terça-feira, 2 de janeiro de 2018

SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO (1999)

NOTA 7,5

Visualmente belo e com elenco
afiado, adaptação de obra clássica
derrapa ao ser fiel demais ao texto
original, mantendo o tom rebuscado
William Shakespeare escreveu suas obras para o teatro visando um entretenimento de aura única. Cada vez que alguém assistisse uma peça sua viveria uma emoção diferente dependendo de seu estado de espírito, quem estivesse na plateia e até mesmo o envolvimento do elenco com o trabalho no dia. Já o cinema tratou de massificar suas obras, ou seja, levá-las a uma quantidade de público muito maior e que teoricamente dividiria as mesmas percepções inúmeras vezes, afinal o conteúdo estaria registrado em uma versão única. Bobagem! Embora estudiosos de artes e filosofias afirmem que a massificação da cultura padroniza emoções e tira o brilho dos trabalhos, a verdade é que um filme pode sim gerar diversas interpretações e sensações mesmo sendo para todos os efeitos um registro intocável. Por exemplo, como teria sido a adaptação de Sonho de Uma Noite de Verão lançada em 1999 caso o projeto estivesse nas mãos do cineasta Kenneth Branagh, especialista no universo shakespeariano? A julgar por suas elogiadas versões de Hamlet e Muito Barulho Por Nada talvez o projeto tivesse conquistado seus objetivos de encantar crítica e público, mas o diretor e roteirista Michael Hoffman infelizmente não obteve sucesso talvez pelo medo de desrespeitar o legado do mestre literário e se ater a simplesmente fazer um teatro filmado, mas com apuro técnico e visual invejáveis. O roteiro traz três histórias diferentes que se cruzam. A primeira é protagonizada por Hermia (Anna Friel), filha de nobres que foi prometida para Demetrius (Christian Bale), mas ela está apaixonada por Lisandro (Dominic West), rapaz reprovado pelo pai dela, Teseu (David Strathairn). Para viverem o amor proibido, os jovens planejam fugir com a ajuda de Helena (Calista Flockhart), a melhor amiga da jovem. A moça é justamente apaixonada pelo pretendente rejeitado, porém, o rapaz não dá a menor bola para as suas insistentes declarações de amor. Por uma confusão, o quarteto vai parar na floresta onde a segunda trama se desenvolve mostrando um grupo de trabalhadores que está em meio aos ensaios de uma peça teatral liderados pelo tecelão Nick Bottom (Kevin Kline).

Por fim, o terceiro e mais fantasioso gancho apresenta o desentendimento entre o rei dos duendes Oberon (Rupert Everett) e Titania (Michelle Pfeiffer), a rainha das fadas, tudo porque ela está se dedicando a cuidar de um menino indiano do qual ele não gosta. Para dar uma lição nela, o elfo arma um plano com Robin Gooffellows, também conhecido como Puck (Stanley Tucci), um duende trapalhão. O que fará com que os caminhos de todos esses personagens se cruzem são as trapalhadas de um cupido e suas flechas encantadas cujos corações tocados não serão correspondidos exatamente por quem se esperava. Lançado na mesma época  do polêmico Clube da Luta e tendo que lutar por espaço nos cinemas em meio a avalanche de fitas sobre o fim do mundo e temas demoníacos que se aproveitaram do medo do tal bug do milênio, infelizmente esta comédia romântica leve e onírica passou em brancas nuvens. A obra já havia ganho uma famosa versão cinematográfica na década de 1930 e inspirou outros diversos filmes, peças e produções de televisão, mas esta adaptação do final do século 20 preferiu se ater ao texto original evitando descaracterizá-lo tal qual pouco antes Romeu + Julieta tentou fazer modernizando um clássico para fisgar as novas gerações. Elaborada há mais de cinco séculos, a verdade é que o conteúdo desta obra é atemporal, afinal em sua essência está a discussão do amor, até onde alguém estaria disposto para viver uma grande paixão. Hoffman, de O Outro Lado da Nobreza, é um devoto de Shakespeare a julgar que ele próprio interpretou Lisandro em uma peça quando jovem, estudou teatro renascentista em Oxford e por anos se dedicou a curadoria de um festival em homenagem ao dramaturgo. Com toda essa intimidade com o universo shakespeariano ficou mais fácil se ater ao linguajar rebuscado dos escritos originais, mas isso não impediu algumas modificações em outras frentes para deixar o projeto mais comercial. Para começar a ação foi deslocada de Atenas, na Grécia do século 16, para a Itália do final do século 19, cenário perfeito para estimular o público com belas tomadas oníricas. O diretor explora muito bem não apenas as paisagens naturais e os cenários requintados, mas também enche os olhos do espectador e lhe desperta o paladar explorando símbolos da gastronomia local, como o amassar de tomates manual, garrafas de vinhos e a confecção de pães. Mais adiante a ópera também entra em cena para adornar ainda mais uma produção que por si só já é um verdadeiro deslumbre aos amantes de artes.

Hoffman não faz questão alguma de esconder que sua floresta idealizada é bastante artificial, como se de fato fosse o cenário de uma produção teatral, porém, bem mais rico em detalhes e propositalmente espalhafatoso para fazer um contraponto à realidade da burguesia tingida em tons pasteis e com cenários mais realistas. Como em um conto de fadas, o mundo dos humanos é triste e cinzento e o das criaturas fantásticas colorido e divertido. O elenco estrelar claramente visava chamar a atenção do público. Nomes famosos como Pfeiffer, Kline, e Tucci atestam a qualidade da produção e dividem os créditos com outros em ascensão na época como Everett e West. Então em evidência em uma série de TV, Flockhart ganhou papel de destaque, mas talvez não tenha o carisma necessário para viver a personagem mais apaixonada da trama. Demonstrando preocupação em de fato atingir uma interpretação com tons teatrais, com muita ênfase ao impostar a  voz e na gesticulação facial, ela é a única que não parece à vontade com o texto versado em um grupo bastante equilibrado. Os perfis são bem desenvolvidos dentro de uma proposta farsesca, o que nos faz perdoar algumas situações incoerentes, e os minutos finais assumem o tom de comédia pastelão com a encenação da tal peça de Bottom. Dentro deste universo a palavra de ordem é sonhar, afinal quem nunca quis que como em um passe de mágica tudo que nos aflige fosse resolvido? Sonho de Uma Noite de Verão poderia ter atingido resultados melhores quanto a repercussão caso tivesse uma lapidação mais apurada do texto, ter buscado uma conexão com o público mais contemporâneo. Sejamos sinceros, são poucos que conseguem se envolver com uma trama cujos diálogos abusam da rima e por vezes parecem querer ser cantarolados. Tal estilo também causa um problema para os países de língua não-inglesa para tradução e dublagem, assim vários diálogos soam estranhos ou ganham um toque cômico involuntário. De qualquer forma, é bom ver que o trabalho de Shakespeare não se sustentava apenas com tragédias, mas também havia espaço para diversão e romance, afinal a vida é feita de bons e maus momentos... E sonhos também!

Comédia romântica - 116 min - 1999

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