sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

RUA CLOVERFIELD 10

NOTA  7,0

Claustrofobia, pânico, insegurança
e melancolia se misturam em suspense
que resgata de certa forma a temática e
ambientação de Cloverfield - Monstro
Lançado em 2008, Cloverfield - Monstro não faturou horrores e tampouco caiu no gosto popular, mas por outro lado conquistou a crítica especializada por conta de seu leve sopro de originalidade.O diretor J. J. Abrams, então em evidência com a repercussão do seriado "Lost", era apenas o produtor da fita, porém, seu nome atrelado certamente deu um reforço para a campanha de marketing. Com cerca de 80 minutos de duração, a obra é bastante tensa e claustrofóbica, deixando aberto o caminho para uma continuação, mas a agenda cheia do criador acabou postergando a ideia. Demorou, mas de certa forma ela foi lançada. Com argumento de Josh Campbell e Matthew Stuecken e roteiro final de Damien Chazelle (do premiadíssimo musical La La Land - Cantando Estações), Rua Cloverfield 10 não é exatamente uma sequência. Além de aspectos técnicos mais hollywoodianos, nenhum ator do filme anterior e nem mesmo o personagem-título dão as caras. Ainda assim, Abrams dá um jeito deste trabalho guardar certo parentesco com a produção sobre a ameaça gigantesca que assola Nova York. Enquanto a grande metrópole era destruída, nesta espécie de sequência não-oficial, conhecemos a jovem Michelle (Mary Elizabeth Winstead) que no começo do filme aparentemente está abandonando o lar e seu companheiro. Desconhecendo a situação caótica que a cidade vive, a moça pega a estrada rumo ao interior e acaba sofrendo um acidente de carro que a deixa inconsciente. Quando acorda ela se vê presa em um cômodo desconhecido e sob os cuidados do misterioso Howard (John Goodman) que lhe afirma que todo o planeta está inabitável devido a um ataque químico provocado por uma invasão alienígena. Agora um dos poucos lugares seguros seria seu "bunker", um tipo de abrigo subterrâneo preparado para proteger das piores ameaças possíveis. Por ter salvo a vida da jovem, o anfitrião deixa claro que ela precisará obedecer suas regras, assim como Emmett (John Gallagher Jr.), outro sobrevivente resgatado.

A partir das desconfianças despertadas entre os personagens, mesmo com o pacto dos jovens confinados em acharem alguma forma de escaparem, o diretor Dan Trachtenberg alimenta um clima de tensão psicológica crescente. O principal foco do roteiro é desenvolver o convívio forçado entre os três estranhos, mas quando a situação dentro do abrigo parece estar no limite a trama dá uma virada para lembrar o espectador e alertar a protagonista que as coisas do lado de fora do confinamento também não é das melhores. Pior dentro ou fora do abrigo? Michelle não se conforma com o aprisionamento e resolve se arriscar e tirar sua própria prova dos nove enfrentando não só a realidade desconhecida, mas também a autoridade de Howard. Acostumado a viver papeis cômicos, Goodman surpreende com um personagem que intercala momentos de loucura, outros de extrema racionalidade, alguns ameaçadores e também lampejos de pura amabilidade. Entre o bonachão e o paranoico, o ator consegue plantar a dúvida se é de fato alguém caridoso ou uma ameaça tão perigosa quanto o que está atacando fora do esconderijo. Winstead também se sai bem vivendo uma mocinha que passa longe do estereótipo de fragilidades enquanto Gallagher funciona como um respiro ao embate entre a protagonista e seu protetor, mas em alguns momentos sua presença é quase nula diante da força das demais interpretações. Em Cloverfield - Monstro um dos inconvenientes era que não havia um sólido laço de identificação entre o espectador e os personagens desprovidos de complexidade ou simpatia, apenas estranhos perdidos em meio ao caos e reféns do apelo da tecnologia e da superexposição (a trama acompanha um grupo lutando pela sobrevivência, mas que não perde a chance de registrar videos e fotos no celular do tal mostrengo). O mesmo erro não foi cometido na obra em questão. Michelle conquista rapidamente a empatia do espectador, talvez por facilmente nos imaginarmos em seu lugar, assim sofremos com seus apuros e torcemos para que consiga voltar para casa e à sua rotina normal. Assim o espectador é convidado a ser uma espécie de quarto personagem, alguém onipresente que observa a tudo e se sente tão acuado quanto os enclausurados diante das muitas dúvidas e poucas respostas que o roteiro apresenta.

Além dos personagens e da própria proposta em si mais bem elaborados, tecnicamente Rua Cloverfield 10 também apresenta avanços em comparação com o citado filme do monstrengo. Abre-se mão do já decaído recurso do "found footage", as famosas edições de imagens de gravações caseiras, e há menos exploração de câmera trepidante na mão, assim conferindo à obra um ar de produção mais respeitável. A câmera parada em diversos momentos enquadrando os personagens em conjunto ajuda a narrativa, ressaltando o isolamento e uma falsa sensação de segurança. Todos conversam tranquilamente, mas de repente algo de inesperado acontece e abala os alicerces, inclusive o emocional do espectador. Cenas do tipo se repetem com frequência e a certa altura até uma costumeira música pop dançante é inserida para trazer certa ironia ao suspense construído. Enquanto lá fora o mundo parece literalmente desabar, dentro do abrigo a insegurança acaba cedendo algum espaço para momentos de calmaria, inclusive para brincadeirinhas para ajudar a passar o tempo ocioso. Amparado por uma eficiente campanha de marketing que fez a produção parecer maior do que realmente é, inclusive criando uma analogia explícita envolvendo a palavra Cloverfield em seu título, é certo que ela não é dependente do outro filme. Por si só tem conteúdo e força suficientes para ser apreciada como uma obra isolada, ainda que o ato final adentre com tudo na temática alienígena forçando uma ligação desnecessária entre as fitas. A sugestão de algum elo entre elas era o suficiente para instigar. Mesmo assim, eis um suspense acima da média e que com certeza representará um fardo para Trachtenberg. Então estreando na direção de longas, ele transforma uma história relativamente simples em um exercício de tensão usando com sabedoria o cenário econômico e o talento do elenco que ao mesmo tempo traz diversão e incômodo através das situações que vivenciam. Assim, é natural que em seus próximos trabalhos o diretor venha a sofrer pressão para manter ao menos o mesmo nível de qualidade. Boa sorte a ele!

Suspense - 103 min - 2016

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