero.
Você deve estar pensando que só louco para curtir algo do tipo, mas se não levarmos a sério tal produto é possível sim se divertir. Certamente o diretor Louis Morneau já pensou em conceber este trabalho como um legítimo trash movie, não foi uma obra do acaso o resultado final. A premissa do longa até que é bem interessante. Se no passado o cultuado Alfred Hitchcock fez sucesso apavorando plateias com pássaros aparentemente inofensivos, por que com outros seres voadores a receita não daria certo? Todavia, deu errado mesmo! A resposta para o fracasso nas bilheterias e de repercussão deste trabalho de Morneau é fácil. Sai de cena a criatividade e o estilo próprio do mestre do suspense e entra no lugar a coletânea de clichês dos filmes de terror para adolescentes, em outras palavras, sustos previsíveis e sangue aos montes, ainda que neste caso alguns litros de molho de tomate foram poupados. É perceptível que as intenções não era transformar este trabalho em uma carnificina sem propósito, sendo que temos apenas uma longa e frenética sequência de destruição da cidade, mas digamos que o viés escolhido não favoreceu em nada a narrativa que acabou refém de uma fórmula muito conhecida.
A trama já começa mostrando a que veio sem guardar surpresas. Um casal de jovens é atacado por um bando de morcegos enfurecidos mesmo estando dentro de um carro. O caso não é um problema isolado. A pequena cidade de Gallup, localizada no Texas, está sob a ameaça destas criaturas. Sem saber como resolver o problema, Tobe Hodge (Carlos Jacott) pede ajuda à zoóloga Sheila Casper (Dina Meyer), uma especialista no assunto. Ela sabe que esse tipo de animal pode até atacar um humano, mas dificilmente matá-lo ou dilacerá-lo, já que não se alimentam de carne, assim passa a pesquisar mais sobre o caso e descobre que os morcegos foram geneticamente modificados por Alexander McCabe (Bob Gunton), um cientista que também está colaborando na captura deles, mas com o objetivo de continuar estudando os seus comportamentos. Estas criaturas foram usadas em uma experiência do governo, tornaram-se mais agressivos e inteligentes e aparentemente fugiram do laboratório. Agora Sheila, ao lado de Jimmy Sands (León), seu assistente, e de Emmett Kimsey (Lou Diamond Phillips), o xerife da cidade, precisa correr contra o tempo antes que os morcegos destruam tudo e procriem ainda mais.
Embora possua tramas com elementos parecidos, o que distingue o clássico Os Pássaros deste execrado Morcegos? Hitchcock construiu sua perturbadora narrativa simplesmente construindo clima, indo da calmaria ao suspense extremo respeitando uma cadência de emoções, preparando o espectador para levar sustos. Já Morneau aposta em edição frenética, muita ação, barulho e pouco suspense. Além da ausência de clima de tensão, outro fator que nos faz diminuir os valores de filmes cujos vilões são morcegos, cobras, crocodilos entre outros animais peçonhentos e asquerosos é justamente o fato de que eles por si só já nos passam a sensação de medo, não precisam nem da modificação genética para serem tachados de monstros. Essa sensação de pavor que automaticamente sentimos é bem diferente se, por exemplo, tivéssemos em cena gatinhos ou cachorrinhos que de uma hora para a outra começassem a atacar a vizinhança (a idéia é bizarra, mas o mal viria de onde menos esperássemos). A caracterização dos morcegos é um outro ponto discutível. Tudo bem que poucos sabem como esses animais são detalhadamente, mas é impossível ao menos não esboçar uma risadinha quando a câmera dá um close nos seus rostos e fica evidente que são bonecos de borracha animados.
Entre erros de continuidade e alguns detalhes absurdos, muitos também apontam o elenco e seus personagens como uma das deficiências desta produção. Nesse tipo de suspense de cidade pequena sabemos que é de praxe ter um vilão estereotipado, um xerife metido a esperto, uma dama bela e corajosa e vários coadjuvantes para serem limados conforma a história avança, mas até estas mortes estratégicas tornam-se divertidas, pois não temos a mínima noção de quem são as vítimas, não há envolvimento emocional. Aliás, até a possibilidade de um romance entre Phillips e a careteira Meyer não existe, assim o grand finale não é com um beijo apaixonado dos protagonistas, mas recorre-se a um outro clichê que deixa um gancho para possíveis continuações. E essa é a receita desta milésima versão da eterna batalha entre homens e as forças da natureza. Efeitos especiais ruins, elenco fraco, piadinhas sem noção e roteiro previsível garantem uma divertida sessão para relaxar, isso se você for espirituoso e levar tudo na brincadeira. Só por curiosidade: quem achou que o roteirista desta pérola, John Logan, deveria ser assassinado ou no mínimo estar preso em um manicômio, saiba que em seguida ele escreveu o cult Um Domingo Qualquer e o premiado Gladiador. Quem diria...
Terror - 91 min - 1999
Um comentário:
Um filme trash em sua essência. Um dos últimos em que Lou Diamond Phillips brilha.
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