NOTA 7,0 Visualmente belo e criativo, com ótima mistura de técnicas de animação contemporâneas e antigas, longa peca por roteiro maçante e adulto demais |
Quem disse que animação infantil
precisa ser super colorida? Bem, se é a gurizada que a produtora Laika
Entertainment pretende realmente conquistar é melhor ela rever os seus
conceitos. Estúdio responsável por Coraline
e o Mundo Secreto e Paranorman,
apesar do currículo enxuto, já tem suas características bem definidas. Opção
por histórias mais sombrias, cores escuras, personagens bizarros e animação em
stop motion já são marcas registradas da empresa que as reforça no longa Os Boxtrolls, mais uma tentativa dela se
firmar entre os gigantes do segmento em Hollywood. Com o estilo peculiar de
suas obras o estúdio tem conseguido chamar a atenção da crítica visto que seus
três primeiros lançamentos, incluindo o filme em questão, foram todos indicados
ao Oscar da categoria, mas ainda tem dificuldades para encontrar seu público
patinando nas bilheterias e agradando mais aos adultos que as crianças. Há
justificativas. As temáticas abordadas fogem um pouco dos assuntos comuns ao
universo infantil, ou melhor, eles até fazem parte, mas preferimos preservar os
menores de certas discussões infelizmente necessárias. A falta de colorido e
ritmo lento também não ajudam a atrair a atenção de quem se acostumou às altas
doses de adrenalina e explosão de cores das criações da Pixar ou Dreamworks. Os
roteiristas Irena Brignull e Adam Pava transpõe para a tela parte do universo
imaginado pelo escritor Alan Snow para as mais de 500 páginas que compõe sua
obra intitulada "A Gente é Montro!" que começa relatando o sumiço do
bebê Trubshaw, fato que muda para sempre os rumos da cidade de Pontequeijo. Nos
esgotos vivem os tais boxtrolls, simpáticos monstrinhos que vivem de revirar o
lixo dos humanos somente a noite e se vestem com caixotes de mercados, assim adotando
como seus nomes próprios as palavras escritas em suas respectivas embalagens.
Assim não é para se estranhar que a tal criança desaparecida receba a alcunha
de Ovo dada por Peixe, o boxtroll que o encontra em meio a sucata e o adota
como filho. O garoto cresceu orgulhoso de ser um membro da espécie e nunca
questionou ser diferente fisicamente dos demais.
Quando seu tutor é capturado
por Arquibaldo Surrupião, que deseja
exterminar as criaturinhas, Ovo decide deixar os esgotos e se aventurar na
superfície dos humanos em plena luz do dia para resgatá-lo. É quando conhece a
mimada e curiosa Winnie, uma menininha que resolve ajudar nessa missão, mas também o convencer de que ele é
tão humano quanto ela. A trama surpreende por abordar uma série de metáforas,
muitas delas até um pouco difíceis para a compreensão infantil, como o
preconceito aos boxtrolls manifestado em atos de repúdio e violência, a relação
de afeto entre Ovo e Peixe, pai e filho tão diferentes, e o convívio
disfuncional entre Winnie e seu pai, o Lorde Roqueforte, o governante da
cidade, uma relação que carece de afeto de ambas as partes. Aliás, as duas
crianças acabam funcionando como agentes de mudanças em suas sociedades
alienadas, seja pelo medo ou pela arrogância aristocrática. O filme não oferece
explicações sobre a existência dos monstrinhos. O fato é que embora exista um
toque de recolher para os humanos se refugiarem quando eles costumam sair de
suas tocas, na verdade são os boxtrolls que tem bem mais motivos para se
apavorarem. Além de suas simpáticas feições, as criaturinhas ainda contam com
certo quê dos Minions de Meu Malvado
Favorito, visto que vivem metidos em atrapalhadas e se comunicam através de
um linguajar próprio como se fossem grunhidos. Contudo, eles não estão em cena
para protagonizar esquetes cômicos, mas suas vivências são o fio condutor de
uma narrativa relativamente complexa que envolve até mesmo lutas de classes.
Surrupião, por exemplo, é desprezado por todos e se mostra capaz de qualquer
coisa para se tornar um membro do respeitável e seleto do grupo dos
"chapéus brancos" ao qual Roqueforte faz parte e desperta inveja. Os
nobres não fazem mais nada que passar o tempo ocioso degustando queijos e
embora o vilão seja alérgico ele não mede esforços para entrar na panelinha, mesmo
que para tanto seja preciso mentir, roubar ou até mesmo matar. Suas ações
desmedidas colocam Pontequeijo em constante estado de atenção e anarquia,
principalmente incitando o ódio e preconceito dos habitantes quanto aos
boxtrolls. Sua ideia é que eliminando a ameaça dos diferentes a cidade o
reverenciaria como um benfeitor.
O longa dirigido por Graham
Annable, experiente na área de videogames, em parceria com Anthony Stacchi,
co-diretor de O Bicho Vai Pegar, faz
uma eficiente mistura de desenho à mão, computação gráfica e, principalmente,
stop motion, chegando a um resultado final bastante peculiar. A animação com
massinha traz um charme a mais não só pela alta qualidade, mas também pela
riqueza de detalhes. É quase possível sentir a textura dos cabelos e figurinos dos
personagens e a caverna que serve de habitat aos boxtrolls é repleta de
engenhocas que criam com a sucata que recolhem dos lixos, sendo o teto coberto
de lâmpadas que reproduzem um céu estrelado. O refúgio os mantém distante da
mesquinhez dos humanos e suas complicadas relações que incluem além do
preconceito também avareza e maldade, mas sempre com um toque de humor para
amenizar as situações. Nesse ponto esta animação compartilha uma ideia
trabalhada em A Noiva Cadáver, no
qual o diretor Tim Burton apresentava o mundo dos mortos com cores vibrantes e
personagens divertidos fazendo contraponto ao frio e cinzento universo dos
vivos habitado por pessoas depressivas e sisudas. Annable apresenta seus
boxtrolls como seres amáveis enquanto carrega nas tintas para mostrar os
humanos como os verdadeiros monstros da trama que acaba pecando por fazer
analogias mais indicadas à compreensão do público adulto, como o pensamento
levado adiante por Surrupião e companhia de que o desconhecido deve ser
repudiado, assim o medo é defendido com repulsa. Seus capangas, o Sr. Picles e
o Sr. Truta, intercalam as ações trazendo a tona uma série de indagações
existenciais e filosóficas, especialmente sobre o bem e o mal, a partir dos
conflitos travados em Pontequeijo, uma forma encontrada para dialogar melhor
com a plateia infantil e esmiuçar os temas controversos. Eles próprios não
compreendem se suas ações contra as criaturinhas os elevam a heróis da cidade
ou se estão sendo cruéis com inocentes, apenas agindo por impulso visando suas
próprias sobrevivências. Visualmente belo, Os Boxtrolls fica
na memória como mais uma produção que alcança sucesso aliando técnicas de
animação modernas à tradicionais, mas que deixa a desejar em termos de roteiro.
Os vários temas complicados abordados tiram um pouco o encanto da obra que se
torna maçante até mesmo aos adultos. Vale conhecer por curiosidade, mas longe
de ser um desenho para ver e rever sem cansar.
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