terça-feira, 14 de março de 2017

A CASA DO FIM DO MUNDO

NOTA 5,5

O desenvolvimento da amizade
de dois jovens é temperado com
temas polêmicos, mas longa os
apresenta de forma superficial
O comportamento desregrado na adolescência pode ser apenas um problema passageiro, algo motivado pela ansiedade dos jovens em quererem experimentar inúmeras sensações. Colhidos os frutos e os danos, a maturidade nos ensina a escolher as melhores opções, mas viver é estar pronto para mudanças constantes. O que é bom hoje pode não ser amanhã e vice-versa. A Casa do Fim do Mundo fala justamente sobre transformações, emoções e escolhas, vivências que marcam nosso passado, ajudam a explicar o presente e podem influenciar o futuro. Pena que é muito assunto envolvido com polêmicas para se abordar em pouco tempo de arte, assim o resultado acabou sendo relativamente superficial. O roteiro de Michael Cunningham é baseado no romance homônimo de sua própria autoria e narra a história da evolução da amizade de dois grandes amigos. Bobby Morrow (Erik Smith) teria tido um início de vida normal se não fosse o acúmulo de óbitos que assolou sua família. Em Clevelend, em meados dos anos 60, ele teve seus primeiros contatos com drogas e foi incentivado a começar precocemente sua vida sexual graças aos conselhos do irmão mais velho, Carlton (Ryan Donowho). O rapaz aparece pouco no filme, mas sua participação é importante para ditar os rumos da vida do caçula. Ainda criança Bobby o viu perder a vida em um estúpido acidente doméstico devido ao seu estado de embriaguez durante uma festa. Logo sua mãe também falece devido a tristeza causada pelo episódio e não tarda para que ao pai aconteça o mesmo. Dessa forma, o garoto cresceu sem apoio familiar, fazia o que queria e não dava satisfação a ninguém, mas quando a última morte de seu clã ocorreu ele já era um adolescente e totalmente adaptado à família de Jonnathan (Harris Allan), seu melhor amigo da escola. Na frente dos pais, Alice (Sissy Spacek) e Ned Glover (Matt Frewer), os dois eram uns santinhos, mas quando estavam sozinhos eles usavam drogas, ouviam músicas pesadas e viviam experiências homossexuais. A Sra. Glover, como toda boa mãe, achava que quando eles se trancavam no quarto estavam apenas curtindo inocentes brincadeiras, mas um dia se surpreende ao vê-los fumando. Bobby, sem um pingo de vergonha, chega a oferecer um baseado a ela que para o espanto do próprio filho acaba aceitando. Pode soar estranho que uma tradicional dona de casa dos anos 70 pudesse ser tão cuca fresca, mas a naturalidade da atriz ajuda a tornar essa ideia crível, inclusive o fato dela encarar sem estresse a descoberta da relação amorosa entre os garotos.

Bobby não é tão despudorado quanto parece. Tentou se explicar com Alice quanto ao beijo que deu em seu filho, mas recebeu em troca um carinho que talvez nem a sua própria mãe um dia chegou a lhe oferecer. Ela confessa que não sabe bem como agir com esta situação, porém, mostra-se amigável e desconversa ensinando o garoto a preparar uma torta, um gesto simples que ajudou a direcionar a vida dele que no futuro tornou-se padeiro, mesmo ostentando uma cabeleira pouco usual para quem lida com alimentos. Vale ressaltar que Alice é uma das protagonistas na obra literária expondo também seu ponto de vista diante dos acontecimentos presentes e dos que vem a seguir, mas o filme a reduz a uma participação muito pequena, sendo acionada futuramente apenas para plantar uma sementinha de discórdia entre os garotos então já adultos. Tudo que foi descrito até aqui acontece no primeiro ato de forma muito ligeira, mas ainda assim usando um pouco de nossas memórias de vida e até a respeito de outros filmes com foco na adolescência é possível se inteirar da vida dos protagonistas. Com os problemas familiares, Bobby cresceu sem amarras enquanto Jonathan tinha uma família bem estruturada, mas ansiava por experiências novas e isso se tonou possível com o apoio de um grande amigo, no entanto, é ele mesmo quem procurou colocar um ponto final nessa relação dúbia. O loirinho desejava ir estudar em uma cidade grande e seguir o caminho “correto” de um homem, mas isso não impediu que Bobby continuasse vivendo com os pais dele por vários anos até que um dia Ned o aconselha a conhecer o mundo que existe fora da pacata vizinhança. Nesse ponto, já nos anos 80, Colin Farrell assume o papel do padeiro descolado que decide ir morar em Nova York reatando a amizade com Jonathan, agora vivido por Dallas Roberts. O reencontro é amistoso, mas o anfitrião deixa claro que embora vão dividir a mesma cama ele não deseja mais viver as aventuras sexuais da adolescência. Em um primeiro momento, pensamos que ele está com Clare (Robin Wright), uma garota com quem já divide o apartamento a algum tempo, mas não demora muito para percebermos que ele virou um gay enrustido, apesar de seus trejeitos denunciarem sua opção. A ausência do rapaz por conta de uma dessas noitadas é a deixa para a extrovertida companheira de lar provar a carne nova do pedaço. Estranhamente, Bobby que antes era um tremendo cara-de-pau, até então era virgem e chorou de emoção ao viver sua primeira relação sexual concreta tardiamente. Os amigos inverteram os papéis. O mais recatado virou um conquistador promíscuo e o rebelde foi domado. Um experimentou a tão sonhada liberdade com seus bônus e ônus enquanto o outro vivenciou o que é um lar e uma família de verdade. É uma pena que todas essas experiências só podemos imaginar quando paramos para analisar o conjunto. O diretor Michael Mayer não teve sensibilidade suficiente para conduzir uma história de tanto peso emocional e psicológico. A sensação é que simplesmente alinhavou as cenas de olho no cronômetro para não estourar muito o limite de uma hora e meia de filme, assim passagens importantes como um simples olhar, gesto ou um diálogo rápido foram sendo cortados de forma a condensar ao máximo a trama.

Se a amizade dos protagonistas já soava estranha na adolescência, quando adultos eles parecem muito mais distantes, mas alguns momentos nos fazem crer que existe certa tensão e atração entre eles, situações que o roteiro parece ter medo de explorar para não cair nos clichês ou para evitar polêmicas. Com a entrada de uma garota na relação, poderíamos jurar que os rapazes iam ficar em pé de guerra, mas o máximo que o roteiro esboça é uma leve rusga por conta da sensação que Jonathan tem de que Bobby quer tudo que é seu, desde a família até a sua namorada. Como? Pois é, não fica claro se o rapaz fica enciumado por conta de estar apaixonado por Claire ou por ainda sentir algo por Bobby. O fato é que uma notícia surpresa acabará unindo o trio formando uma atípica família feliz, vivendo na tal casa do título, até que um deles perceba que dois é bom, mas três é demais. É nesse ponto que percebemos como uma imagem vale mais que mil palavras e o diretor deveria estar atento a isso desde o início. A fase inicial dos personagens dá a impressão de que Mayer quis fazer uma introdução que remetesse ao estilo de filmes alternativos calcados em famílias disfuncionais. A estrutura se parece muito. Cenas e diálogos rápidos salpicados com ironias contrastando com bases dramáticas. Exposto tal universo, aí sim os conflitos e personalidades poderiam ser melhores desenvolvidos, mas infelizmente não é o que temos aqui. A Casa do Fim do Mundo não é um filme ruim, porém, a sensação de que tinha muito mais a mostrar é inquestionável. Dez ou quinze minutos de cenas adicionais e bem construídas seriam essenciais para dar uma melhor visão do conjunto e ainda assim permitir ao espectador tirar suas próprias conclusões sobre as algumas passagens. Alguns podem dizer que o elenco é o problema, mas não parece o caso. O fraco desenvolvimento dos personagens é o calcanhar de Aquiles, o que não deixa de ser estranho visto que Cunningham é o autor do romance “As Horas”, obra vencedora do prêmio Pulitzer e que originou o longa homônimo que deu o Oscar de Melhor Atriz para Nicole Kidman. Os perfis dos rapazes, razoavelmente bem delineados, são prejudicados pela rapidez das cenas que tornam suas emoções mecânicas, enquanto Clare acaba sendo utilizada apenas como um acessório para fechar um triângulo amoroso que se desfaz sem causar grande impacto. De qualquer forma, em tempos em que os relacionamentos amorosos estão cada vez mais alternativos, vale a pena conhecer histórias do tipo e quem sabe o próprio espectador preencher os espaços em branco com seus julgamentos e experiências.

Drama - 97 min - 2004 

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